Texto: Marcos Anubis
Revisão: Priscila Oliveira
Pesquisa de imagens e multimídia: Jana Santos
Fotos: Reprodução/Caixa de Bootlegs, Reprodução/ESPN
A primeira edição do Rock in Rio, que foi realizada entre os dias 11 e 20 de fevereiro de 1985 no Rio de Janeiro, teve shows históricos não só para o público, que não estava acostumado a ver tantos artistas importantes reunidos em um só festival. para as próprias bandas. afinal, os shows na Cidade do Rock se tornariam lembrados até hoje pela magnitude e, principalmente, pela conexão com os fãs brasileiros.
Scorpions
O show dos alemães do Scorpions no Rock In Rio fazia parte da turnê do álbum “Love At First Sting” (1984). Com um ar futurista, a base da bateria foi erguida a uma altura de dois metros acima do palco e a banda iniciou a apresentação com “Coming home”.
A power ballad “Still loving you”, que fazia parte da trilha sonora da novela “Corpo a Corpo”, da Rede Globo, foi um dos grandes momentos da apresentação. No show, o guitarrista Rudolph Schenker perdeu o equilíbrio em um desnível do palco e cortou o supercílio. Já em “Big city nights”, o vocalista Klaus Meine trouxe uma enorme bandeira do Brasil para o palco, sendo ovacionado pela plateia.
Nos camarins do RIR, a banda proibiu bebidas alcoólicas e pediu balões de oxigênio. Após o show, Schenker levou três pontos no local do ferimento e o vocalista Klaus Meine chegou carregado, pois passou mal por causa do calor.
Naqueles dias do festival, a banda alemã não sabia que durante os próximos cinco anos ela seria testemunha de três momentos geopolíticos importantíssimos na história da humanidade: no Rock In Rio eles tocaram no dia 15 de janeiro de 1985, no momento em que a ditadura militar chegava ao fim no Brasil.
Quatro anos depois, o grupo se apresentou no Moscow Music Peace Festival. O evento foi realizado nos dias 12 e 13 de agosto de 1989 no Lenin Stadium, na capital soviética, com organização das bandas e artistas, entre eles o Metallica, e as autoridades da extinta União Soviética. Esse foi o primeiro grande evento de Rock naquele país e recebeu um público de 260 mil pessoas. As imagens dos soldados russos batendo cabeça durante os shows são cheias de simbolismo.
Três meses depois, no dia 9 de novembro, aconteceu a queda do Muro de Berlim, que pôs fim à Guerra Fria e serviu de inspiração para um dos maiores sucessos do Scorpions, a música “Wind of change”. Além do show no dia 15, o Scorpions também se apresentou no dia 19.
Iron Maiden
O Iron Maiden tocou no dia 11 de janeiro, na abertura do festival, para mais de 100 mil pessoas. A banda inglesa estava excursionando com a turnê “World Slavery Tour”, que promovia o disco “Powerslave” (1984). O palco montado na Cidade do Rock para o show do Iron era um dos mais espetaculares já criados, decorado com deuses da mitologia egípcia e hieróglifos.
O vocalista Bruce Dickinson cantou boa parte do show com a cabeça ensanguentada porque, em “Revelations”, quarta música do setlist, o cantor resolveu empunhar uma guitarra e, quando foi entregar o instrumento para o roadie do grupo, acabou acertando o próprio rosto.
Essa seria a primeira de muitas apresentações da banda no Brasil. Foi ali que Dickinson instituiu a “senha” para que os fãs brasileiros se manifestassem, o tradicional “scream for me, Brazil”. A ligação com o país se tornou tão forte que a pressão popular fez com que o grupo se apresentasse em todas as três edições brasileiras do festival.
Whitesnake
Com a desistência do Def Leppard, que não pôde se apresentar porque o baterista Rick Allen sofreu um acidente de carro e teve que amputar o braço esquerdo, o Whitesnake foi convidado para compor o lineup. E o quinteto aproveitou brilhantemente esse golpe do destino, sendo um dos destaques do festival.
Quando subiu no palco depois do show do cantor Erasmo Carlos, no dia da abertura do festival, o grupo sabia que não podia errar. O brasileiro foi vaiado impiedosamente pelos “metaleiros”, apelido dado pela imprensa ao público que tinha ido ver as bandas mais Rock’n’roll do festival.
A responsabilidade de agradar a horda, portanto, era enorme, mas Coverdale e seus asseclas não decepcionaram, fazendo o que talvez tenha sido o mais importante show da carreira da banda.
Uma prova disso foi a reação do público em músicas como “Love a’int no stranger” e “Guilty of love”. O grupo, que no ao anterior tinha lançado um dos mais bem-sucedidos álbuns da banda, o clássico “Slide It In”, ainda contava com o falecido baterista Cozy Powell, o baixista Neil Murray e o guitarrista John Sykes, que é considerado um dos mentores do som do Whitesnake.
A participação da plateia foi incrível. Basta lembrar que em 1985 a internet não existia e as fontes de informação musical do brasileiro eram, basicamente, as revistas SomTrês e Bizz. Além disso, o inglês dos fãs também não era dos mais apurados. Mesmo assim, mais de 100 mil pessoas cantaram com Coverdale a maioria dos sucessos do Whitesnake. A banda se apresentou também no dia 19.
AC/DC
O grupo australiano é conhecido pelos shows extremamente enérgicos e o Rock In Rio contribuiu muito para reforçar esse adjetivo. Para se apresentar no festival, o AC/DC deu uma pausa na gravação do álbum “Fly On The Wall”, que seria lançado cinco meses depois.
A banda fez questão de trazer o tradicional sino, usado na música “Hells bells”. Só que o artefato pesa meia tonelada e, por isso, precisou ser trazido de navio para o Rio de Janeiro. Diz a lenda que o palco não suportou seu peso e a solução encontrada pelo cenógrafo do festival foi fabricar um sino de gesso às pressas, pois o AC/DC não se apresentaria sem o “adorno”.
“Guns on fire” abriu a apresentação. O baterista do grupo, na época, era Simon Wright, um dos maiores da história do Heavy Metal e que tem no currículo participações em trabalhos do Queensrÿche, do UFO e de Ronnie James Dio.
O quinteto se sentiu à vontade frente ao que talvez tenha sido o maior público da carreira da banda, tanto que o guitarrista Angus Young chegou a fazer um strip tease no palco. “For those about to Rock (we salute you)” encerrou o show de forma apoteótica, com dois enormes canhões sendo disparados nas laterais do palco.
Barão Vermelho
O quarteto carioca se apresentou no dia 15, na mesma data na qual Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil de maneira indireta. “Era como se pudéssemos sentir a história passando por nós. Foi muito intenso e ao mesmo tempo muito tenso”, diz o ex-baixista do Barão, Dé.
A banda tinha recém-lançado o terceiro álbum, “Maior Abandonado”. No embalo do disco que tinha músicas como “Bete balanço” e “Pro dia nascer feliz”, o show no Rock In Rio transformou o Barão em unanimidade nacional. “Achamos que fizemos um bom show, mas só fomos ter noção da repercussão quando viajamos para outras cidades do Brasil. Era como se nós estivéssemos chegando do espaço”, conta o músico.
Naquele momento, além de alavancar a carreira de algumas bandas, o festival mostrou que o Brasil era um mercado a ser explorado. “O RIR foi apenas um evento pra atender a uma demanda que era enorme. Havia um público querendo consumir música e a indústria apenas fez o seu papel: lucrar com isso. Para nós foi importante, claro”, afirma Dé.
Mesmo com esse viés capitalista do mercado fonográfico, o baixista também acredita que o festival impulsionou a música nacional. “Acho que durante muito tempo a América do Sul não teve muita importância no mercado de shows. A partir de 1985 passou a ter mais, pois viram que existia uma demanda e um grande público. Para a música no Brasil foi importante por fomentar a produção de uma maneira mais industrial. Mas isso teve seus problemas, também”, analisa.
Naquele dia mágico, de esperança em um futuro melhor para o país, a banda encerrou a apresentação com a música “Pro dia nascer feliz”, que resumia o sentimento da população brasileira naquele momento. “Que o dia nasça lindo para todo mundo amanhã. Com um Brasil novo, com uma ‘rapaziada’ esperta”, disse Cazuza no final da canção. O grupo também se apresentou no dia 20.
Ozzy Osbourne
Ozzy estava preocupado com a apresentação, que seria no mesmo dia do cantor escocês Rod Stewart. O Mad Man, que vivia uma fase junkie regada a álcool e drogas, achava que seria vaiado. O cantor, que tinha acabado de sair do Centro de Reabilitação Betty Ford, na Califórnia, tirou o atraso no voo para o Brasil, chegando a desmaiar no avião.
O show fazia parte da turnê do álbum “Bark at the Moon”, lançado em dezembro de 1983. Ozzy subiu no palco usando uma camisa do Flamengo, ao som de “I don’t know”.
O contrato feito com o cantor tinha uma cláusula hilária. Em um show na cidade de Des Moines, nos Estados Unidos, 1982, uma pessoa da plateia jogou um morcego vivo no palco. Ozzy, achando que o animal era de plástico, arrancou a sua cabeça com uma mordida. Só depois que sentiu o sangue escorrendo é que ele notou o que tinha feito. Durante os meses seguintes, o vocalista recebeu várias injeções contra a raiva.
O contrato proibia Ozzy de morder qualquer tipo de animal vivo durante sua performance. Uma galinha chegou a ser atirada no palco da Cidade do Rock por um fã, mas o Príncipe das Trevas não a atacou. “Paranoid”, do Black Sabbath, fechou a apresentação.
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