Texto: Marcos Anubis
Fotos: Pri Oliveira
O virtuoso violonista gaúcho se apresenta neste sábado (2) no Jockey Eventos, dentro da programação do Blues Jazz Brasil Festival
Diante das dificuldades criadas pela situação econômica atual do Brasil, que obriga as pessoas a priorizar as questões básicas do dia a dia (alimentação, contas), são poucas as pessoas que têm a oportunidade de frequentar atividades culturais.
Fugindo um pouco dessa realidade, os curitibanos terão uma grande chance de ver de perto alguns grandes nomes da música nacional e internacional neste sábado (2), no Blues Jazz Brasil Festival.
Um deles é o violonista gaúcho Yamandu Costa, um dos virtuoses desse instrumento que tanto tem a ver com as raízes da música brasileira.
O evento vai acontecer na área externa do Jockey Eventos e terá um lineup composto por várias bandas e artistas nacionais, entre eles, o gaiteiro Renato Borguetti, o multi-instrumentista curitibano Hélio Brandão, além da cantora estadunidense de Blues Tia Carrol.
Cultura para todos
O Blues Jazz Brasil Festival é a nova formatação do Festival BB Seguros de Blues e Jazz, que teve sete edições e foi realizado pela última vez em 2021, de maneira virtual. Confira neste link a nossa cobertura da edição de 2019, que aconteceu no Museu Oscar Niemeyer (MON).
Em 2022, o evento passou a ser patrocinado pela Porto e, dessa maneira, os organizadores continuarão oferecendo ao público diversos shows de artistas renomados.
Além da oportunidade de trabalho para os profissionais da música, tão impactados durante a pandemia, a notícia também é importante para o público, pois a entrada no festival é gratuita. “É um grande presente para o povo e é isso que nós precisamos fomentar. Nós torcemos para que a produtora continue conseguindo fazer esse evento porque é impressionante a penetração e a importância que isso tem na cabeça das pessoas”, elogia Yamandu Costa.
Outra grande característica do Blues Jazz Brasil Festival é a oportunidade que os artistas recebem para se apresentar diante de um público heterogêneo, vindo de várias realidades diferentes. “Esses festivais são fundamentais, eles criam o intelecto de um povo. A minha música não é Blues e nem Jazz, mas ela tem liberdade e se encaixa perfeitamente dentro dessa programação”, diz.
No show em Curitiba, Yamandu será acompanhado por dois músicos. Um deles é o jovem baixista Filipe Moreno, que figura na lista de grandes destaques da música instrumental brasileira nos últimos anos. “Ele toca de uma maneira bem ‘violonística’ e traz um comportamento mais erudito no ato de tocar o instrumento. O caminho que ele está percorrendo é muito saudável para a geração de músicos jovens”, conta.
O bandolinista Fabio Perón completa o trio que pisará no palco Blues Jazz Brasil Festival neste fim de semana. “Ele é um músico incrível que tem uma ligação profunda com a cultura do Choro e do Jazz dos EUA. É um cara que tem uma liberdade de improvisação que poucos possuem dentro dessas duas linguagens. É um músico completo”, elogia.
A ligação com Curitiba
Curitiba faz parte da trajetória artística de Yamandu desde o início, mas os shows do músico gaúcho nem sempre estiveram restritos aos grandes teatros.
A primeira apresentação na capital paranaense, por exemplo, aconteceu no início dos anos 2000 no Bar do Hermes e marcou o começo de uma relação de respeito e admiração mútuas.
Porém, se hoje Yamandu tem um público fiel em qualquer local que ele for se apresentar, o nível de exigência dos fãs curitibanos sempre foi uma questão levada muito a sério por ele. “Eu tinha até certo receio de tocar em Curitiba porque é uma plateia muito preparada, culta, e que sabe o que é música boa. São pessoas de opinião, polêmicas, então nunca foi tão fácil tocar em Curitiba. Foi uma relação conquistada com muito carinho e dedicação”, revela.
Um dos shows mais marcantes dessa longa caminhada aconteceu em 2016, no encerramento da 34ª edição do Festival de Música de Curitiba. Naquela noite, Yamandu uniu forças com o inesquecível percussionista pernambucano Naná Vasconcelos e fez uma apresentação que ficou na memória dos fãs.
O show aconteceu no Teatro Guaíra, que estava completamente lotado, e emocionou o público tanto pela genialidade dos dois músicos quanto pela alegria e serenidade de Naná.
Afinal, a força que o percussionista demonstrava não condizia com os graves problemas de saúde pelos quais ele estava passando (Naná estava lutando contra um câncer e faleceu apenas dois meses depois do show). “Essa noite foi muito emocionante. Eu lembro que ele já estava bem doente e tinha que usar oxigênio antes de subir no palco. A música, como sempre, empurra e coloca a gente pra cima. É inesquecível a força de vontade dele para tocar. Eu só tenho boas memórias do Naná, foi um duo que me trouxe muitas felicidades”, conta.
Essa parceria deve ser eternizada em CD ou DVD nos próximos anos, pois um dos shows que Naná e Yamandu fizeram juntos, no Teatro FECAP, em São Paulo, foi gravado e o violinista pretende trabalhar nesse material.
Prêmios e lançamentos
Todo grande músico tem um mestre e Yamandu não foge à regra pois, desde o início, o mentor do brasileiro foi o violonista argentino Lucio Yanel.
A ligação entre os dois começou em 1982, quando Lucio decidiu se mudar para o Brasil. Na época, a Argentina vivia uma difícil situação econômica após o fim da Guerra das Malvinas e muitos argentinos buscaram uma nova perspectiva de vida em outros países.
Chegando ao Brasil, Lucio passou um período vivendo em São Paulo e, em uma viagem a cidade de Passo Fundo, ele acabou conhecendo o pai de Yamandu, Algacir Costa, que excursionava com o grupo Os Fronteiriços.
Desse encontro, nasceu uma forte amizade com a família do jovem Yamandu que, na época, tinha apenas dois anos de idade.
Nos anos seguintes, após se estabelecer no Rio Grande do Sul, Yanel acabou se tornando um dos grandes protagonistas da música dessa região. “Ele mudou totalmente o conceito de nível de violão no Sul do Brasil e eu também sou um fruto disso”, diz.
Como uma espécie de tributo ao mestre, no ano passado, Yamandu lançou o documentário “Dois Tempos”, que teve produção de Roberto Berliner com roteiro de Pablo Francischelli.
O enredo do filme se desenvolve por meio de uma viagem de motorhome que Yamandu e Yanel fazem a partir da cidade de Estrela, no interior do Rio Grande do Sul, onde fica localizada a casa da mãe do músico brasileiro.
Dali, os dois cruzam o interior gaúcho até chegar à cidade natal de Yanel, Corrientes, na Argentina.
Por enquanto, o documentário só foi exibido em Porto Alegre e na plataforma In-Edit. Nas próximas semanas, o doc estará em cartaz no Rio de Janeiro, mas ainda não existe previsão de quando o filme será disponibilizado em salas de cinema de outras cidades do Brasil.
Outro mestre do violão com o qual Yamandu mantém uma relação profissional e de amizade é o violonista, cantor e compositor Toquinho.
No ano passado, essa parceria rendeu o prêmio de Melhor Álbum Instrumental do Grammy Latino com o álbum “Bachianhinha – Live at Rio Montreux Jazz Festival” (2021).
O CD tem dez faixas, sendo nove versões para clássicos de ícones da MPB, entre eles, Baden Powell e Luiz Gonzaga, além da inédita “A legrand”, composta por Yamandu.
Os caminhos da Música Instrumental
Yamandu faz parte de um nicho muito específico de músicos que privilegiam a qualidade das canções e não se deslumbram com um possível sucesso.
Assim, apesar do reconhecimento internacional, o músico gaúcho mantém os pés no chão mesmo após o Grammy Latino. “Eu acredito que seja um prêmio que vem junto com a trajetória”, diz.
O interessante é que, apesar de ser o habitat de inúmeros instrumentistas brasileiros talentosíssimos, a Música Instrumental não costuma fazer parte da programação da maioria das rádios do país.
Na verdade, desde os anos 1990, essas emissoras foram paulatinamente se entregando aos “sucessos do momento” e deixando de lado as bandas e artistas que procuravam fazer um trabalho mais voltado à essência da música.
Mesmo assim, esse segmento instrumental não perdeu força e continua atraindo fãs que buscam algo mais duradouro na arte como um todo. “Eu acredito que a Música Instrumental sempre teve reconhecimento. Ela é um nicho, uma categoria de música que é transversal ao tempo. As tendências vão passando e essa categoria de música que tem uma característica mais clássica, mais culta, é eterna”, analisa.
O grande segredo dessa forte ligação entre os fãs e a Música Instrumental talvez seja a pureza desse estilo que não é só baseado na técnica, pois vem da alma desses músicos. “A música que a gente faz não tem a intenção de fazer esse sucesso imediato e ela se dá muito bem com o tempo e isso é muito bom. Ela não está interessada no sucesso e faz parte do profundo sentimento da arte”, diz.
A vida em Portugal
Atualmente, Yamandu está morando com a família na capital de Portugal, Lisboa. A mudança aconteceu no final de 2019 e foi motivada por vários fatores, entre eles, as questões pessoais e profissionais. “Portugal é um país pequeno onde tudo é mais fácil de fazer e o abraço do Estado te ajuda a viver com escola e saúde pública. O Brasil tem uma discrepância muito grande nesse sentido. É tudo muito caro e desequilibrado no acesso aos serviços públicos. Ir para Portugal foi uma decisão muito sábia”, conta.
Além disso, partindo de Lisboa, a organização logística para os shows na Europa, nos EUA e na Ásia ficaram muito mais fáceis, o que facilita a realização de turnês.
A falta de apoio aos artistas no Brasil (que em alguns casos passaram a ser até perseguidos nas redes sociais) também contribuiu para que Yamandu buscasse outros ares. “Nessa administração atual, a cultura não é uma coisa bem-vinda. Foi um bom momento para ter essa experiência fora do país”, complementa.
O impacto da pandemia e o poder da música
A mudança para Portugal aconteceu poucos meses antes do início da pandemia que literalmente bagunçou a saúde mental de milhões de pessoas ao redor do mundo.
Porém, um fato incontestável desse período difícil é que a música mostrou, mais uma vez, que é uma forte aliada para manter a sanidade do ser humano. “A força de equilíbrio da música, das artes e da literatura nunca foi tão clara dentro da vida humana”, diz.
Esse peso que todos precisaram carregar, principalmente em relação ao trabalho por causa do cancelamento dos shows, fez com que os artistas precisassem de muita força mental para continuar a gerenciar o trabalho de cada um deles. “Eu compus muito. Foi uma maneira de me sentir útil e tratar os sentimentos de insegurança por não saber aonde isso iria chegar, quanto tempo duraria e como eu faria para pagar as contas e sobreviver a esse momento. Aí vem a bendita música e te ilumina a cabeça, te acalma”, conta.
Nesse período tão difícil, mais do que nunca, a sagrada hora da composição, a alegria de criar algo novo, foi um bálsamo para que os artistas tivessem ânimo e paz para enfrentar a pandemia. “Existe uma luz especial no dia em que você compõe uma música. A música salva a vida da gente e só faz bem. Quando as pessoas se derem conta disso, elas vão usar a música como terapia”, opina.
Yamandu Costa é uma confirmação de que talento é importante, mas que a paixão pela música é o fator principal para um artista ganhar o respeito dos fãs.
Esse respeito ao ofício é tocante, mas, em contrapartida, a arte retribuiu em dobro porque o amor pelo trabalho foi o que manteve o músico gaúcho “nos trilhos” desde o início de 2020. “É preciso dividir essa sensação sonora que ilumina e traz uma felicidade muito verdadeira e única. Nesse período, sem dúvida, a música salvou milhões de pessoas e conseguiu abrir a cabeça de muita gente”, finaliza Yamandu Costa.
Confira a programação dos shows do Blues Jazz Brasil Festival:
11h – Orleans Street Jazz Band
11h30 – Hélio Brandão
12h30 – Renato Borghetti
13h30 – Escalandrum
15h30 – Isabela Morais Due Fole
15h15 – O Bando Rock & Blues
16h15 – Yamandu Costa convida Filipe Moreno e Fábio Perón
17h30 – Tia Carroll e Igor Prado & Just Groove
Os shows começam às 11h e vão até às 19h. A classificação etária é livre e a entrada é gratuita. O Jockey Eventos fica na Rua Dino Bertoldi, nº 740, no Tarumã.
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