Para os fãs, o show na Pedreira Paulo Leminski foi uma oportunidade única de ouvir alguns dos maiores clássicos do Rock brasileiro e que, normalmente, não fazem parte dos setlists dos shows do grupo

Turnês de reunião nem sempre oferecem aos fãs o que eles estão esperando e isso acontece por uma série de motivos.

Nessas ocasiões, por exemplo, é muito comum que os integrantes não estejam em um bom momento na trajetória solo e resolvam se juntar para retomar o destaque que tinham antigamente.

Em outras situações, o grupo só decide retornar pelo dinheiro (como aconteceu com os Sex Pistols que, de acordo com o próprio John Lydon, só voltaram para faturar com a comoção que a notícia provocaria).

No caso dos Titãs, essas afirmações passam longe da realidade, pois todos os integrantes do grupo possuem sólidas trajetórias solo e continuam produzindo e mantendo a criatividade que sempre marcou o trabalho de cada um deles.

Além disso, fica nítida a alegria que todos na banda estão sentindo no palco durante a turnê “Titãs Encontro – Todos Ao Mesmo Tempo Agora”, que reúne a formação clássica da banda (sem o guitarrista Marcelo Fromer, que faleceu em 2001).

Nesse sábado (10), as mais de 15 mil pessoas que estiveram na Pedreira Paulo Leminski para assistir ao show dos Titãs puderam perceber isso claramente, pois elas foram conduzidas a uma viagem ao que de melhor o Rock brasileiro já produziu nos últimos 40 anos.

40 anos de história comemorados com 31 clássicos absolutos

Arnaldo Antunes e Branco Mello (vocais), Tony Bellotto (guitarra), Sérgio Britto (vocal e teclado), Paulo Miklos (vocal e sax), Nando Reis (baixo) e Charles Gavin (bateria), reforçados pela presença do músico e produtor Liminha, abriram o show com “Diversão” que, literalmente, deu o tom do encontro deles no palco da Pedreira.

Na sequência, antes da emblemática “Lugar nenhum”, Arnaldo tomou a frente do grupo e perguntou ao público: “E aí, Curitiba, onde é que fica o Brasil?”.

Logo depois, antes de cantar “Tô cansado”, Branco se dirigiu aos fãs, visivelmente emocionado. “Eu estou muito feliz por estar aqui com esses meus amigos de uma vida toda! Mais feliz ainda por estar aqui depois de uma cirurgia que eu fiz para tirar um tumor da garganta! Estou aqui com vocês, curado, falando e me divertindo!”, disse.

No ano passado, Branco passou 32 dias internado em um hospital para se recuperar de um delicado procedimento para a retirada de um nódulo na hipofaringe.

O setlist escolhido pela banda para o show em Curitiba teve nada menos do que 31 músicas de todas as fases da banda, contemplando quase todos os álbuns lançados pelo grupo até hoje.

Nessa lista, estavam canções mais undergrounds, entre elas, “32 dentes” e “Porrada”, e sucessos estrondosos como”AA UU” e “Go back”.

Um dos inúmeros momentos marcantes do show foi “Igreja”, pois essa é uma música que não faz parte do setlist dos shows do trio remanescente dos Titãs (Branco, Britto e Tony).

Os shows de reunião dos Titãs ratificam a posição da banda entre as poucas no Brasil que conseguiram expressar em palavras todas as críticas que qualquer cidadão comum sempre teve em relação à sociedade brasileira.

Entretanto, é assustador perceber como todas as músicas mais ferozes dos Titãs ainda são atuais e retratam o país de uma maneira muito real.

Além da preocupação com o texto, com a mensagem das canções, outra grande característica dos Titãs é a diferença das personalidades de cada um dos integrantes de banda.

Arnaldo, por exemplo, é o performático, com um jeito todo pessoal de cantar e se movimentar no palco. Mesmo aos 62 anos de idade, até a clássica abertura de pernas que ele sempre fazia nos velhos tempos se fez presente no palco da Pedreira.

Já a cozinha dos Titãs, com Nando e Charles, é pesadíssima e dá outra pegada ao som do grupo, enquanto Tony, Branco e Britto são a alma Rock’n’roll da banda e Miklos traz o cuidado na interpretação de cada música.

O show teve até um momento inusitado quando, depois de “Eu não sei fazer música”, cantada por Branco, Paulo Miklos avisou que um dos geradores do palco tinha pifado e que eles precisariam de algum tempo para consertar.

Porém, nem bem a banda saiu do palco para esperar o reparo, a equipe de suporte já agiu rapidamente e, em menos de cinco minutos,  o problema já estava solucionado.

Em seguida, a banda voltou para tocar “Cabeça dinossauro” e, depois, foi exibido um vídeo que mostrava várias imagens da história dos Titãs, com depoimentos e brincadeiras entre os integrantes.

No fim, a banda se posicionou mais à frente no palco para tocar um set acústico, composto por cinco músicas, em uma referência ao álbum “Acústico MTV” (1987), que foi um dos maiores sucessos da trajetória deles.

Esse bloco começou com “Epitáfio”, cantada ao teclado por Sérgio Britto e acompanhada pelo movimento das luzes dos celulares do público que assistia ao show.

Na sequência, depois de “Pra dizer adeus”, Arnaldo chamou a filha de Marcelo Fromer, Alice, para se juntar à banda na execução de “Toda cor” e “Não vou me adaptar”.

Esse foi um dos momentos mais emocionantes do show, pois a morte do guitarrista original da banda (que foi atropelado por uma moto, em 2001) ainda é uma situação difícil de aceitar tanto para o grupo quanto para os fãs.




A curiosa história dos fãs que não conhecem (ou não entendem) o trabalho dos artistas dos quais supostamente gostam

Na volta ao set eletrificado, Miklos apresentou cada integrante da banda para que eles recebessem os mais do que merecidos aplausos.

Porém, quando Nando foi chamado, acreditem, uma pequena parte do público vaiou o baixista e vocalista.

Vindo de alguém que se diz fã, essa é uma atitude no mínimo desrespeitosa por causa de um motivo muito simples: qualquer pessoa que acompanhe mais de perto o Rock nacional desde os anos 1980 conhece muito bem o posicionamento político dos integrantes dos Titãs em relação a questões sociais.

Desde o início da pandemia, por exemplo, todos eles fizeram questão de publicar posts nas redes sociais nos quais abordavam claramente a importância da vacina, da ajuda ao setor cultural e à população de baixa renda.

Além disso, basta uma breve análise nas letras das músicas do grupo para captar o pensamento deles em relação a várias questões.

Entre as músicas da banda que são bem diretas, estão “Igreja” (que tem um clara abordagem ateísta), “Polícia” (que fala sobre a necessidade de uma corporação mais bem treinada, com foco na proteção do cidadão) e “Porrada” (uma crítica direta aos políticos, militares e bancos).

Ou seja, parafraseando um dos sucessos do grupo, os Titãs sempre deram nome aos bois.

Levando tudo isso em consideração, o que leva um “fã” a pagar R$ 380 + taxa administrativa, que era o valor do ingresso na área VIP da Pedreira, para vaiar o artista que ele está indo assistir?

Essa atitude desrespeitosa deixou alguns fãs realmente indignados. Neste grupo, está o músico Thiago Lemes, que ouve a banda desde os 7 anos de idade, justamente porque se apaixonou pela mensagem que os Titãs sempre procuraram passar. “Eu lamento quem vaiou a banda, mas isso veio de pessoas que nunca pararam para interpretar sequer uma letra da banda! Felizmente, foi uma minoria!”, diz.

“Bichos escrotos”, que foi tocada pouco depois das vaias à Nando, encerrou esse bloco do show. Ironicamente, ou como uma mensagem subliminar que veio do acaso, os telões mostraram várias imagens que retratavam os seres grotescos e nefastos que estão presentes na letra da música.




Apoteótico

Quando a inesquecível introdução de “Miséria”, cantada pela dupla Mauro e Quitéria, começou a soar na Pedreira, o público automaticamente fez a conexão com o álbum “Õ Blesq Blom” (1989).

Naquela época, esse casal de repentistas foi descoberto pelos Titãs quando a dupla se apresentava nas ruas de Recife. Com o faro aguçado e atento que o grupo sempre demonstrou, eles resolveram convidá-los para gravar o disco, que teve a produção do lendário mago do Grunge, o estadunidense Jack Endino.

Essa letra, aliás, é mais uma daquelas que fazem, ou deveriam fazer o ouvinte pensar: “A morte não causa mais espanto. Miséria é miséria em qualquer canto. Cores, raças, castas, crenças. Riquezas são diferenças!”, canta Britto.

Depois, Nando assumiu os vocais para cantar “Marvin” e, no refrão, ele fez claramente questão de dar uma cutucada no pequeno grupo de fãs do grupo que, ao que parece, não entenderam o que os Titãs estão falando nesses mais de 40 anos de vida: “Levantem as mãos todos aqueles que acreditam que, finalmente, a gente se livrou daquele Inferno!”, disse.

Para encerrar o show, antes de cantar “Sonífera ilha”, Miklos disse que eles não poderiam deixar de fora a música que apresentou os Titãs ao público brasileiro no álbum de estreia do grupo, auto-intitulado, lançado em 1984.

No final, a banda se juntou bem em frente ao palco para agradecer ao público e ser saudada da maneira que  merecem, com um dos gigantes da história do Rock nacional.

Será muito difícil ver ao vivo algo tão impactante quanto o setlist dessa turnê de reunião dos Titãs, afinal, quantas bandas no mundo são capazes de reunir 31 grandes sucessos em uma única apresentação? Muitas músicas que poderiam fazer do show, inclusive, ficaram de fora, entre elas, “Corações e mentes” e “Mentiras”.

Mais do que isso, quantas bandas do século XXI são capazes de oferecer ao público letras que sejam tão inteligentes e criativas a ponto de fazer o fã pensar no que está sendo cantado?

Por tudo isso, os Titãs pertencem a uma raça que está em extinção não só no Brasil, mas no Rock mundial, e merecem cada aplauso do público nos shows que faltam para o encerramento turnê.

Para o músico Thiago Lemes (36), que ouve a banda desde os 7 anos de idade, a experiência de presenciar uma das apresentações da turnê de reunião dos Titãs nunca será esquecida. “O show foi uma viagem aos meus tempos de piá, quando eu estava aprendendo a tocar violão e descobri o Rock’n’roll! Hoje, essas músicas até passam despercebidas no universo do rádio e da televisão, mas quando a gente se depara com esses senhores reunidos em um palco como o da Pedreira, a poesia vem à tona como foi na primeira vez! Foi um showzaço com som redondo e com a banda demonstrando uma vitalidade incrível!”, diz Thiago.

Os Titãs ainda se apresentam nos dias 16, 17 e 18 de junho (Allianz Parque, São Paulo), 23 de junho (Praça do Papa, Vitória), 30 de junho (Estádio Comercial F.C, Ribeirão Preto) e 3 de novembro (Altice Arena, Lisboa, Portugal).

Assista aos vídeos das músicas “Igreja” e “Diversão”, gravados ao vivo no show dos Titãs na Pedreira Paulo Leminski.

Aproveite para assinar o Cwb Live, pagando a quantia que você achar justa. É só acessar a plataforma Catarse (campanha “Eu Apoio o Cwb Live”).

Assim, você ajuda o site a se manter na ativa, fazendo um jornalismo independente e com conteúdos exclusivos (entrevistas em texto e vídeo, coberturas de shows, fotos, vídeos e matérias).

Inscreva-se no nosso canal no YouTube para assistir aos vídeos de shows e entrevistas exclusivas e siga as nossas redes sociais no TwitterInstagram e Facebook.