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Erasmo Carlos foi a principal vítima dos “metaleiros”

Apesar de toda a mística que foi criada em torno da 1ª edição do Rock In Rio, realizada de 11 a 20 de janeiro de 1985 na Cidade do Rock, no Rio de Janeiro, nem tudo correu de maneira “educada”, digamos assim.

O fato mais lamentável foi a falta de “aceitação” dos artistas nacionais por parte do público, poia como era a primeira vez que o país recebia um grande festival, os fãs não estavam acostumados com a diversidade de estilos que é muito comum nesse tipo de evento.

A “tribo do Rock”, que na época não era sequer conhecida pela grande mídia, mostrou suas garras em várias apresentações.

Logo na abertura do RIR, o cantor Ney Matogrosso, com a tradicional performance provocativa que sempre fez parte dos shows dele, foi fortemente vaiado e até pedras foram arremessadas no palco. “A programação daquela edição do festival foi equivocada. Apostava-se em uma ‘congregação’ das diferentes tribos. Acreditava-se que o pessoal do Heavy Metal iria conviver com o público mais do Pop. Mas isso não aconteceu e alguns artistas foram rejeitados de maneira estúpida por parte da plateia”, relembra o ex-baixista do Barão Vermelho, Dé.

Boa parte da culpa, fato que foi admitido pela própria empresa, recaiu sobre a própria organizadora do festival, a produtora Artplan. “Foi uma falha grave dos produtores do Rock in Rio. Depois, todos fizeram um ‘mea culpa’. Colocar o Erasmo na selva de Metal? É claro que deu problema. O público pagou caro para assistir Rock e, ao chegar lá, deu de cara com vários ícones da MPB”, analisa Luiz Antonio Mello que, na época, dirigia a Fluminense FM, uma das rádios mais importantes do país.

Contudo, para as pessoas que já estavam acostumadas com o mundo do Rock, a situação era previsível. “Naquela época, o Rock in Rio era um símbolo do Rock, não uma marca, como é atualmente. Do Rock autêntico. A reação do público foi absolutamente normal”, complementa Mello.

A maior vítima dessa intolerância foi justamente um dos precursores do Rock nacional. Ainda no camarim, esperando o fim do show de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, o cantor Erasmo Carlos estava incomodado com o cheiro de incenso queimado pelo guru da dupla, o paranormal Thomas Green Morton, que dos bastidores emanava “boas vibrações” para a apresentação dos baianos.

O cantor não tinha ideia de que, alguns minutos depois, ele enfrentaria o momento mais difícil de sua carreira.

Erasmo pisou no palco vestido com uma roupa de couro, com detalhes em metal, que havia sido especialmente desenhada para encarar os “metaleiros”.

Porém, logo no início do show, centenas de copos, punhados de areia e pedras começaram a ser atirados em direção aos músicos.

Mesmo diante dos milhares de impropérios que estava ouvindo, o cantor não interrompeu a apresentação, que trazia um setlist que incluía músicas como “Minha fama de mau” e “Pega na mentira”.

O interessante é que, munidos de muita boa vontade, a produção do festival não esperava que o público tivesse esse tipo de atitude. “Nós e os organizadores ficamos espantados com o radicalismo das hostes metaleiras que se concentravam na frente do palco e hostilizaram nomes como Kid Abelha, Eduardo Dussek e Erasmo Carlos. O festival veio com a proposta de misturar tendências, mas não contava com o radicalismo dos headbangers”, relembra o jornalista Jamari França, um dos maiores nomes da história da imprensa cultural brasileira.

O desrespeito, porém, não partia de todo o público, mas de uma ala mais “radical” que estava ali para ver os grandes nomes do Rock internacional. “Isso nem era uma unanimidade, partia de uma parte da plateia que se colocou de maneira a interferir diretamente no palco. Teve o desrespeito nos camarins também, das bandas brasileiras terem que sair do caminho para os gringos passarem, como no caso do Freddie Mercury”, conta Jamari, que cobriu o evento para o Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro.

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O público se refrescando na fonte da Cidade do Rock

Dez dias surreais

O clima do Rock In Rio, a oportunidade que os fãs tinham de pela primeira vez na história do país poder ver de perto bandas do porte do Queen ou do Whitesnake, marcou a vida dos que estiveram presentes no festival.

na verdade, o impacto do RIR nas vidas dessas pessoas foi muito forte e gera reflexos até hoje. “Existia harmonia, paz, liberdade e muita música boa. Tudo isso me traz lembranças emocionantes. Tenho certeza de que sou uma pessoa privilegiada por ter estado lá”, afirma o funcionário público Renato Sozzi.

Na visão de Jamari, o RIR marcou uma mudança drástica no cenário musical brasileiro, principalmente porque obrigou os profissionais da área de eventos musicais a evoluírem. “Ele trouxe uma nível de profissionalização que ainda não existia aqui. A geração do Rock ainda estava no deslumbre do sucesso, em total euforia. Daí deu de cara com o som porrada da Clair Bothers, e os técnicos daqui não sabiam operar as mesas de som, cenários e luzes. Foi um sacode em todo mundo. A partir daí, começou a preocupação com uma boa produção entre as bandas. Até então, só a Blitz fazia shows com uma produção caprichada”, relembra.

Entre o público, a oportunidade de ver de perto alguns ídolos que as pessoas só conheciam pela TV ou por revistas especializadas em música, era algo surreal. “O clima era de delírio. Lembro de uma garota que, durante o show do Rod Stewart, beliscava o próprio braço e gritava: ‘isso não é real!’. Poucas vezes eu vi tanta gente feliz, absolutamente feliz”, relembra Mello.

Erros e acertos

Como tudo era novidade para os envolvidos, algumas situações inusitadas aconteceram.

No primeiro dia, por exemplo, algumas pessoas contratadas para vender ingressos se juntaram aos funcionários de uma rede de fast food, largaram os postos de trabalho e foram assistir aos shows.

Um dos grandes equívocos admitidos por Medida foi, justamente,  agendar a apresentação do cantor Erasmo Carlos para o dia do Heavy Metal, ao lado do AC/DC, do Scorpions, de Ozzy Osbourne e do Whitesnake.

Outro fator que não agradou ao empresário foi a sonorização do festival e teve como principal motivo uma reclamação que persiste até hoje entre os artistas brasileiros que se apresentam ao lado de atrações de fora do país.

Tudo aconteceu porque, como as bandas nacionais não tinham equipes capazes de mexer nas mesas de som e equipamentos usados no palco, foram os técnicos estrangeiros que comandaram toda essa parafernália.

O problema, reconhecido pelo próprio Medina, é que o som dos grupos internacionais era nitidamente mais alto do que o dos brasileiros.

O apoio da Rede Globo

O apoio da maior rede de comunicação do país, que comemorava vinte anos de vida, foi essencial para o sucesso do evento.

Mais de 300 profissionais da Globo participaram da cobertura e da transmissão ao vivo do Rock In Rio.

Foi montada até uma mini-emissora na Cidade do Rock que tinha uma estrutura que nunca havia sido vista em eventos culturais no Brasil.

Ela continha, além da infraestrutura técnica, refeitório, salas de reunião e de imprensa, um núcleo de jornalismo com estúdio para entrevistas e comentários, uma área para a coordenação de programação, duas unidades móveis de produção com nove câmeras e uma unidade de jornalismo com três câmeras, duas cabines de áudio e um estúdio central para onde eram enviados de forma separada os sinais de vídeo e áudio.

Algumas entrevistas e matérias produzidas pela emissora no festival foram realmente marcantes.

Uma delas acabou rotulando permanentemente o público que gosta de Heavy Metal como “metaleiros”.

A pouca familiaridade com o mundo do Rock internacional também foi sentido durante a cobertura da emissora.

A entrevista que a jornalista Glória Maria fez com o vocalista do Queen, Freddie Mercury, é um exemplo disso.

GlórDurante a conversa, ia pergunta à Freddie se “I want to you break free” foi composta para a comunidade gay e acabou recbendo uma resposta ácida: “eu não sei de onde você tirou essa ideia”, disse o cantor.

Confira a música “Close”, da apresentação do cantor Erasmo Carlos, e uma matéria exibida pela Rede Globo mostrando entrevistas com os fãs na Cidade do Rock.