Texto: Marcos Anubis
Revisão e supervisão: Julie Fank
Fotos: Lex Kozlik
Direção de arte: Anderson Maschio

Helinho Pimentel, It’s Only Rock And Roll, (But I Like It)




Na segunda parte da entrevista, Helinho Pimentel fala sobre a emissora que até hoje está presente nos corações e mentes dos curitibanos, a Estação Primeira. A rádio, que esteve no ar no prefixo 90.1 FM entre 1986 e 1995, formou uma geração de fãs. Fugindo totalmente do padrão vigente na época, o de privilegiar a música comercial, a Estação construiu uma história que ainda sobrevive e traz saudades aos seus ouvintes.

A Estação Primeira é lembrada até hoje como a mais importante rádio FM da história de Curitiba. Ela formou uma geração de ouvintes que até hoje lembram e falam da emissora. Como ela surgiu?

Eu retornei do Rio de Janeiro no final de 1984 e fiquei dois anos trabalhando para viabilizar uma rádio, que era o meu sonho, dando continuidade ao projeto de 1976, que era um programa de rádio. Em 1984 começou a surgir a possibilidade de esse programa se tornar uma emissora inteiramente rock and roll. Então nós trabalhamos de 1985 até novembro de 1986, quando colocamos no ar a Estação Primeira, a frequência rock. Foi uma rádio que veio em um momento muito importante.

Houve toda uma conjuntura que possibilitou a entrada dessa emissora no ar. Várias pessoas participaram intensamente da construção da ideia e dos propósitos. Foi um trabalho de uma equipe que vibrava muito com o que fazia, seja na escolha das músicas, na definição das locutoras que iriam ao ar ou nos eventos que a Estação participava.

Era uma família, pessoas que acreditavam não só no “negócio rádio”, mas também na importância do que a Estação representava naquele momento. Isso aconteceu em uma época onde a informação era mínima. Hoje, qualquer pessoa tem acesso a tudo, basta ligar o seu computador.

Naquele momento a informação era a Estação Primeira. As pessoas ligavam para saber o que estava acontecendo com os movimentos culturais em Curitiba e com a música no Brasil e no mundo. Ela passou a ser um canal de referência para toda uma geração. A Estação Primeira foi muito importante para a minha vida profissional, para todos os que viveram aquele momento, e também para toda uma geração que se criou musicalmente e culturalmente impulsionada por ela.

Depois da Estação Primeira, eu passei por vários projetos. Criei e desenvolvi a Rádio Rock em parceria com uma excelente equipe e depois estive diretamente envolvido no desenvolvimento e na criação da Mundo Livre, que hoje está no ar. Também participei da idealização e produção do Festival Lupaluna, em parceria com a GRPCOM e os meus sócios da DC Set.

A Estação Primeira formou, musicalmente, uma geração de ouvintes. Em uma época em que não existia a Internet, essas pessoas só puderam conhecer bandas como Sonic Youth, Stone Roses, The Smiths e outros grandes artistas por causa da emissora, que fugia do lugar comum das FMs curitibanas e brasileiras. Você, hoje, ainda tem a consciência da importância que a Estação teve e tem para esses ouvintes? Ficou alguma mágoa desse tempo, principalmente da maneira como a rádio encerrou suas atividades?

Eu senti muito quando a emissora saiu do ar, em virtude de uma associação errada que eu fiz. A Estação era uma filha minha. A emissora tinha uma relação muito forte de amor comigo e eu com ela. Eu sabia da importância que ela tinha para a cidade. Mas as dores não me acompanham.

Eu tenho um olhar diferente para os tempos de dor, pois tive muitos momentos assim na minha vida, ocasiões onde eu perdi pessoas amadas, mas eu consigo trabalhar isso de uma maneira relativamente tranquila, apesar de um profundo sentimento de saudade. Para mim, cada dia é um grande desafio e tudo faz parte do aprendizado da vida.

E uma das coisas que me faz permanecer assim, vivo e com vontade de estar aqui, é o desafio, o sonho e a necessidade de fazer com que esse sonho se torne realidade. Essa é a força que me impulsiona, além das pessoas queridas que eu tenho na minha vida. Hoje eu olho para trás e sinto uma gratidão enorme e não uma mágoa por ter passado por tudo isso.

Me sinto feliz pelos amigos que fiz e pelas coisas que eu pude e pretendo realizar. Os focos na nossa vida, ao menos para mim, são sempre muito mutantes. Algumas coisas vão ficando, velhos amigos permanecem, outros vão partindo, mas as boas histórias seguem conosco. E nas tristezas nós sempre temos o que aprender, às vezes ainda mais na dor do que na alegria. Elas fazem você ser mais homem, mais humano.

Relembre algumas histórias que te marcaram nesse período da Estação Primeira, coisas que ainda hoje te emocionam.

Houve um dia na rádio em que estávamos eu, o Mário Ribeiro, o Fernando Tupan e meu irmão Arnoldo, que era uma grande figura. Aí chegou um disco do GUETO, o “Estação Primeira”, enviado pelo divulgador da Warner. Como ele tinha uma música chamada “Estação Primeira”, nós fomos direto nela.

Colocamos o disco em uma pick up do estúdio, que tinha uma “sonzeira” e duas caixas fabulosas e quando a música entrou nós percebemos que ela tinha uma letra sensacional e simplesmente contava a história da rádio. Ela dizia que o jovem não tinha mais com o que se preocupar, que agora ele tinha uma rádio para ouvir.

Ela pegou em todo mundo, se transformou em vinheta e virou um hit da rádio. Por conta disso, nós fizemos a primeira festa de aniversário da Estação Primeira com um show do GUETO. Aquilo foi uma coisa muito marcante, para todo mundo, porque nós não conhecíamos a banda e todos ficaram enlouquecidos com a levada. E realmente esse disco era mesmo muito bom.

Na hora nós já ligamos para a gravadora e os convidamos para tocar na nossa festa. Outro fato que me marcou enormemente aconteceu no segundo aniversário da Estação Primeira, no Círculo Militar. Nós fizemos um show onde tocaram o Nenhum de Nós, Os Mulheres Negras, Blindagem, Replicantes, Ira! e Defalla. O Ira! estava tocando no interior de São Paulo e teve um problema seríssimo.

No local onde eles estavam não havia teto para decolar ou eles acabaram perdendo o avião, não me lembro. E eles eram simplesmente a atração principal do evento. Então a notícia chegou e nós ficamos enlouquecidos. Não havia o que fazer, pois na época não existia celular. As bandas já estavam tocando e nós pensamos: “Vão quebrar o Círculo!”. Havia 5 mil pessoas lá dentro.

Então nós fomos para a secretaria do Círculo Militar e começamos a ligar para o aeroporto. Depois de muitas ligações, eu consegui fretar um jato em Curitiba e ele saiu daqui para ir buscar os caras. Já eram 8h da noite. Eles chegaram lá, pegaram a banda e levantaram voo para Curitiba.

Para piorar não havia sinal na torre de controle do aeroporto, nós não sabíamos de nada do que estava acontecendo. Isso já eram 3h da manhã. O Ivo Rodrigues e as locutoras da rádio já haviam subido várias vezes no palco.

As pessoas estavam lá, dormindo no chão, outras estavam conversando, é inacreditável isso! Todos esperando que o Ira! chegasse. De repente, chegou um comunicado da torre do aeroporto, em Curitiba, dizendo que o avião estava descendo. Pra completar, eles vieram de táxi e o pneu furou na chegada. Enfim, o Ira! subiu no palco às 3h30 da manhã e começou com “Envelheço na Cidade”.

Quando soou o primeiro acorde da música, o Círculo inteiro acordou e começou a cantar. Foi um momento especial para todos nós. Esses dois acontecimentos estão na alma da Estação Primeira e no coração de todos que viveram aquela época.




Você lembrou do seu irmão, Arnoldo, já falecido. A perda dele deve ter sido um duro golpe na sua vida, pois é nítido o seu apego e respeito à sua família.

É importantíssimo falar dele. Eu sempre o chamei de Alemão, desde criança, pouquíssimas vezes de Arnoldo. Ele era uma figura genial e nós tivemos uma convivência muito intensa, pois tínhamos cinco anos de diferença, ele era de 1961 e eu de 1956. Era uma figura bonita, meu Deus, o cara era bonito como pessoa. E além de bonito fisicamente, ele era mesmo amigo das pessoas, se dedicava à elas.

Se alguém precisava dele, fosse um filho meu ou um amigo, ele se envolvia nisso durante o dia todo, muito mais do que eu, que sempre estou ocupado com as minhas coisas. Ele tinha tempo para se dedicar às pessoas. Foi aqui, nessa mesa onde nós estamos, que nasceu o nome da Estação Primeira. Nós estávamos pensando, tentando decidir qual seria o nome da rádio. Já tínhamos falado uns 500 nomes até que eu sugeri: “Rádio Primeira”. Nada ver, né? Aí ele disse, aqui onde eu estou sentado: “Estação Primeira”.

Na hora eu disse “tá fechado, é esse o nome!”. Aí o Alemão se envolveu. O desgraçado era estudioso, fez genética vegetal, mestrado, doutorado, só que ele tinha um pé nessa coisa do entretenimento e da cultura. Ele foi diretor, tocava as coisas na área comercial dos eventos da Estação Primeira com um entusiasmo brutal. Era uma grande figura amada, o Alemão!

O que nós vemos, atualmente, é a música comercial tomando conta de todos os espaços dos veículos de comunicação. Você acha que, hoje, seria possível existir uma rádio com esse formato? E você guarda alguma esperança, no fundo do seu coração, de que a Estação Primeira possa renascer?

Eu acho que mudou muito, segmentou demais. Nos anos 1980, quando a rádio surgiu, existia o pessoal que gostava do som clássico da época, o Pré-Punk, e a turma do Pós-Punk que envolvia todas as bandas que estouraram na década de oitenta. Essa era a divisão. Você tinha que agradar esses dois segmentos que se conversavam. O cara ouvia Grateful Dead, mas também ouvia The Smiths, Stones e The Cure, Frank Zappa e Laurie Anderson. Era uma coisa que funcionava de uma forma mais fácil, apesar de as turmas serem diferentes.

Hoje não, é muito segmentado. Tem o cara da Música Eletrônica, Indie, Rock and Roll e Metal. Existe muita divisão. São várias tribos, muita gente gostando de coisas diferentes. Então é outro conceito. Fazer rádio, hoje, é totalmente outra história.

O que nós vamos fazer no portal do Parque das Pedreiras é entrar no ar com quatro rádios chamadas Estação Pedreira. Elas serão identificadas com uma releitura da logo Estação Primeira, que era o famoso microfone, e terão uma programação direcionada a segmentos separados.

A primeira terá o Classic Rock e será a melhor do mundo. Nós vamos fazer uma rádio que não existe em Amsterdã, Nova York ou São Francisco. Também teremos uma direcionada ao Rock, pegando toda a cena do Punk em diante, envolvendo tudo dos anos 1980, a cena de Seattle com o Pearl Jam, Nirvana e também as bandas atuais. É uma rádio que nós chamamos de New Rock, pois isso passa por uma questão conceitual. A terceira será uma rádio direcionada à música brasileira, muito qualificada.

Nós também teremos uma emissora de World Music, que hoje é uma coisa que me interessa muito. Ela terá uma pegada radiofônica, não será aquela coisa de “vamos tocar uma música esquisita da Índia”. A programação terá artistas de vários países, como França, Jamaica e Afeganistão, que possuem canções que envolvem elementos orgânicos e eletrônicos.

Elas terão uma pegada de rádio normal, com alguns programas ao vivo e outros gravados. Não haverá a questão comercial, eventualmente alguns patrocinadores âncora que estejam envolvidos com o Parque das Pedreiras, mas não terá uma ação comercial como uma rádio convencional.

Será uma programação limpa. As interferências serão para a divulgação da cultura curitibana e projetos de sustentabilidade. A Estação Pedreira é o casamento da alma da Estação Primeira com a Pedreira. Até março de 2015, no máximo, elas devem estar no ar. Musicalmente vocês podem ficar tranquilos, pois terão o que escutar.

A Estação Primeira é uma criação que vai te acompanhar até o fim de sua vida. As pessoas ainda te veem como “o cara da Estação”?

Ela ficou, faz parte de mim, inteiramente. Eu tenho essa relação de carinho com a rádio e com os ouvintes da Estação. Não faz muito tempo eu estava sentado em um restaurante com a minha esposa e uma pessoa se aproximou de nós dizendo para a mulher dele: “Quero te apresentar o Helinho. Sabe aquelas histórias que eu conto para você? Foi ele que criou a rádio. Você não sabe como eu gosto de você”.

E eu não conhecia o cara! É muito bom e isso sempre acontece em agências que eu vou e com pessoas que eu nem espero. É muito bacana! A Estação foi e é muito importante para a minha história. Tenho grandes recordações. As pessoas chegam para mim e falam que a Estação mudou a vida delas. Você acha que isso é pouco?

Na próxima segunda-feira, na sequência da entrevista, Helinho Pimentel fala sobre a a retomada da Pedreira Paulo Leminski. Essa matéria foi escrita originalmente pelo jornalista Marcos Anubis para a Revista One. Ouça algumas músicas que faziam parte da programação da emissora.

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