Texto: Marcos Anubis
Revisão: Priscila Oliveira
Pesquisa de imagens e multimídia: Jana Santos
Fotos: Reprodução/Colherada Cultural, Captura/DVD Queen Rock In Rio
Alguns shows da 1ª edição do Rock In Rio, que aconteceu de 11 a 20 de janeiro de 1985 na Cidade do Rock, foram inesquecíveis tanto para o público quanto para as bandas. Para quem esteve lá e viu a história ser escrita, as lembranças não foram apagadas da memória até hoje.
Testemunha ocular da história
O funcionário público Renato Sozzi guarda até hoje na memória as lembranças do festival. De acordo com ele, o RIR mudou a relação dos fãs com os artistas preferidos de cada um deles. “O povo brasileiro era carente de ver as grandes bandas internacionais. Eu tinha 22 anos e quando anunciaram o Rock In Rio tudo parecia um sonho. Comprei o passaporte para os últimos cinco dias e me mandei de ônibus para o Rio de Janeiro”, relembra.
Para ver o festival, Renato chegou a se “acomodar” em locais no mínimo inusitados. “O mundo era outro. Eu cheguei a dormir em cima de capachos de hotéis e varandas de casas, pois não se tinha dinheiro como hoje. Mas valia a pena, era tudo gigante, inacreditável”, conta. A rotina de Sozzi era chegar todos os dias às 13h e voltar para o centro do Rio de Janeiro às 4h da madrugada. “Levava um lanche acompanhado de vodka com Wimi e passava o tempo todo conhecendo gente de todos os lugares do país”, diz.
Tudo era novidade, não só para os organizadores, mas também para a imprensa e as quase 1, 5 milhão de pessoas que acompanharam os dez dias do evento. “O clima era de total deslumbramento. Como foi publicado na época, muitos acharam que o festival foi o Woodstock brasileiro, pois eram muitas bandas gringas importantes pela primeira vez no Brasil, ao lado dos grandes artistas nacionais”, relembra o jornalista Jamari França, um dos maiores nomes da história imprensa cultural brasileira, que cobriu o evento para o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro.
Queen
O primeiro Rock In Rio teve apresentações que ficaram não só na memória do público, mas também entraram para a história das bandas, sendo lembradas pelos músicos até hoje.
A presença do Queen, por exemplo, foi um dos grandes momentos da história do Rock’n’roll. Em 1981, quando vieram pela primeira vez para a América do Sul, a intenção era que o show acontecesse no Maracanã. Inacreditavelmente, o pedido foi negado sob a alegação de que o estádio era somente para uso em eventos esportivos e culturais. O show, então, acabou acontecendo no estádio do Morumbi, em São Paulo.
No dia 12, pouco antes da apresentação, Roger Taylor (bateria), John Deacon (baixo) e Brian May (guitarra), já estavam na Cidade do Rock. Cada um deles veio sozinho. Para evitar o fim da banda, existia um acordo entre eles dizendo que não poderiam se deslocar juntos para os shows, evitando que, se algum acidente acontecesse, a tragédia matasse todos do grupo. Freddie Mercury, que estava hospedado na suíte presidencial do anexo do hotel Copacabana Palace, com uma diária de 1,6 milhão de cruzeiros, chegou de helicóptero.
As instruções para o “faz-tudo” do festival, o coordenador Amin Khader, que cuidava de todos os pedidos e caprichos das celebridades, era claro: uma garrafa de saquê a 20° deveria estar esperando pelo cantor em seu camarim. Mercury desceu de roupa de couro preta e chapéu de cowboy. Na entrada do camarim, vendo que vários artistas brasileiros, entre eles Erasmo Carlos, Alceu Valença, Ney Matogrosso e Elba Ramalho, esperavam a sua chegada, aconteceu o primeiro atrito da noite.
Mercury quis saber quem eram aquelas pessoas e Amin respondeu: “São artistas e técnicos do mesmo gabarito que o seu”. Freddie, impassível, arrematou: “Não são. Porque eles me conhecem e eu não sei quem eles são. Concluo que não são do mesmo gabarito do que eu”!
Depois da invertida, o cantor deu um ultimato para que todos saíssem do corredor ou os seguranças do cantor fariam o trabalho. Amin fez o pedido aos artistas brasileiros, que mesmo a contragosto, se retiraram. Quando Mercury passou, foi recepcionado com um coro de boas-vindas: Bicha! Bicha! Bicha! Curioso, o líder do Queen quis saber o que estavam gritando. Amin respondeu que eles estavam enaltecendo o grande Freddie Mercury, que ficou ainda mais bravo e gritou: “Mentira!”.
Quando tudo já parecia resolvido, veio outra confusão. Freddie chamou Amin e perguntou: “No Brasil existem furacões?”. O coordenador respondeu que aconteciam, no máximo, tempestades tropicais. Sorrindo, o vocalista disse, sarcástico: “É que passou um aqui no camarim”. Quando Khader foi olhar o que tinha acontecido, tomou um susto. O local estava revirado, com garrafas de Johnny Walker quebradas, pedaços de mamão no teto e o precioso saquê a 20 º pegando fogo. Ao que parece, Mercury fez tudo de propósito para se vingar dos xingamentos.
Três arrumadeiras foram convocadas às pressas para limpar a bagunça. Enquanto Amin juntava os cacos de vidro no chão, Freddie, imóvel no meio do camarim, chutava mais sujeira para os locais que já estavam limpos. Foi a vez do coordenador estourar: “Você quer que a gente limpe ou deixe do jeito que está?”, gritou. O vocalista então, finalmente, deu uma trégua. Depois de toda essa cena, já com tudo no lugar, Mercury autorizou a entrada de dez pessoas no camarim. A partir daí o que aconteceu é um mistério. O fato é que o show começou com duas horas de atraso. Em agradecimento, Amin deu duas garrafas de whisky aos artistas brasileiros que liberaram o corredor para a passagem do astro.
Após os “chiliques”, veio uma apresentação histórica. A banda estava em turnê promovendo o álbum “The Works”, lançado em 1984. Diante de 250 mil pessoas, o que seria o maior público da carreira do quarteto inglês, o grupo começou o show com “Tie your mother down” e passou por clássicos como “Bohemian rhapsody” e “Seven seas of rhye”.
A versão violão e voz de “Love of my life”, cantada por toda a Cidade do Rock, é considerada um dos mais belos momentos da história do Rock. Antes da canção, Brian May disse: “Essa música é muito especial para as pessoas da América do Sul. Obrigado por fazê-la tão especial para todas as outras pessoas do mundo”, disse com a voz embargada de emoção.
Poucas vezes na história da música foi possível notar uma sinergia tão grande entre artista e público. As 250 mil pessoas estavam aos pés do Queen, mas o quarteto inglês também estava aos pés dos fãs. Mágico!
Freddie Mercury estava inspiradíssimo e fez toda a plateia repetir seus poderosos agudos quase com o mesmo alcance vocal do cantor. “Radio ga ga”, com as engrenagens ao fundo do palco fazendo uma alusão ao filme “Metropolis”, de Fritz Lang, e o público acompanhando a música com palmas, imitando o clipe da canção, é um dos momentos mais lembrados entre todas as edições do RIR. O Queen se apresentou também no dia 18, para 250 mil pessoas, repetindo a mesma performance.
As duas aparições do Queen no Rock In Rio foram consideradas por muitos, não por acaso, as melhores do festival. “O Queen é uma banda de grandes performances. As duas no RIR tiveram um impacto fenomenal. O grupo estava no auge da popularidade, muito afiado e com muitos sucessos. Acho que os shows daqui e os de Wembley no ano seguinte foram os mais importantes da carreira deles”, opina Jamari.
A vinda da banda inglesa e a repercussão de sua apresentação foram sentidas não só no Brasil. “Acho que foi o melhor show que o Queen fez na América do Sul, o maior e com mais pegada. A presença deles no RIR mostrou a grandeza do grupo. Acho que foi um marco, antes e depois”, diz o cardiologista e vocalista da banda/tributo argentina Doctor Queen, Jorge Busetto.
O cantor não esteve presente no Rock In Rio, mas assistiu aos shows na Argentina, em 1981. “O Queen foi a primeira megabanda que visitou a Argentina, ainda nos tempos da ditadura militar. Com a chegada da democracia, em 1983, começamos a receber mais espetáculos internacionais. Depois de 1985, começaram a chegar as melhores bandas e legendas do Rock por aqui. Acho que o RIR foi muito motivante para nós, nesse sentido”, complementa Busetto.
Confira um dos shows do Queen no Rock In Rio e a célebre entrevista que Mercury concedeu à repórter Glória Maria.
Pura verdade e eu estava lá 1985. Top demais.
A voz mais linda fo século.
Mas permanecerá por toda a eternidade.