Mais de 30 anos de estrada, inúmeros shows pela Europa e o respeito de punks e headbangers. Esse é um resumo da história da banda paulista Ratos de Porão, que se apresenta em Curitiba no próximo dia 16 de fevereiro no John Bull Pub.
Formado em 1981, o grupo atravessou seus 33 anos de história se mantendo fiel ao som sujo e sem concessões. Apesar de ter iniciado como uma banda punk, a incorporação de elementos de thrash metal e hardcore torna o som do Ratos extremamente original e criativo. A formação atual do quarteto tem João Gordo no vocal, Jão na guitarra, Juninho no baixo e Boka na bateria.
Juninho entrou na banda em 2004, continuando o legado de grandes baixistas que o Ratos teve, entre eles os figuraças Jabá e Fralda. Na visão dele, a paixão pela música é o combustível que faz o quarteto continuar na estrada. “O RDP não está na ativa para divulgar seu nome ou para aumentar a quantidade de fãs. Isso já é uma conquista antiga. Acredito que estamos na ativa até hoje porque todos nós gostamos muito de punk, hardcore e metal e também para poder tocar, que é o que mais gostamos de fazer”, diz Juninho.
Ter tanto tempo de estrada, com um trabalho consistente, certamente facilita as coisas, em alguns aspectos. “A história nos abriu portas e fez algumas coisas ficarem mais fáceis. Ser convidado para tocar em um festival grande, sem esforço, por exemplo. É uma recompensa pelo trabalho dos anos anteriores, então isso nos mantém firmes para continuarmos pelo amor ao hardcore!”, afirma.
O novo álbum
A banda está prestes a escrever mais um capítulo de sua história. O álbum “Século Sinistro”, 13º trabalho de estúdio do quarteto, deve ser lançado em breve. As gravações foram realizadas no estúdio Family Mob, em São Paulo, em novembro do ano passado. “Lá rolou uma parceria da banda com o pessoal do estúdio. O Jean, ex-Sepultura, deu uma força na pré-produção e ficou com a gente nas gravações. A mixagem ficou por conta do Kbelo. Ele mandou muito bem e o resultado final deixou todos bem contentes”, revela.
O novo álbum quebra um hiato de oito anos sem lançar um trabalho de inéditas. O último foi “Homem Inimigo do Homem”, de 2006. O período de “inatividade fonográfica”, porém, não foi uma atitude pensada. “Não foi uma opção ficar sem gravar, mas sim falta de tempo de todos da banda. Nesse período o Boka e o Jão tiveram filhos, o Gordo ficou um tempo enrolado trabalhando na TV, enfim, foram vários fatores que complicaram nossos encontros semanais para fazermos músicas novas”, conta.
Ratos em Curitiba
O Ratos de Porão se apresenta em Curitiba no próximo dia 16 de fevereiro no John Bull Pub. A capital paranaense, aliás, é uma das cidades brasileiras onde o grupo tem mais fãs. “Curitiba é sempre uma cidade foda de tocar. Os últimos shows rolaram no Hangar. O público estava presente em peso, mas a estrutura do local fica no limite. Muita gente não consegue entrar pra assistir, calor insuportável, mas nos próximos espero que todo público tenha um conforto melhor”, diz.
Um divisor de águas
Um dos álbuns mais marcantes da história do Ratos é “Anarkophobia”, de 1991. Com um peso e uma contundência ainda mais fortes do que de costume, o quarteto cunhou clássicos do porte de “Sofrer” e “Igreja Universal”. Na apresentação que a banda fez no ano passado em Curitiba, no Hangar Music Hall, o disco foi tocado praticamente na íntegra. “Tínhamos feito o show de 20 anos do lançamento do ‘Anarkophobia’, em São Paulo e, como estávamos com as músicas na ponta da língua, tocamos naquela época quase todas no set”, relembra.
“Anarkophobia” foi gravado em Berlim, na Alemanha, e produzido por Harris Johns. “Esse disco representa a época mais metal do RDP. Foi também o segundo disco gravado na Europa. A partir dali, a banda entrou para ficar no circuito europeu de casas de shows, squats e festivais. Eu já ouvi diversas histórias dessa gravação, todas muito boas, mas prefiro deixar que o Jão ou o Gordo contem, em alguma outra hora”, diz.
Rock nacional
O rock brasileiro atual está impregnado de artistas descartáveis, que surgem e desaparecem com a mesma rapidez. Bandas como o Ratos, que procuram manter o seu som e a sua postura intactos, estão cada vez mais em extinção. “É muito complicado comparar qualquer banda atual aos grupos dos anos 1980. Naquela época, as bandas não eram tão numerosas, em geral. Não existiam cinco, seis shows em uma mesma noite nas cidades e não eram lançados mais de 100 discos do estilo, por ano”, analisa.
A maior quantidade de grupos e a possibilidade de ouvir música gratuitamente pela internet mudou o perfil do consumidor de música em todo o mundo. “As bandas que existiam fixavam nas vitrolas e na cabeça das pessoas. Aquilo iria ficar de vez na vida de todos, ao contrário de hoje onde ninguém tem mais paciência nem de escutar um disco inteiro. São milhares de sons no aparelho de mp3 e isso prejudica o artista mais atual, faz ele ‘disputar’ espaço com muitos outros”, continua.
Apesar desse cenário, Juninho acredita que ainda é possível encontrar boas bandas no rock brasileiro. “Existem muitas bandas como o RDP espalhadas por aí, grupos que fazem bons shows, bons discos etc. Mas como eu disse antes, são tantas que fica mesmo difícil alguma delas se destacar de uma forma mais forte”, analisa.
A realidade brasileira e as manifestações contra a Copa do Mundo
A crítica social é uma marca das letras do Ratos. Sem meias palavras, João Gordo mostra, nas músicas da banda, a realidade do ser humano, no Brasil e no mundo, de forma nua e crua. Aliás, para falar de injustiças sociais, poucos países poderiam oferecer tanta “inspiração” quanto o nosso.
No último mês de julho, durante a Copa das Confederações, a população brasileira mostrou nas ruas a sua indignação contra a situação do país, em uma demonstração de força que não acontecia desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Juninho acredita que foi um momento histórico na vida da sociedade brasileira. “Os protestos contra a Copa das Confederações foram algo de muita importância no meio social. Eles pegaram de surpresa todos que achavam que o povo ficaria calado e quieto atrás de tanta coisa ruim acontecendo”, opina. “Acho que isso está ficando forte e vai criar uma antipatia em julho de 2014, quando acontecerá a Copa, de verdade”, complementa.
Juninho acredita que algumas ações do governo brasileiro estão provocando ainda mais a insatisfação da população. “Desde o final de 2013, o governo começou a criar leis para criminalizar qualquer tipo de ação que pareça uma ameaça pra eles. A verdade é que o governo está com medo da reação do povo, então querem desde já se defender de maneira covarde”, diz.
O temor da FIFA, e do governo brasileiro, é que as manifestações voltem a acontecer na Copa do Mundo, que começa no dia 12 de junho com o jogo Brasil x Croácia, na Arena Corinthians, em São Paulo. “Espero que muita gente saia às ruas e faça ações contra a Copa, pois é um evento de total interesse político, onde nenhum brasileiro sairá ganhando com isso”, afirma. “Temos que aproveitar o momento em que o mundo inteiro estará de olho no Brasil, e mostrar assim a verdadeira realidade desse lixo de país”, continua.
As tours pela Europa e o respeito dos gringos
O Ratos já fez inúmeras turnês pela Europa, nessas mais de três décadas de estrada. A mais recente aconteceu no ano passado, com shows na Espanha, Portugal e outros países do velho continente. Por ter construído uma rica história, o respeito pelo grupo, lá fora, também é grande. “Não há diferença entre o tratamento aqui no Brasil ou fora. Temos um respeito sim, pela história e pelas inúmeras tours, mas quando estamos com outras bandas mais novas vimos que o tratamento é sempre bom. Isso, dentro da cena punk/hardcore, é uma coisa que mantém bem essa igualdade, é uma coisa muito legal de se ver”, conta.
O interesse dos fãs europeus pela música brasileira sempre foi grande. Dentro do rock, o Sepultura e o Ratos de Porão foram importantíssimos para que os europeus, principalmente, começassem a olhar para a América do Sul. “O rock/metal brasileiro é bastante respeitado lá fora. Cada vez mais é possível ver discos antigos sendo relançados, edições onde selos gringos suplicam por músicas e fotos inéditas. Tem muita coisa boa que saiu aqui, antigamente, mas só agora, com os lançamentos atuais, esse material está chegando aos ouvidos dos bangers”, diz.
Os anos 1980, a internet e a nova realidade da música mundial
Quando o Ratos surgiu, no início da década de 1980, o mercado fonográfico brasileiro era muito diferente do atual, pois as grandes gravadoras comandavam com mão de ferro a chegada dos grupos ao grande público. Hoje, com a chegada dos home studios, qualquer músico que tenha um pouco de conhecimento sobre os softwares de gravação, pode produzir um CD em sua própria casa. Por conta das novas tecnologias, e a maior quantidade de bandas, a realidade é outra. “Antigamente, uma gravadora tinha um número limitado de bandas, daí ela podia se dar ao luxo de investir uma grana pesada em cada uma delas, pagar horas livres em estúdios de ensaio e a gravação, pois também se vendia muito, naquela época”, analisa.
No século 21, a venda de CDs tem diminuído, por conta da pirataria. Como consequência, as gravadoras investem menos nas bandas. “Hoje é quase impossível achar um selo que faça isso. As vendas são nitidamente baixas, as gravadoras não fazem tanto dinheiro quanto antes, então os recursos para as bandas diminuem também”, diz.
A internet veio para mudar o sentido da frase “consumir música”. As redes sociais, atualmente, servem tanto para os artistas divulgarem os seus trabalhos quanto para criar polêmica. “Acho que a internet veio para aumentar ainda mais o número de fãs, tanto para as bandas novas quanto para as antigas. O RDP entrou de cabeça no mundo digital com o Instagram, Facebook e, há um tempo atrás, o Myspace”, conta.
O futuro será escrito pela internet. Cada vez mais a música é consumida pela rede mundial de computadores, seja de forma legal ou ilegal. Estar conectado com esse novo mundo de possibilidades será essencial para se manter em evidência. A fan page do Ratos de Porão tem mais de 90.000 fãs. De acordo com Juninho, a relação do grupo com o mundo virtual é antiga. “Sempre estivemos presentes e fomos muito aceitos pelo público. Assim você não perde o contato com o pessoal antigo. A banda continua sempre na ativa com informações e novidades o tempo todo. E para o público novo que curte barulho, é inevitável chegar ao RDP. A banda virou referência no estilo”, finaliza Juninho.
O show em Curitiba acontece no próximo dia 16 no John Bull Pub. A abertura será das bandas curitibanas S.O.S Chaos e Crunch Delights. Os ingressos custam R$ 30 e podem ser adquiridos nas lojas Túnel do Rock, Let’s Rock, Dr. Rock, Monstros do Rock, Estudio TNT e GT Music. O John Bull Pub fica na Rua Mateus Leme, 2204.
Confira cinco músicas da apresentação que o Ratos de Porão fez em Curitiba, no Hangar Music Hall em março de 2012: “Igreja Universal”, “Beber Até Morrer”, “Commando”, “Ascensão e Queda” e “Amazônia Nunca Mais”.
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