Texto: Marcos Anubis
Revisão e fotos: Pri Oliveira

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Tocar canções em formato acústico é, antes de tudo, um ato de coragem. Isso se explica porque no estúdio, com os milhares de recursos que hoje estão disponíveis, uma música pode ser tremendamente melhorada ou, até, estragada. Nessa sexta-feira (29) no Teatro Positivo em Curitiba, o cantor, compositor e músico Nando Reis encarou esse desafio.

A abertura, dentro do Projeto Prime Cultural, foi do compositor e cantor curitibano Doria. Ele apresentou canções de seu EP de estreia, “Olhos Nus”, lançado no início deste ano.

Pureza harmônica

Com o Teatro completamente lotado, Nando abriu o show com “Lamento Realengo”. Durante a apresentação, ele baseou o setlist em músicas que não fazem parte do seu repertório habitual, como “Caneco 70” e “A menina e o passarinho”.

Nando também tocou composições suas, mas que foram originalmente gravadas por outras pessoas. Uma delas foi “Diariamente”, registrada por Marisa Monte no álbum “Mais” (1991). Houve espaço até para uma versão da música “Muito estranho”, do cantor, músico e compositor Dalto.

As canções de Nando Reis são perfeitamente adequadas ao formato voz e violão. Com melodias bem construídas e, acima de tudo, letras inteligentes, elas não perdem a sua beleza e impacto quando despidas dos arranjos. “Eu acho que faço música para me entender. Talvez por isso as pessoas se identifiquem, porque elas são elucidações bastante humanas”, disse durante o show.

Revelações Titânicas

Na apresentação, Nando conversou bastante com o público e isso rendeu muitas histórias. Uma delas foi contada antes de tocar “Os cegos do castelo”. Naquele momento, ele relembrou como a música surgiu no repertório dos Titãs e deu alguns detalhes da sua saída da banda, em 2001.

A canção foi composta especialmente para o álbum “Acústico MTV” (1997). Na época, essa foi uma “fórmula” que acabou tomando conta da música brasileira. “Tudo aquilo parecia um risco, afinal, nós iríamos expor as músicas que sempre ficaram associadas a arranjos fortes. Nós colocaríamos à prova a resistência dessas canções e a nossa própria capacidade de rearranjar coisas que ficaram tão marcantes”, relembrou.

Várias bandas e artistas embarcaram na onda desplugada, entre eles o Engenheiros do Hawaii, Gilberto Gil e Paralamas do Sucesso. “Nós vínhamos de um pico de radicalização da nossa sonoridade. Depois que fizemos o ‘Cabeça Dinossauro’, o “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, o ‘Õ Blésq Blom’ e o ‘Tudo ao Mesmo Tempo Agora’, começamos a ficar com o palco cheio de maquinário, de coisas eletrônicas”, disse.

Notando esse afastamento do que a banda considerava a sua linha mestra, o grupo decidiu voltar às suas raízes. “Ali nós resolvemos jogar fora tudo isso e voltar ao que seria uma espécie de essência dos Titãs. Então, gravamos dois álbuns que foram desabonados pela crítica e nos colocaram em um fosso, contrastando com o que vinha sendo o nosso sucesso no fator de popularidade”, complementou.

O disco seguinte, “Titanomaquia” (1993), foi totalmente influenciado pela onda Grunge que dominava o cenário musical da época. O álbum foi produzido pelo americano Jack Endino, que trabalhou com o Mudhoney e o Soundgarden e que produziu o primeiro e mais pesado álbum do Nirvana, “Bleach” (1989).

Na sequência, em 1995, “Domingo” consolidou uma fase pouco aclamada pela crítica. “Esse declínio não foi só um aprendizado. Nós tínhamos abandonado aquela gama que era a riqueza dos Titãs. Ali, nunca houve apenas uma dedução. Eu sempre achei que a qualidade vinha da somatória daquelas oito pessoas muito distintas, diferentes, astutas e inteligentes na forma de resolver musicalmente as coisas”, analisou.

Ao relembrar essa fase com os Titãs, Nando deu alguns indícios dos reais motivos que levaram à sua saída da banda, ocorrida após o álbum “A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana” (2001). “Ali, talvez, já existia uma espécie de descolamento meu em relação à direção da banda. Era um aborrecimento porque você tinha que se submeter às decisões coletivas, o que é, de fato, importantíssimo. No caso dos Titãs, nós éramos uma banda que não tinha uma liderança. Mas isso custa, isso custa muito”, disse.

A princípio, “Os cegos do castelo” seria a única música inédita do “Acústico MTV”. Mas isso acabou mudando e ajudou a colocar mais lenha na fogueira. “O pessoal resolveu ‘ficar com inveja’ (risos) e acabaram sendo quatro inéditas. Mas o fato é que houve uma disputa ali. Eu queria colocar a minha música e ela tinha sido votada para entrar. Aí, de repente, surgiram as outras, todo mundo queria cantar: então, abriu-se novamente para todos. Ok”, disse.

A realidade é que, para alguns fãs, a letra dessa canção fazia menção ao período conturbado que Nando estava enfrentando com seus colegas de banda. “Ela ficou associada a esse momento de descolamento meu da banda. Erroneamente, depois que eu saí, os meus amigos começaram a achar que dos cegos do castelo me despeço e vou falava deles. E não é isso, ao contrário. Eu não quero mais mentir, dos cegos do castelo me despeço e vou são meus demônios internos. Não tem nada a ver com o exterior. Sou eu olhando no espelho e dizendo ‘puta que o pariu!’, afinal de contas, o que eu quero da vida?”, contou.

Nando ainda disse que ele não estava contente com a direção musical que os Titãs estavam tomando naquele momento, o que levou à sua saída. “Virou aquele grande momento de guerra, porque as separações são sempre assim, um desgaste da porra. Mas essa música não tem nada a ver com isso”, ratificou.

Na sequência do show, após “All star azul”, Nando disse, emocionado, que ficava muito feliz ao ver as pessoas cantando uma música que lembra a cantora Cássia Eller. “Tenho certeza que muitos de vocês estavam cantando com o pensamento voltado para a Cássia”, falou.

Entre tantos grandes momentos, o mais emocionante deles talvez tenha sido “O segundo sol”. A canção, imortalizada na voz de Cássia Eller, foi cantada do começo ao fim pelo público. Após uma breve saída do palco, Nando voltou para encerrar o show com “Por onde andei” e “Do seu lado”. Ao despir suas canções, Nando Reis presenteou os fãs com a beleza que só persiste nas boas composições.

Segundo Nando, boa parte de sua obra, na realidade, nasceu no violão. Nada mais justo, então, do que apresentá-la na sua essência. Confira três músicas do show: “O segundo sol”, “Mantra” e “Os cegos do castelo”.