Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Divulgação

Foto Chris Fuscaldo

Nos últimos anos, a jornalista e escritora carioca Chris Fuscaldo vem mergulhando profundamente no mundo musical brasileiro. Em 2016, ela lançou o livro “Discobiografia Legionária”, que aborda os bastidores das gravações dos álbuns da Legião Urbana e de Renato Russo. Chris também está escrevendo uma biografia do cantor, músico e compositor Zé Ramalho, um dos maiores nomes da MPB.

A mais recente empreitada de Chris é um projeto de crowdfunding na plataforma digital Catarse para lançar o livro “Discobiografia Mutante – Álbuns que Revolucionaram a Música Brasileira”. A obra é um mergulho na carreira de uma das bandas mais importantes da história do rock brasileiro usando um ângulo diferente: as capas dos discos do grupo, que são verdadeiras obras de arte.

O projeto surgiu em 2002, quando Chris estava cursando o último ano da faculdade de Jornalismo e escolheu, como tema da monografia, justamente as capas que tanto chamam atenção do público nos discos dos Mutantes. Logo de cara, o apoio e o respeito dos ex-integrantes dos Mutantes foi fundamental para que o projeto se desenvolvesse. “Na época, a Rita Lee e o Sérgio Dias foram supersolícitos e me deram entrevistas até o fim da jornada, ou seja, a minha formatura. O Arnaldo Baptista estava um pouco isolado, mas a esposa dele, a Lucinha Araújo, falava comigo e respondia a algumas perguntas”, conta Chris Fuscaldo.

Hoje, 16 anos depois, a monografia está servindo de base para o livro, porém, o texto está sendo encorpado com dados atuais e informações relevantes. “Quando decidi transformar esse texto, não busquei apoio de ninguém, afinal, não existe mais a necessidade de autorização para se lançar um trabalho de pesquisa e memória. Então, fiz contato com o Sérgio Dias porque fiquei com vontade de incluir no livro os álbuns lançados recentemente por ele. Ele abraçou o projeto, aceitando voltar a conversar e ainda me ajudando a divulgar usando as redes sociais da banda, que ele mantém ativas”, diz.

A partir daí, Chris foi construindo a narrativa do livro. Cada capítulo traz a história de um dos álbuns dos Mutantes ou dos discos solo de seus integrantes. “Conto uma ou outra curiosidade sobre as composições, as gravações e as capas, além de trazer comentários meus e de jornalistas sobre aquele trabalho. A diferença em relação ao ‘Discobiografia Legionária’ é que, no livro sobre a Legião Urbana, eu consegui localizar técnicos de som e roadies, personagens que são considerados coadjuvantes da história. No ‘Discobiografia Mutante’ (atenção para a ausência do ‘s’, que significa uma abertura para a inclusão dos álbuns dos integrantes dos Mutantes), eu trabalho mais com as declarações dos próprios integrantes”, explica.

A nova empreitada também é baseada na experiência que Chris vem adquirindo com os últimos livros que ela tem lançado. Paralelamente ao projeto de crowdfunding, por exemplo, a escritora está trabalhando na biografia de Zé Ramalho. “É um projeto que precisa ser tocado com calma e concentração. É assim que venho trabalhando, sem parar. Apesar de estar focada na divulgação da campanha de financiamento coletivo do ‘Discobiografia Mutante’ − que só será lançado se eu atingir a meta, ou seja, se as pessoas o comprarem nesta pré-venda −, eu não parei de trabalhar no livro do Zé. Já passei da metade, mas ainda há muito a ser escrito e corrigido. No caso desse livro, é uma biografia de um homem de quase 70 anos de idade e com 40 anos de carreira. São muitos detalhes e histórias que não quero soltar sem ter a certeza de que estão corretos”, explica.

Uma nova perspectiva de mercado

O uso do crowdfunding para viabilizar um livro é uma alternativa interessante, que vem sendo buscada cada vez mais pelos escritores.

A partir dessa perspectiva, Chris resolveu seguir por esse novo caminho editorial. “Decidi experimentar porque me dei conta de que o primeiro álbum dos Mutantes está fazendo 50 anos. Não daria tempo de negociar com uma editora para lançar o livro ainda em 2018. Além disso, os Mutantes sempre preferiram construir o próprio caminho. Quero seguir os passos deles e, pela primeira vez, experimentar essa liberdade para criar e chegar mais perto dos meus leitores”, explica.

A tentativa de viabilizar o projeto também não deixa de ser um reflexo do mercado de livros no país, atualmente. “As livrarias demoram a pagar e, com isso, as editoras atrasam os pagamentos. No entanto, cresceu a demanda por biografias desde que o Supremo Tribunal Federal as liberou, em 2015, e por livros de história da música”, diz.

A meta do crowdfunding é atingir o valor de R$ 38.200. A data limite é o dia 3 de junho. Os interessados em apoiar o projeto podem acessar este link e escolher entre vários valores (de R$ 30 a R$ 5.000) que dão direito a variadas recompensas, entre elas, exemplares do livro e vinis dos Mutantes. Atingindo a meta, os livros devem começar a ser enviados em agosto. Caso isso não aconteça, o valor é devolvido integralmente aos apoiadores.

Histórias

O livro terá 156 páginas e reunirá várias histórias interessantes que cercam as capas dos álbuns dos Mutantes. Uma delas é sobre o disco “A Divina Comédia ou Ando meio Desligado”, clássico lançado em 1970. “A foto da capa era uma reprodução da gravura de Gustavo Doré, que ilustrava a primeira edição do livro de Dante Alighieri. Para ficar o mais parecido possível, a Rita, o Arnaldo, o Sérgio e o irmão dele, Cláudio César, que fez a foto, cavaram um buraco de quase um metro no jardim da casa da família Dias Baptista. Segundo o Sérgio, ‘já tinha até água no fundo. Uma nojeira’! O Cláudio improvisou uma lápide de isopor para a sepultura de onde saía o Arnaldo, com o peito nu. No fundo do buraco, foi acesa uma fogueira e um spot de luz dava conta da fumaça. No fim da sessão de fotos, o irmão do Sérgio e o Cláudio saíram todos chamuscados do buraco. A Rita e o Sérgio vestiram mantos feitos de colchas de chenille da casa dos Dias Baptista e usaram folhas de louro na cabeça”, conta.

A realidade é que, em um país que pouco valoriza os seus artistas, iniciativas como a de Chris mostram a importância de resgatar a história dessas grandes bandas brasileiras. “Trata-se da manutenção da memória, algo essencial para qualquer cultura do mundo. Sem livros, filmes ou documentos históricos em geral, a memória se perde, é esquecida pelas novas gerações. Quero escrever o máximo que eu puder, para que os filhos, netos e bisnetos de minha geração possam saber o que aconteceu na música brasileira”, finaliza.