rock in rio4

O evento, realizado de 11 a 20 de janeiro de 1985, mudou a cara do showbizz na América do Sul

O ano é 1985. A democracia no Brasil começava a dar os primeiros passos. Por causa da ditadura que sufocou o país durante duas décadas, o conhecimento musical do brasileiro era restrito essencialmente aos artistas que faziam parte da programação das rádios da época.

Foi nesse contexto que o empresário Roberto Medina teve uma ideia visionária e ousada que mudou todo esse cenário.

O festival Rock In Rio, realizado entre os dias 11 e 20 de janeiro de 1985, no Rio de Janeiro, é considerado um divisor de águas na história da música brasileira, pois colocou o país na rota dos grandes shows internacionais e ratificou a força do Rock nacional.

A construção de um sonho

No começo de 1984, Roberto Medina pretendia se mudar para outro país, pois estava desiludido com a realidade brasileira.

Entretanto, a esposa do empresário, Maria Alice, achava que esse não era o caminho ideal, pois o marido poderia acabar se arrependendo dessa decisão.

Indeciso e com o início da democracia se aproximando no horizonte brasileiro, Medina teve um sopro de ânimo que acabaria mudando a vida dele e de milhares de outras pessoas.

Assim, em janeiro de 1980, o empresário trouxe o astro Frank Sinatra para cantar no estádio do Maracanã, diante de 175 mil pessoas, e isso fez com que ele acreditasse que era possível dar um passo ainda maior.

Tomado por esse entusiasmo, na mesa de projetos na agência Artplan, uma ideia grandiosa começava a surgir: realizar um megafestival chamado Rock In Rio, que aproveitasse aquele momento de euforia do povo brasileiro, que se refletia claramente na juventude.

O parâmetro era o lendário Woodstock, o evento musical mais conhecido do mundo, realizado entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969 na cidade de Bethel, em Nova York, e que reuniu 500 mil pessoas.

Medina era ainda mais ousado, pois acreditava que poderia atrair 1,5 milhão de expectadores em dez dias de shows.

Entretanto, o investimento que ele deveria fazer não tinha precedentes no Brasil, pois os ingressos deveriam custar dez vezes menos do que um show nos Estados Unidos, contrastando com o valor de produção, que chegaria ao dobro.

A explicação é simples: o Brasil não dispunha de mão de obra qualificada para realizar um projeto dessa magnitude.

Contudo, quando a ideia foi apresentada na Artplan, não houve muito entusiasmo.

O publicitário Cid Castro, que criou a logomarca do Rock In Rio, revela no livro “Metendo o Pé na Lama” que, entre as pessoas que estavam presentes na reunião, houve uma divisão de pensamentos composta por 90% de céticos, 8% de entusiasmados e 2% de ufanistas. Obviamente, a perspectiva não era muito animadora.

Pelos cálculos da agência, apenas 30% dos gastos seriam cobertos pela bilheteria, o que exigiria patrocinadores extremamente fortes.

Porém, sem desanimar, Medina procurou a cervejaria Brahma e conseguiu o apoio necessário para poder seguir em frente com o projeto.

Como a Artplan não era uma profunda conhecedora do mundo do Rock, o empresário procurou o jornalista Luiz Antonio Mello que, na época, dirigia uma das rádios mais importantes do país, a Fluminense FM, do Rio de Janeiro. “Rapaz, foi quase inacreditável. Ele ligou para a rádio, em meados de 1984, nos convidou para ir até a sua agência e apresentou os croquis do Rock in Rio. Não acreditávamos no que estávamos vendo. Encaminhamos vários nomes que foram contratados, entre eles o AC/DC, o Yes e o Whitesnake”, conta Mello.

O próximo passo seria o mais difícil: viajar para os Estados Unidos não só para contratar, mas também para convencer as bandas de que se apresentarem no Brasil seria uma oportunidade única.

rock in rio história 1985 roberto medina artplan

Roberto Medina e os filhos dele nas obras da Cidade do Rock

A desconfiança dos grandes nomes da música mundial

Esperançoso, Medina embarcou para Nova York ao lado do produtor Luiz Oscar Niemeyer e do empresário Oscar Ornstein.

O primeiro obstáculo foi a desconfiança em relação à terra brazilis e, na verdade, motivos para isso não faltavam.

Em 1983, por exemplo, o Kiss teve o equipamento de som da banda extraviado durante a passagem do grupo pelo Brasil.

No mesmo ano, o The Police não recebeu na íntegra o cachê pela apresentação no Maracanãzinho e o Van Halen passou pela mesma situação.

O caso do Queen era ainda mais complicado porquem em 1983, quando veio pela primeira vez para a América do Sul, a banda pretendia se apresentar no Maracanã.

Essa era quase uma obsessão do grupo, que era apaixonado pela aura daquele que era considerado o maior estádio de futebol do mundo.

Inacreditavelmente, o pedido foi negado por Chagas Freitas, governador do Rio na época, sob a alegação de que o local só poderia ser usado em eventos esportivos e culturais.

Diante de tudo isso, Medina se reuniu com o empresário do Queen, Jim Beach. Na ocasião, o brasileiro recebeu uma garrafa de champanhe e ficou sabendo que o representante da banda inglesa não acreditaria em um projeto dessa magnitude nem se ele fosse apresentando por um estadunidense.

Os alvos

Medina, Luiz e Oscar passaram 70 dias em Nova York e organizaram 70 reuniões com vários artistas, sem sucesso.

A lista de possíveis contratados tinha 114 nomes, incluindo os Rolling Stones, The Who, Deep Purple, The Smiths, Depeche Mode, Michael Jackson e até bandas que não estavam mais na ativa, como o Led Zeppelin e o Pink Floyd.

As tratativas com cada uma dessas possíveis atrações exigia, no mínimo, quatro reuniões com os empresários, o que foi levando a um desgaste inevitável. Faltava confiança de que o Rock In Rio não seria mais um calote brasileiro na cena internacional.

Desanimados com a recepção em Nova York, o trio partiu para Los Angeles esperando encontrar novos ares.

Quase desistindo da ideia, Medina acabou se lembrando do empresário de Frank Sinatra, Lee Solters, com o qual o empresário já havia trabalhado.

Então, em uma última tentativa, ele ligou para Solters para explicar todo o projeto que pretendia colocar em prática e tentar reverter a desconfiança dos produtores e artistas.

Depois da conversa, ficou combinado que o brasileiro deveria organizar um coquetel para cerca de 50 pessoas.

Foram convidados os 70 jornalistas mais influentes dos EUA, no que seria a chance derradeira para que o Rock In Rio deixasse de ser um sonho e se tornasse uma realidade.

No dia seguinte, os principais veículos de comunicação dos Estados Unidos espalhavam a notícia de que o Brasil organizaria o maior festival de música de todos os tempos.

Com a ajuda de Lee Solters, a confiança das bandas no projeto se solidificou, fazendo com que os artistas aceitassem o convite para se apresentar no Brasil.

Ozzy Osbourne foi o primeiro e o Queen veio em seguida. Jim Beach, inclusive, concedeu uma coletiva no Hotel Savoy, em Londres, elogiando o festival.

rock in rio história 1985 roberto medina artplan

O escritório da Artplan

Os contratos

Para diminuir o custo dos contratos com os artistas, ficou acertado que os shows aconteceriam à noite e que todos poderiam trazer a própria equipe de profissionais de som e luz.

Depois do acerto com as atrações internacionais, Medina passou a fazer contato com as bandas e artistas brasileiros.

A primeira a ser convidada foi a cantora Rita Lee, mas ela recusou dizendo que estava prestes a começar a gravação de um novo álbum.

No final de agosto, quatro meses antes do início do festival, estavam confirmadas dez atrações: Barão Vermelho, Moraes Moreira, Elba Ramalho, Blitz, Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Eduardo Dussek, Erasmo Carlos e Gilberto Gil.

No dia 19 de dezembro, depois de muita insistência, Rita Lee e Roberto de Carvalho assinaram um contrato. O maior cachê entre os brasileiros foi o de Ney Matogrosso, que abriria o Rock in Rio.

Em um festival desse porte, é normal que aconteçam desistências de última hora. Foi o caso do Men At Work, que encerrou suas atividades pouco antes do começo do festival, e dos Pretenders, por causa da gravidez da vocalista e guitarrista Chrissie Hynde.

A situação mais triste foi a do Def Leppard, pois o baterista Rick Allen sofreu um acidente de carro no dia 31 de dezembro 1984, duas semanas antes do Rock In Rio, e precisou amputar o braço esquerdo.

O grupo acabou sendo “substituído” pelo Whitesnake e, por ironia do destino, a banda de David Coverdale proveitou muito bem a oportunidade e fez uma apresentação realmente histórica.

rock in rio5

A construção da impressionante Cidade do Rock

Para realizar a primeira edição do Rock In Rio, entre os dias 11 e 20 de janeiro de 1985, era preciso erguer uma estrutura sem precedentes na história do showbiz brasileiro. A primeira providência foi escolher o local no qual tudo seria construído.

A solução encontrada foi criar a Cidade do Rock em um terreno na Ilha Pura, localizado em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, que foi cedido pela Construtora Carvalho Hosken.

O investimento inicial foi de 4,5 milhões de dólares. As obras na área, que tinha 250 mil metros quadrados, começaram em agosto de 1984. Para nivelar o terreno, que precisava ser erguido em 1,5 metro, foram usados 13 mil metros cúbicos de aterro, transportados em 71 mil caminhões.

Foi construída uma subadutora, que tinha um quilômetro de extensão, para levar água até a Cidade do Rock. Também foi criada uma lagoa de estabilização com aguapés para receber a água dos banheiros.

Porém, no início de setembro, as obras pareciam não progredir. Mais uma vez Medina se mostrou disposto a cancelar o Rock In Rio, acreditando que não haveria tempo suficiente para terminar a Cidade do Rock.

Quando se encaminhava para uma reunião na Artplan, que deveria encerrar o projeto, o empresário foi abordado por três rapazes em um Passat branco que o reconheceram e agradeceram efusivamente pela oportunidade de ver grandes bandas do cenário internacional.

O fato foi tão marcante que fez Medina mudar de ideia. No dia seguinte, o número de operários foi triplicado. O terreno foi cercado por um muro de três metros de altura e dois quilômetros de extensão e 400 banheiros foram instalados.

Para dar um ar “tropical”, 450 coqueiros e 85 palmeiras foram plantados. A estrutura em volta do local também foi alterada e, entre outros serviços, surgiram alguns campings.

O maior deles era chamado de Caracol e tinha 210 mil metros quadrados, espaço suficiente para a instalação de 3.000 barracas.

A Cidade do Rock acabou sendo concluída apenas dois meses após o emocionante encontro de Medina com os adolescentes, fato que deu novo ânimo ao empresário e fez com que, finalmente, a estrutura do Rock in Rio saísse do papel.

mapa-da-cidade-do-rock-1376453623253_615x300

O mapa da Cidade do Rock

Dificuldades políticas

No dia 21 de setembro, a obra foi embargada pela Secretaria Municipal de Obras do Rio de Janeiro, sob a alegação de que existiam construções irregulares, litígios de terras, e de que não havia licença para a realização do festival naquela área de Jacarepaguá.

Na verdade, essa era uma briga política com o governador do Rio, Leonel Brizola, pois a Artplan tinha feito a campanha publicitária de Moreira Franco, o oponente de Brizola nas eleições.

Medina acabou recorrendo a Tancredo Neves, que seria eleito o presidente do Brasil, e ele intercedeu a favor da realização do evento.

Ficou acordado que o festival aconteceria, mas que a Cidade do Rock precisaria estar desmontada no prazo máximo de um mês após o término do festival. Além disso, toda a estrutura deveria ser doada a comunidades carentes.

O palco das estrelas

Outra tarefa hercúlea foi a construção do palco no qual pisariam as grandes estrelas do festival. Idealizado pelos coreógrafos Kaká e Mario Monteiro, ele media 5,6 mil metros quadrados, sendo oitenta metros de boca e vinte de altura.

Doze estacas foram cravadas a 15 metros abaixo do nível do solo, permitindo que a estrutura suportasse dez toneladas de peso. Mil chapas de compensados de madeira foram usados no piso do palco, que ficava a três metros do público e a uma altura de 3,3 metros.

Foram construídos três palcos giratórios em cima da estrutura principal. Isso permitia que, enquanto um artista se apresentasse, o equipamento da banda que viria a seguir já estivesse pronto quando o show acabasse.

rock in rio6

Ney Matogrosso inaugurando o palco da Cidade do Rock

Luz e som

O responsável pela iluminação do festival foi o lighting designer Peter Gasper, que teve uma sacada inteligente para ajudar a diminuir os custos do festival. O iluminador viajou à Alemanha para uma reunião com a equipe do Queen, que se apresentaria no Rock in Rio nos dias 11 e 18 de janeiro.

Como o equipamento ficaria no Brasil durante mais de uma semana, Gasper acertou que a iluminação seria usada em todos os dias do evento, com a Artplan pagando o aluguel restante.

O movimento hidráulico das luzes, porém, só seria usado no show da banda inglesa. Só a iluminação que seria direcionada para o público tinha 2 milhões de watts, suficiente para iluminar uma cidade com 60 mil habitantes. A estrutura ficou pronta no dia 23 de dezembro de 1984.

O equipamento de som foi alugado da Clair Brothers, sediada nos Estados Unidos, já que nenhuma empresa brasileira tinha a qualidade e a quantidade necessárias para atender um festival desse porte.

O sistema reunia 250 caixas de som, sendo 120 nas laterais do palco e 130 nas torres de luz, para que toda a Cidade do Rock recebesse o mesmo nível de decibéis. Elas eram comandadas por quatro mesas de som de 32 canais cada.

Toda a parafernália tinha 70 mil watts de potência e pesava 100 toneladas. Por causa da maresia, que podia danificar os equipamentos, a estrutura só foi armada entre os dias 3 e 8 de janeiro.

Perto do palco, em uma área de 5 mil metros quadrados, foram montados doze camarins, duas coxias para o equipamento de som, uma grande sala de estar para convidados e um restaurante com capacidade para 120 pessoas que funcionava 24 horas por dia.

A obra civil da Cidade do Rock foi inaugurada no dia 5 de dezembro de 1984 com uma festa para 1,5 mil operários que trabalharam na construção.

Eles puderam usufruir de toda a pompa que o momento exigia. Duas beer gardens foram montadas, abastecidas por dois caminhões tanque totalizando 50 mil litros de cerveja.

Em quatro horas de festa, 5 mil foram consumidos, além de 10 mil salgadinhos e 3,8 mil litros de refrigerante.

Festa e advertências

No dia 9 de janeiro, Roberto Medina convidou todos os artistas que se apresentariam no Rock In Rio para uma festa na casa dele, localizada em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca.

Estiveram presentes Erasmo Carlos, Rita Lee, Whitesnake, Queen, Iron Maiden, George Benson, Al Jarreau, Rod Stewart, Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Elba Ramalho, Moraes Moreira, Alceu Valença, Nina Hagen, Ivan Lins, Barão Vermelho, Lulu Santos e James Taylor.

Em dado momento da confraternização, Medina pediu a atenção de todos e fez algumas considerações. A principal delas era que, como todos os artistas já haviam recebido 50% dos cachês de cada um deles e a outra metade seria paga após os shows, não seriam tolerados atrasos nas apresentações.

O recado dava a entender que os horários deveriam ser respeitados, caso contrário o pagamento viria com “descontos”. Porém, não seria bem assim…

Confira como era o comércio informal fora do evento, qual era a expectativa nos dias que antecederam ao Rock In Rio e como foi a abertura dos portões da Cidade do Rock.

erasmo carlos rock in rio 1985

Erasmo Carlos foi a principal vítima dos “metaleiros”

O desrespeito aos artistas nacionais

Apesar de toda a mística que foi criada em torno da 1ª edição do Rock In Rio, realizada de 11 a 20 de janeiro de 1985 na Cidade do Rock, no Rio de Janeiro, nem tudo correu de maneira “educada”, digamos assim.

O fato mais lamentável foi a falta de “aceitação” dos artistas nacionais por parte do público, poia como era a primeira vez que o país recebia um grande festival, os fãs não estavam acostumados com a diversidade de estilos que é muito comum nesse tipo de evento.

A “tribo do Rock”, que na época não era sequer conhecida pela grande mídia, mostrou suas garras em várias apresentações.

Logo na abertura do RIR, o cantor Ney Matogrosso, com a tradicional performance provocativa que sempre fez parte dos shows dele, foi fortemente vaiado e até pedras foram arremessadas no palco. “A programação daquela edição do festival foi equivocada. Apostava-se em uma ‘congregação’ das diferentes tribos. Acreditava-se que o pessoal do Heavy Metal iria conviver com o público mais do Pop. Mas isso não aconteceu e alguns artistas foram rejeitados de maneira estúpida por parte da plateia”, relembra o ex-baixista do Barão Vermelho, Dé.

Boa parte da culpa, fato que foi admitido pela própria empresa, recaiu sobre a própria organizadora do festival, a produtora Artplan. “Foi uma falha grave dos produtores do Rock in Rio. Depois, todos fizeram um ‘mea culpa’. Colocar o Erasmo na selva de Metal? É claro que deu problema. O público pagou caro para assistir Rock e, ao chegar lá, deu de cara com vários ícones da MPB”, analisa Luiz Antonio Mello que, na época, dirigia a Fluminense FM, uma das rádios mais importantes do país.

Contudo, para as pessoas que já estavam acostumadas com o mundo do Rock, a situação era previsível. “Naquela época, o Rock in Rio era um símbolo do Rock, não uma marca, como é atualmente. Do Rock autêntico. A reação do público foi absolutamente normal”, complementa Mello.

A maior vítima dessa intolerância foi justamente um dos precursores do Rock nacional. Ainda no camarim, esperando o fim do show de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, o cantor Erasmo Carlos estava incomodado com o cheiro de incenso queimado pelo guru da dupla, o paranormal Thomas Green Morton, que dos bastidores emanava “boas vibrações” para a apresentação dos baianos.

O cantor não tinha ideia de que, alguns minutos depois, ele enfrentaria o momento mais difícil de sua carreira.

Erasmo pisou no palco vestido com uma roupa de couro, com detalhes em metal, que havia sido especialmente desenhada para encarar os “metaleiros”.

Porém, logo no início do show, centenas de copos, punhados de areia e pedras começaram a ser atirados em direção aos músicos.

Mesmo diante dos milhares de impropérios que estava ouvindo, o cantor não interrompeu a apresentação, que trazia um setlist que incluía músicas como “Minha fama de mau” e “Pega na mentira”.

O interessante é que, munidos de muita boa vontade, a produção do festival não esperava que o público tivesse esse tipo de atitude. “Nós e os organizadores ficamos espantados com o radicalismo das hostes metaleiras que se concentravam na frente do palco e hostilizaram nomes como Kid Abelha, Eduardo Dussek e Erasmo Carlos. O festival veio com a proposta de misturar tendências, mas não contava com o radicalismo dos headbangers”, relembra o jornalista Jamari França, um dos maiores nomes da história da imprensa cultural brasileira.

O desrespeito, porém, não partia de todo o público, mas de uma ala mais “radical” que estava ali para ver os grandes nomes do Rock internacional. “Isso nem era uma unanimidade, partia de uma parte da plateia que se colocou de maneira a interferir diretamente no palco. Teve o desrespeito nos camarins também, das bandas brasileiras terem que sair do caminho para os gringos passarem, como no caso do Freddie Mercury”, conta Jamari, que cobriu o evento para o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro.

rock in rio 1985 público

O público se refrescando na fonte da Cidade do Rock

Dez dias surreais

O clima do Rock In Rio, a oportunidade que os fãs tinham de pela primeira vez na história do país poder ver de perto bandas do porte do Queen ou do Whitesnake, marcou a vida dos que estiveram presentes no festival.

na verdade, o impacto do RIR nas vidas dessas pessoas foi muito forte e gera reflexos até hoje. “Existia harmonia, paz, liberdade e muita música boa. Tudo isso me traz lembranças emocionantes. Tenho certeza de que sou uma pessoa privilegiada por ter estado lá”, afirma o funcionário público Renato Sozzi.

Na visão de Jamari, o RIR marcou uma mudança drástica no cenário musical brasileiro, principalmente porque obrigou os profissionais da área de eventos musicais a evoluírem. “Ele trouxe uma nível de profissionalização que ainda não existia aqui. A geração do Rock ainda estava no deslumbre do sucesso, em total euforia. Daí deu de cara com o som porrada da Clair Bothers, e os técnicos daqui não sabiam operar as mesas de som, cenários e luzes. Foi um sacode em todo mundo. A partir daí, começou a preocupação com uma boa produção entre as bandas. Até então, só a Blitz fazia shows com uma produção caprichada”, relembra.

Entre o público, a oportunidade de ver de perto alguns ídolos que as pessoas só conheciam pela TV ou por revistas especializadas em música, era algo surreal. “O clima era de delírio. Lembro de uma garota que, durante o show do Rod Stewart, beliscava o próprio braço e gritava: ‘isso não é real!’. Poucas vezes eu vi tanta gente feliz, absolutamente feliz”, relembra Mello.

Erros e acertos

Como tudo era novidade para os envolvidos, algumas situações inusitadas aconteceram.

No primeiro dia, por exemplo, algumas pessoas contratadas para vender ingressos se juntaram aos funcionários de uma rede de fast food, largaram os postos de trabalho e foram assistir aos shows.

Um dos grandes equívocos admitidos por Medida foi, justamente,  agendar a apresentação do cantor Erasmo Carlos para o dia do Heavy Metal, ao lado do AC/DC, do Scorpions, de Ozzy Osbourne e do Whitesnake.

Outro fator que não agradou ao empresário foi a sonorização do festival e teve como principal motivo uma reclamação que persiste até hoje entre os artistas brasileiros que se apresentam ao lado de atrações de fora do país.

Tudo aconteceu porque, como as bandas nacionais não tinham equipes capazes de mexer nas mesas de som e equipamentos usados no palco, foram os técnicos estrangeiros que comandaram toda essa parafernália.

O problema, reconhecido pelo próprio Medina, é que o som dos grupos internacionais era nitidamente mais alto do que o dos brasileiros.

O apoio da Rede Globo

O apoio da maior rede de comunicação do país, que comemorava vinte anos de vida, foi essencial para o sucesso do evento.

Mais de 300 profissionais da Globo participaram da cobertura e da transmissão ao vivo do Rock In Rio.

Foi montada até uma mini-emissora na Cidade do Rock que tinha uma estrutura que nunca havia sido vista em eventos culturais no Brasil.

Ela continha, além da infraestrutura técnica, refeitório, salas de reunião e de imprensa, um núcleo de jornalismo com estúdio para entrevistas e comentários, uma área para a coordenação de programação, duas unidades móveis de produção com nove câmeras e uma unidade de jornalismo com três câmeras, duas cabines de áudio e um estúdio central para onde eram enviados de forma separada os sinais de vídeo e áudio.

Algumas entrevistas e matérias produzidas pela emissora no festival foram realmente marcantes.

Uma delas acabou rotulando permanentemente o público que gosta de Heavy Metal como “metaleiros”.

A pouca familiaridade com o mundo do Rock internacional também foi sentido durante a cobertura da emissora.

A entrevista que a jornalista Glória Maria fez com o vocalista do Queen, Freddie Mercury, é um exemplo disso.

GlórDurante a conversa, ia pergunta à Freddie se “I want to you break free” foi composta para a comunidade gay e acabou recbendo uma resposta ácida: “eu não sei de onde você tirou essa ideia”, disse o cantor.

Confira a música “Close”, da apresentação do cantor Erasmo Carlos, e uma matéria exibida pela Rede Globo mostrando entrevistas com os fãs na Cidade do Rock.

Klaus-Meine-vocalista-do-Scorpions-com-a-bandeira-do-Brasil

Klaus Meine homenageou o Brasil durante o show

Os shows que marcaram a primeira edição do festival

A primeira edição do Rock in Rio, que foi realizada entre os dias 11 e 20 de fevereiro de 1985 no Rio de Janeiro, teve shows históricos não só para o público, que não estava acostumado a ver tantos artistas importantes reunidos em um só festival. para as próprias bandas.

Afinal, os shows na Cidade do Rock se tornariam lembrados até hoje pela magnitude e, principalmente, pela conexão com os fãs brasileiros.

Scorpions

O show dos alemães do Scorpions no Rock In Rio fazia parte da turnê do álbum “Love At First Sting” (1984). Com um ar futurista, a base da bateria foi erguida a uma altura de dois metros acima do palco e a banda iniciou a apresentação com “Coming home”.

A power ballad “Still loving you”, que fazia parte da trilha sonora da novela “Corpo a Corpo”, da Rede Globo, foi um dos grandes momentos da apresentação. No show, o guitarrista Rudolph Schenker perdeu o equilíbrio em um desnível do palco e cortou o supercílio. Já em “Big city nights”, o vocalista Klaus Meine trouxe uma enorme bandeira do Brasil para o palco, sendo ovacionado pela plateia.

Nos camarins do RIR, a banda proibiu bebidas alcoólicas e pediu balões de oxigênio. Após o show, Schenker levou três pontos no local do ferimento e o vocalista Klaus Meine chegou carregado, pois passou mal por causa do calor.

Naqueles dias do festival, a banda alemã não sabia que durante os próximos cinco anos ela seria testemunha de três momentos geopolíticos importantíssimos na história da humanidade: no Rock In Rio eles tocaram no dia 15 de janeiro de 1985, no momento em que a ditadura militar chegava ao fim no Brasil.

Quatro anos depois, o grupo se apresentou no Moscow Music Peace Festival. O evento foi realizado nos dias 12 e 13 de agosto de 1989 no Lenin Stadium, na capital soviética, com organização das bandas e artistas, entre eles o Metallica, e as autoridades da extinta União Soviética.

Esse foi o primeiro grande evento de Rock naquele país e recebeu um público de 260 mil pessoas. As imagens dos soldados russos batendo cabeça durante os shows são cheias de simbolismo.

Três meses depois, no dia 9 de novembro, aconteceu a queda do Muro de Berlim, que pôs fim à Guerra Fria e serviu de inspiração para um dos maiores sucessos do Scorpions, a música “Wind of change”. Além do show no dia 15, o Scorpions também se apresentou no dia 19.

Iron Maiden

O Iron Maiden tocou no dia 11 de janeiro, na abertura do festival, para mais de 100 mil pessoas. A banda inglesa estava excursionando com a turnê “World Slavery Tour”, que promovia o disco “Powerslave” (1984).

O palco montado na Cidade do Rock para o show do Iron era um dos mais espetaculares já criados, decorado com deuses da mitologia egípcia e hieróglifos.

O vocalista Bruce Dickinson cantou boa parte do show com a cabeça ensanguentada porque, em “Revelations”, quarta música do setlist, o cantor resolveu empunhar uma guitarra e, quando foi entregar o instrumento para o roadie do grupo, acabou acertando o próprio rosto.

Essa seria a primeira de muitas apresentações da banda no Brasil. Foi ali que Dickinson instituiu a “senha” para que os fãs brasileiros se manifestassem, o tradicional “scream for me, Brazil”.

A ligação com o país se tornou tão forte que a pressão popular fez com que o grupo se apresentasse em todas as três edições brasileiras do festival.

Whitesnake

Com a desistência do Def Leppard, que não pôde se apresentar porque o baterista Rick Allen sofreu um acidente de carro e teve que amputar o braço esquerdo, o Whitesnake foi convidado para compor o lineup. E o quinteto aproveitou brilhantemente esse golpe do destino, sendo um dos destaques do festival.

Quando subiu no palco depois do show do cantor Erasmo Carlos, no dia da abertura do festival, o grupo sabia que não podia errar. O brasileiro foi vaiado impiedosamente pelos “metaleiros”, apelido dado pela imprensa ao público que tinha ido ver as bandas mais Rock’n’roll do festival.

A responsabilidade de agradar a horda, portanto, era enorme, mas Coverdale e seus asseclas não decepcionaram, fazendo o que talvez tenha sido o mais importante show da carreira da banda.

Uma prova disso foi a reação do público em músicas como “Love a’int no stranger” e “Guilty of love”. O grupo, que no ao anterior tinha lançado um dos mais bem-sucedidos álbuns da banda, o clássico “Slide It In”, ainda contava com o falecido baterista Cozy Powell, o baixista Neil Murray e o guitarrista John Sykes, que é considerado um dos mentores do som do Whitesnake.

A participação da plateia foi incrível. Basta lembrar que em 1985 a internet não existia e as fontes de informação musical do brasileiro eram, basicamente, as revistas SomTrês e Bizz.

Além disso, o inglês dos fãs também não era dos mais apurados. Mesmo assim, mais de 100 mil pessoas cantaram com Coverdale a maioria dos sucessos do Whitesnake. A banda se apresentou também no dia 19.

ac dc angus young bunda

Angus Young e seu lendário strip-tease no palco do RIR

AC/DC

O grupo australiano é conhecido pelos shows extremamente enérgicos e o Rock In Rio contribuiu muito para reforçar esse adjetivo. Para se apresentar no festival, o AC/DC deu uma pausa na gravação do álbum “Fly On The Wall”, que seria lançado cinco meses depois.

A banda fez questão de trazer o tradicional sino, usado na música “Hells bells”. Só que o artefato pesa meia tonelada e, por isso, precisou ser trazido de navio para o Rio de Janeiro.

Diz a lenda que o palco não suportou seu peso e a solução encontrada pelo cenógrafo do festival foi fabricar um sino de gesso às pressas, pois o AC/DC não se apresentaria sem o “adorno”.

“Guns on fire” abriu a apresentação. O baterista do grupo, na época, era Simon Wright, um dos maiores da história do Heavy Metal e que tem no currículo participações em trabalhos do Queensrÿche, do UFO e de Ronnie James Dio.

O quinteto se sentiu à vontade frente ao que talvez tenha sido o maior público da carreira da banda, tanto que o guitarrista Angus Young chegou a fazer um strip tease no palco. “For those about to Rock (we salute you)” encerrou o show de forma apoteótica, com dois enormes canhões sendo disparados nas laterais do palco.

Barão Vermelho

O quarteto carioca se apresentou no dia 15, na mesma data na qual Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil de maneira indireta. “Era como se pudéssemos sentir a história passando por nós. Foi muito intenso e ao mesmo tempo muito tenso”, diz o ex-baixista do Barão, Dé.

A banda tinha recém-lançado o terceiro álbum, “Maior Abandonado”. No embalo do disco que tinha músicas como “Bete balanço” e “Pro dia nascer feliz”, o show no Rock In Rio transformou o Barão em unanimidade nacional. “Achamos que fizemos um bom show, mas só fomos ter noção da repercussão quando viajamos para outras cidades do Brasil. Era como se nós estivéssemos chegando do espaço”, conta o músico.

Naquele momento, além de alavancar a carreira de algumas bandas, o festival mostrou que o Brasil era um mercado a ser explorado. “O RIR foi apenas um evento pra atender a uma demanda que era enorme. Havia um público querendo consumir música e a indústria apenas fez o seu papel: lucrar com isso. Para nós foi importante, claro”, afirma Dé.

Mesmo com esse viés capitalista do mercado fonográfico, o baixista também acredita que o festival impulsionou a música nacional. “Acho que durante muito tempo a América do Sul não teve muita importância no mercado de shows.

A partir de 1985 passou a ter mais, pois viram que existia uma demanda e um grande público. Para a música no Brasil foi importante por fomentar a produção de uma maneira mais industrial. Mas isso teve seus problemas, também”, analisa.

Naquele dia mágico, de esperança em um futuro melhor para o país, a banda encerrou a apresentação com a música “Pro dia nascer feliz”, que resumia o sentimento da população brasileira naquele momento. “Que o dia nasça lindo para todo mundo amanhã. Com um Brasil novo, com uma ‘rapaziada’ esperta”, disse Cazuza no final da canção. O grupo também se apresentou no dia 20.

Ozzy Osbourne

Ozzy estava preocupado com a apresentação, que seria no mesmo dia do cantor escocês Rod Stewart. O Mad Man, que vivia uma fase junkie regada a álcool e drogas, achava que seria vaiado.

O cantor, que tinha acabado de sair do Centro de Reabilitação Betty Ford, na Califórnia, tirou o atraso no voo para o Brasil, chegando a desmaiar no avião.

O show fazia parte da turnê do álbum “Bark at the Moon”, lançado em dezembro de 1983. Ozzy subiu no palco usando uma camisa do Flamengo, ao som de “I don’t know”.

O contrato feito com o cantor tinha uma cláusula hilária. Em um show na cidade de Des Moines, nos Estados Unidos, 1982, uma pessoa da plateia jogou um morcego vivo no palco.

Ozzy, achando que o animal era de plástico, arrancou a sua cabeça com uma mordida. Só depois que sentiu o sangue escorrendo é que ele notou o que tinha feito. Durante os meses seguintes, o vocalista recebeu várias injeções contra a raiva.

O contrato proibia Ozzy de morder qualquer tipo de animal vivo durante sua performance. Uma galinha chegou a ser atirada no palco da Cidade do Rock por um fã, mas o Príncipe das Trevas não a atacou. “Paranoid”, do Black Sabbath, fechou a apresentação.

[/fusion_text]

rock in rio 1985 queen freddie mercury

O Queen fez duas apresentações inesquecíveis

A consagração do Queen em uma das maiores performances ao vivo da história do rock

Alguns shows da 1ª edição do Rock In Rio, que aconteceu de 11 a 20 de janeiro de 1985 na Cidade do Rock, foram inesquecíveis tanto para o público quanto para as bandas. Para quem esteve lá e viu a história ser escrita, as lembranças não foram apagadas da memória até hoje.

Testemunha ocular da história

O funcionário público Renato Sozzi guarda até hoje na memória as lembranças do festival. De acordo com ele, o RIR mudou a relação dos fãs com os artistas preferidos de cada um deles. “O povo brasileiro era carente de ver as grandes bandas internacionais. Eu tinha 22 anos e quando anunciaram o Rock In Rio tudo parecia um sonho. Comprei o passaporte para os últimos cinco dias e me mandei de ônibus para o Rio de Janeiro”, relembra.

Para ver o festival, Renato chegou a se “acomodar” em locais no mínimo inusitados. “O mundo era outro. Eu cheguei a dormir em cima de capachos de hotéis e varandas de casas, pois não se tinha dinheiro como hoje.

Mas valia a pena, era tudo gigante, inacreditável”, conta. A rotina de Sozzi era chegar todos os dias às 13h e voltar para o centro do Rio de Janeiro às 4h da madrugada. “Levava um lanche acompanhado de vodka com Wimi e passava o tempo todo conhecendo gente de todos os lugares do país”, diz.

Tudo era novidade, não só para os organizadores, mas também para a imprensa e as quase 1, 5 milhão de pessoas que acompanharam os dez dias do evento. “O clima era de total deslumbramento.

Como foi publicado na época, muitos acharam que o festival foi o Woodstock brasileiro, pois eram muitas bandas gringas importantes pela primeira vez no Brasil, ao lado dos grandes artistas nacionais”, relembra o jornalista Jamari França, um dos maiores nomes da história imprensa cultural brasileira, que cobriu o evento para o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro.

rock in rio 1985 queen freddie mercury

O Queen fez questão de agradecer a recepção dos fãs brasileiros

Queen

O primeiro Rock In Rio teve apresentações que ficaram não só na memória do público, mas também entraram para a história das bandas, sendo lembradas pelos músicos até hoje.

A presença do Queen, por exemplo, foi um dos grandes momentos da história do Rock’n’roll. Em 1981, quando vieram pela primeira vez para a América do Sul, a intenção era que o show acontecesse no Maracanã.

Inacreditavelmente, o pedido foi negado sob a alegação de que o estádio era somente para uso em eventos esportivos e culturais. O show, então, acabou acontecendo no estádio do Morumbi, em São Paulo.

No dia 12, pouco antes da apresentação, Roger Taylor (bateria), John Deacon (baixo) e Brian May (guitarra), já estavam na Cidade do Rock. Cada um deles veio sozinho.

Para evitar o fim da banda, existia um acordo entre eles dizendo que não poderiam se deslocar juntos para os shows, evitando que, se algum acidente acontecesse, a tragédia matasse todos do grupo. Freddie Mercury, que estava hospedado na suíte presidencial do anexo do hotel Copacabana Palace, com uma diária de 1,6 milhão de cruzeiros, chegou de helicóptero.

As instruções para o “faz-tudo” do festival, o coordenador Amin Khader, que cuidava de todos os pedidos e caprichos das celebridades, era claro: uma garrafa de saquê a 20° deveria estar esperando pelo cantor em seu camarim.

Mercury desceu de roupa de couro preta e chapéu de cowboy. Na entrada do camarim, vendo que vários artistas brasileiros, entre eles Erasmo Carlos, Alceu Valença, Ney Matogrosso e Elba Ramalho, esperavam a sua chegada, aconteceu o primeiro atrito da noite.

Mercury quis saber quem eram aquelas pessoas e Amin respondeu: “São artistas e técnicos do mesmo gabarito que o seu”. Freddie, impassível, arrematou: “Não são. Porque eles me conhecem e eu não sei quem eles são. Concluo que não são do mesmo gabarito do que eu”!

Depois da invertida, o cantor deu um ultimato para que todos saíssem do corredor ou os seguranças do cantor fariam o trabalho. Amin fez o pedido aos artistas brasileiros, que mesmo a contragosto, se retiraram.

Quando Mercury passou, foi recepcionado com um coro de boas-vindas: Bicha! Bicha! Bicha! Curioso, o líder do Queen quis saber o que estavam gritando. Amin respondeu que eles estavam enaltecendo o grande Freddie Mercury, que  ficou ainda mais bravo e gritou: “mentira!”.

Quando tudo já parecia resolvido, veio outra confusão. Freddie chamou Amin e perguntou: “no Brasil existem furacões?”.

O coordenador respondeu que aconteciam, no máximo, tempestades tropicais. Sorrindo, o vocalista disse, sarcástico: “É que passou um aqui no camarim”. Quando Khader foi olhar o que tinha acontecido, tomou um susto.

O local estava revirado, com garrafas de Johnny Walker quebradas, pedaços de mamão no teto e o precioso saquê a 20 º pegando fogo. Ao que parece, Mercury fez tudo de propósito para se vingar dos xingamentos.

Três arrumadeiras foram convocadas às pressas para limpar a bagunça. Enquanto Amin juntava os cacos de vidro no chão, Freddie, imóvel no meio do camarim, chutava mais sujeira para os locais que já estavam limpos.

Foi a vez do coordenador estourar: “Você quer que a gente limpe ou deixe do jeito que está?”, gritou. O vocalista então, finalmente, deu uma trégua. Depois de toda essa cena, já com tudo no lugar, Mercury autorizou a entrada de dez pessoas no camarim.

A partir daí o que aconteceu é um mistério. O fato é que o show começou com duas horas de atraso. Em agradecimento, Amin deu duas garrafas de whisky aos artistas brasileiros que liberaram o corredor para a passagem do astro.

Após os “chiliques”, veio uma apresentação histórica. A banda estava em turnê promovendo o álbum “The Works”, lançado em 1984. Diante de 250 mil pessoas, o que seria o maior público da carreira do quarteto inglês, o grupo começou o show com “Tie your mother down” e passou por clássicos como “Bohemian rhapsody” e “Seven seas of rhye”.

A versão violão e voz de “Love of my life”, cantada por toda a Cidade do Rock, é considerada um dos mais belos momentos da história do Rock. Antes da canção, Brian May disse: “Essa música é muito especial para as pessoas da América do Sul. Obrigado por fazê-la tão especial para todas as outras pessoas do mundo”, disse com a voz embargada de emoção.

Poucas vezes na história da música foi possível notar uma sinergia tão grande entre artista e público. As 250 mil pessoas estavam aos pés do Queen, mas o quarteto inglês também estava aos pés dos fãs. Mágico!

Freddie Mercury estava inspiradíssimo e fez toda a plateia repetir seus poderosos agudos quase com o mesmo alcance vocal do cantor. “Radio ga ga”, com as engrenagens ao fundo do palco fazendo uma alusão ao filme “Metropolis”, de Fritz Lang, e o público acompanhando a música com palmas, imitando o clipe da canção, é um dos momentos mais lembrados entre todas as edições do RIR. O Queen se apresentou também no dia 18, para 250 mil pessoas, repetindo a mesma performance.

As duas aparições do Queen no Rock In Rio foram consideradas por muitos, não por acaso, as melhores do festival. “O Queen é uma banda de grandes performances. As duas no RIR tiveram um impacto fenomenal. O grupo estava no auge da popularidade, muito afiado e com muitos sucessos. Acho que os shows daqui e os de Wembley no ano seguinte foram os mais importantes da carreira deles”, opina Jamari.

A vinda da banda inglesa e a repercussão de sua apresentação foram sentidas não só no Brasil. “Acho que foi o melhor show que o Queen fez na América do Sul, o maior e com mais pegada.

A presença deles no RIR mostrou a  grandeza do grupo. “Acho que foi um marco, antes e depois”, diz o vocalista da banda/tributo argentina Doctor Queen, Jorge Busetto.

O cantor não esteve presente no Rock In Rio, mas assistiu aos shows na Argentina, em 1981. “O Queen foi a primeira megabanda que visitou a Argentina, ainda nos tempos da ditadura militar. Com a chegada da democracia, em 1983, começamos a receber mais espetáculos internacionais. Depois de 1985, começaram a chegar as melhores bandas e legendas do Rock por aqui. Acho que o RIR foi muito motivante para nós, nesse sentido”, complementa Busetto.

Confira um dos melhores momentos do show do Queen no Rock In Rio e a célebre entrevista que Mercury concedeu à repórter Glória Maria.

rock in rio final público

Quase 1,5 milhão de pessoas passaram pela Cidade do Rock

O balanço final do festival que abriu as portas do Brasil para as bandas internacionais

As histórias da 1ª edição do Rock In Rio, que foi realizada de 11 a 20 de janeiro de 1985 na Cidade do Rock, no Rio de Janeiro, são impagáveis. Nos dez dias do evento, as bandas viveram momentos surreais, tantos nos shows quanto nos dias de folga.

Boa parte dessas histórias aconteceram na casa oficial dos grupos durante o RIR, o Hotel Copacabana Palace, que hospedou a maioria dos artistas estrangeiros.

Eles ficaram nos dois últimos andares do Copa, onde cada um deu o seu “show” particular. O baterista do Iron Maiden, Nick McBrain protagonizou uma cena no mínimo engraçada correndo ao redor da piscina, abraçado ao guitarrista do Whitesnake, John Sykes, e beijando as mãos das hóspedes mais idosas.

Já o vocalista do Iron, Bruce Dickinson, não cansava de procurar alguma pessoa no hotel com quem pudesse praticar esgrima no quarto dele.

Enquanto isso, o segurança da banda, John Harte, de modestos 2,08 metros de altura e pesando 108 quilos, ficava atento a cada movimento dos ingleses. Harte foi “roubado” do KISS, pois o Iron ofereceu um salário melhor.

Já o guitarrista do AC/DC, Angus Young, preferiu trocar de hotel indo para o Sheraton ao lado da esposa, Petra, alegando que o quarto deles era muito pequeno. O real motivo seria a bagunça protagonizada pelos outros astros hospedados no Copacabana.

O Rock In Rio foi encerrado no dia 20 de janeiro de 1985, com o show do Yes, ostentado números inacreditáveis.

Foram realizados 54 shows nos dez dias do festival, rendendo 90 horas de música. 1,235 milhão de pessoas passam pela Cidade do Rock. Foram vendidos 900 mil sanduíches, 500 mil pedaços de pizza, 1,6 milhão de litros de bebida e 500 mil maços de cigarro.

1,38 milhão de espectadores estiveram presentes nos dez dias de shows. Foram gastos cerca de 11 milhões de dólares na organização do evento. Mas o impacto na música brasileira e na vida dos fãs foi ainda maior. Hoje, um dos legados do festival é a quantidade de shows que o país recebe anualmente.

Na verdade, o Rock In Rio cumpriu o propósito de uma maneira muito maior do que Roberto Medina e a Artplan imaginavam. Depois do RIR, o cenário musical do Brasil, e por consequência de toda a América do Sul, nunca mais foi o mesmo. “Mudou tudo, a começar pela relação comercial do mercado musical brasileiro com o resto do planeta. Até o Rock in Rio I o Brasil era um celeiro de ladrões. Artistas vinham aqui e levavam calote, tinham equipamentos roubados, enfim, era uma terra de ninguém. O Rock in Rio profissionalizou essa relação, moralizou, escreveu novos e sensacionais protocolos. Se hoje o Brasil está no mapa da música mundial é por causa do Rock in Rio”, finaliza Luiz Antonio Mello, que na época dirigia a Fluminense FM, uma das rádios mais importantes do país.

Confira o show do Yes, que encerrou o festival.

Aproveite para assinar o Cwb Live, pagando a quantia que você achar justa. É só clicar nesse link da campanha “Eu Apoio o Cwb Live”, que fica hospedada na plataforma Catarse.

Assim, você ajuda o site a se manter na ativa, fazendo um jornalismo independente e com conteúdos exclusivos (entrevistas em texto e vídeo, coberturas de shows, fotos, vídeos e matérias).

Inscreva-se no nosso canal no YouTube para assistir aos vídeos de shows e entrevistas exclusivas e siga as nossas redes sociais no TwitterInstagram e Facebook.