Texto e foto: Marcos Anubis




Falar de rock and roll, no Brasil, é falar do Ira!. Por mais de três décadas o quarteto (hoje um duo) que melhor representa o rock paulista navega com maestria entre o peso e a melodia. E após sete anos de separação, o público que praticamente lotou o Teatro Positivo neste sábado (9) pôde testemunhar que a química entre Edgard Scandurra e Nasi não se perdeu.

O Ira! subiu ao palco com “Longe de Tudo”, música que abre o primeiro álbum da carreira da banda “Mudança de Comportamento” (1985). O que se viu a seguir foi uma comunhão perfeita entre grupo e público. Esse tipo de sinergia só se estabelece quando os músicos são respeitados pela história que construíram e pela qualidade dos trabalhos que lançaram.

Músicas como “Núcleo Base”, “Quinze Anos (Vivendo e Não aprendendo)”, “Gritos Na Multidão” e “Manhãs De Domingo” fazem parte do imaginário musical do brasileiro mas, como as rádios atuais venderam as suas almas para o comércio, é cada vez mais difícil ouvir esses clássicos nas emissoras. Mesmo assim elas permanecem como baluartes de um tempo distante e criativo do rock tupiniquim.

Hoje não é comum uma banda chegar a um terceiro disco, por exemplo, por conta da futilidade do mercado musical do século 21. Artistas surgem e somem com a mesma velocidade e isso acaba dificultando a criação de obras primas. Esses grandes álbuns possuem várias qualidades que, unidas, transformam o disco em um clássico. O Ira! tem duas dessas pérolas em seu currículo: “Vivendo E Não Aprendendo” (1985) e “Psicoacústica” (1988). As duas bolachas, (termo usado no século passado como sinônimo de LP), fazem parte da discografia básica de qualquer ouvinte de rock brasileiro.

Na sequência do show, ao apresentar “Rubro-Zorro”, do fundamental “Psicoacústica”, Nasi falou da inserção de áudio retirada do filme “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), dirigido por Rogério Sganzerla. “Ele foi preso aqui em Curitiba, claro”, complementou bem humorado. Nasi não possui mais a voz aguda e potente de anos atrás. Obviamente a idade chega para todos nós, e se você passou boa parte de sua vida entregue aos excessos, e isso o vocalista nunca fez questão de esconder, esse preço será cobrado com um acréscimo considerável. Por conta disso, ele recriou sua forma de cantar, usando tons mais graves, mas com a mesma agressividade em suas interpretações.

Ausências 

A despeito de toda a comoção dos fãs pela volta do Ira!, a ausência de Gaspa (baixo) e André Jung (bateria) chamaram a atenção. Ambos foram essenciais para o criação do som do grupo, pois o entrosamento e coesão entre os dois garantiu uma cozinha perfeita para que a genialidade de Scandurra pudesse sobressair. Infelizmente, os dois não participam desse retorno da banda e ela perde sensivelmente com isso. É óbvio que a qualidade de Daniel Rocha (baixo) e Evaristo Pádua (bateria), convidados para substituir os membros originais, não deixa nada a desejar, mas esse não é o ponto. Parte da alma do Ira! não estava ali, e ela faz falta.

Edgard Scandurra, aliás, é um caso a parte em qualquer show do qual participe, seja no Ira!, ao lado de Arnaldo Antunes ou com seu trabalho solo. Como guitarrista ele tem um estilo extremamente particular que une a técnica de um canhoto e muita, muita criatividade. E isso sem grandes auxílios da tecnologia. Se hoje um guitarrista com uma habilidade razoável consegue fazer solos e bases incríveis contando com a ajuda de pedaleiras como a Line 6 ou a Roland, Scandurra continua com seus trêmolos e flangers, comandados pelas “suntuosas” e simpáticas guitarras Giannini, um instrumento que se tornou um ícone brasileiro, muito pelo apoio que o músico sempre deu.

O público sentiu falta de algumas canções como “Pobre Paulista”, “Pegue Essa Arma” e “Farto de Rock And Roll”, mas isso é perfeitamente compreensível, pois construir um repertório para um show, tendo mais de três décadas de estrada, não é uma tarefa fácil. “Nas Ruas”, com seus versos cada vez mais atuais, foi um dos grandes momentos do show. “Muitos veem no homem um cifrão e esqueceram do bater do coração”, diz a letra. Uma versão para “Purple Haze”, do mestre Jimi Hendrix, encerrou a apresentação.

Na saída do Teatro Positivo a sensação era de que a música brasileira ainda não está preparada para prescindir de bandas como o Ira!. Sem saudosismo, a qualidade do que esses artistas construíram ainda não encontra reflexo no atual rock tupiniquim. Sem eles, onde está a reposição?

Assista aos vídeos de “Rubro-Zorro”, “Nas Ruas” e “Quinze Anos (Vivendo e Não aprendendo)”, gravados ao vivo no show do Ira! no Teatro Positivo.

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