Texto: Marcos Anubis
Fotos: Pri Oliveira

A letra da música foi composta pela poetisa Alice Ruiz, uma referência do haikai no Brasil e que foi esposa do eterno Paulo Leminski




Certas canções unem poesia e música de uma maneira única. É o caso de “Bashô”, que foi lançada nessa sexta-feira (16) em conjunto pelas bandas curitibanas Sr. Banana e Black Maria.

A receita da canção é única e reúne três talentos da cultura paranaense: a veia poética de Alice Ruiz, que foi esposa do poeta Paulo Leminski e é uma das referências do haikai no Brasil, o Pop muito bem construído pela banda curitibana Sr. Banana e a pegada mais Rock’n’roll do Black Maria. O resultado é a nova versão de “Bashô”.

A música nasceu em 1997 em uma reunião de Gabriel Teixeira, que é guitarrista e vocalista das duas bandas, com Alice Ruiz, na casa da poetisa. “Eu fui até lá justamente para criar alguma coisa com ela. Eu conheço a Alice desde pequeno porque o meu pai era parceiro do Leminski”, conta Gabriel, que é filho do guitarrista do Blindagem, Paulinho Teixeira.

O brainstorming acabou sendo muito produtivo porque “Bashô” foi criada de uma maneira muito rápida, o que não é tão comum. “O Fabiano (percussionista e letrista do Sr. Banana) estava comigo, só que ele saiu para comprar alguma coisa e, quando voltou, a música já estava pronta! A Alice já tinha boa parte da letra, então, eu comecei a ler, harmonizar e fazer a linha de voz e a canção saiu inteira”, conta Gabriel.

A estrutura da música permanece praticamente a mesma, mas com algumas mudanças pontuais. “Eu usei todas as bases abertas da gravação do Sr. Banana e coloquei um riff de slide guitar no começo. O Henrique Peters (tecladista do Black Maria) colocou os teclados e eu convidei o Franco (vocalista e guitarrista do Black Maria) para gravar a voz”, explica Gabriel.

A música foi gravada durante a pandemia, mas todo o processo foi realizado de maneira remota. “Nós gravamos separadamente, cada um na sua respectiva casa. Eu faço muitas coisas assim com o Henrique, que é meu parceiro na criação de trilhas. Nós temos um sistema no qual eu gravo, mando a pasta e recebo a parte dele já gravada. A gente não se encontrou em nenhum momento”, diz Gabriel.

Franco também gravou os vocais em um home studio e, além disso, também criou a arte do single. “A música ficou super astral com aquela slide guitar. O Gabriel canta pra caramba, a voz dele tem tudo a ver com a música. Nós dividimos uma estrofe para cada um”, diz Franco.

Gabriel Teixeira, Franco Calgaro e Beto Katz, do Black Maria




O registro de um clássico da música curitibana

Inicialmente, “Bashô” deveria fazer parte do segundo álbum do Sr. Banana, que foi gravado em 1997, mas acabou não sendo lançado. Três anos depois, a canção foi gravada no álbum “Demorô” (2000), do Black Maria. “Nessa época, eu já tocava com o Black Maria e nós produzimos cinco músicas com o Amlak Tafari (baixista do Steel Pulse) e o Vince Black (guitarrista do Black Uhuru). As outras cinco faixas do disco foram produzidas pelo vocalista do Defalla, Edu K”, diz Gabriel.

Durante a gravação, que aconteceu no Estúdio Solo, Gabriel sugeriu que o Black Maria gravasse “Bashô”, afinal, era uma grande oportunidade de registrar uma canção que já nasceu especial. “Como eles eram dois caras do Reggae, eu resolvi mostrar a música para eles. Então, a ‘Bashô’ acabou sendo lançada primeiro pelo Black Maria e é por aí que as pessoas conhecem essa música. Nós tocamos essa canção há muitos anos. Quando o Sr. Banana voltou (em 2017), a gente regravou muitas músicas que entrariam naquele segundo disco e também resolvemos incluir a ‘Bashô’. Então, nós fizemos a versão que saiu em clipe e tivemos a ideia de gravar também com o Black Maria”, explica Gabriel.

Gravar um Reggae com a supervisão de dois grandes nomes dessa cena foi um dos momentos especiais da trajetória do Black Maria. “Esse é o único Reggae dos nossos quatro discos e foi produzido justamente por dois mestres desse estilo! Ficamos bem contentes com o resultado”, conta Franco.

Portanto, essa é a terceira versão de “Bashô” porque, além do gravação do Black Maria e do single recém-lançado, ela também foi incluída no EP “Mono 2020”, que foi lançado pelo Sr. Banana em dezembro de 2019. A música também ganhou um clipe que foi disponibilizado em abril.

Gabriel Teixeira na volta no Sr. Banana, que aconteceu em 2017 em um show no Jokers




Poesia que vem da alma

A letra da canção, escrita por Alice Ruiz e cantada em cima da base criada por Gabriel naquela noite inspirada em 1997, merece ser ouvida com toda atenção. “Ao mesmo tempo que essa letra é grandiosa, ela também é simples. Ela vai no sentimento mais íntimo, na simplicidade das coisas. A letra diz que a vida voa realmente sem asas e a gente tem que saber aproveitar e viver com calma, com amor, com carinho. Acho que a sonoridade ficou nessa vibe boa e eu gostei muito!”, diz Franco.

Quase que profeticamente, a letra também parece um retrato do que a humanidade vem passando com a pandemia do novo coronavírus. “A vida é uma viagem (trecho da letra) e essa viagem ‘na marra’ ninguém estava esperando (risos). Eu acho que ela tem uma mensagem para que, assim que acabar essa loucura, as pessoas se encontrem e peguem o carinho do coração de cada um, do que realmente te faz feliz”, complementa Franco.

Na versão que foi gravada pelo Black Maria no ano 2000, a música começa com um dos mais famosos haikais do poeta japonês Matsuo Bashô: (furuike ya, kawazu tobikoum, mizu no oto, “a velha lagoa, um sapo salta, o som da água”). Essas palavras ficaram marcadas na vida de Gabriel por meio de um episódio inusitado.

Em 2005, o Black Maria foi fazer uma turnê na Espanha e, na volta, Gabriel acabou encontrando uma personalidade do Japão que vivia no Brasil. “Eu voltei sozinho e, por engano, me colocaram na primeira classe! Eu fiquei quietinho e uma japonesa sentou ao meu lado. A viagem era muito longa e eu estava com vontade de falar com alguém, então, eu virei de frente para ela e recitei esse haikai. Eu gosto muito da cultura oriental. Ela olhou pra mim como que não acreditando! Foi como se ela falasse ‘minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá’! Foi muito louco!”, conta Gabriel. “Nós começamos a conversar em inglês, mas eu também falei todas as palavras que eu sabia em japonês. Nós demos muitas risadas e ela me contou que era a consulesa do Japão no Brasil e estava indo para Brasília!”, finaliza Gabriel Teixeira.

Ou seja, a composição de Alice Ruiz e Gabriel já rendeu muitas histórias e momentos especiais. Agora, ela ganha mais uma versão que faz jus a qualidade da canção e une ainda mais essas duas bandas curitibanas que já possuem uma conexão muito forte.

Ouça a nova versão de “Bashô” e assista ao clipe da música, gravado pelo Sr. Banana no início de 2020. Escute, também, a primeira gravação da música, realizada pelo Black Maria no ano 2000.

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