Texto: Marcos Anubis
Fotos: Pri Oliveira e arquivo pessoal Mutant Cox




A frase “o Brasil não tem memória” é um dos grandes mantras da sociedade brasileira. Neste domingo (30), para contrariar momentaneamente essa máxima, a banda curitibana Hillbilly Rawhide vai realizar uma live para homenagear o eterno proprietário do Lino’s Bar, Antônio José Lino.

O show acontecerá às 18h na última sede do Lino’s Bar, que fica no bairro Boa Vista. Obviamente, por questão de segurança, não será permitida a entrada de público no local. O 92 Graus transmitirá a live, seguindo os protocolos de segurança, para um número limitado de pessoas.

A apresentação será transmitida ao vivo no YouTube do Hillbilly e marca justamente o primeiro ano sem Lino, que faleceu em agosto de 2019. “A ideia da live surgiu de maneira bem natural por parte da nossa ‘família Tabajara’, que é como nós chamamos os ‘órfãos’ do Lino’s, aquele círculo de amigos que sempre frequentou o bar e esteve junto com o Véio. Nós conversamos bastante nos últimos meses sobre como fazer essa homenagem para lembrar e celebrar a vida dele. A intenção é fazer com que as pessoas não esqueçam o que ele fez por todos nós”, explica o vocalista e guitarrista do Hillbilly Rawhide, Mutant Cox.

Na live, também serão exibidos alguns depoimentos de músicos e integrantes da cena, destacando a importância do Lino’s Bar na história da música curitibana.




Quase quatro décadas de história

O Lino’s Bar foi inaugurado em 1980, na esquina da Alameda Cabral com a Rua Augusto Stellfeld, no Centro de Curitiba. Logo nos primeiros meses, o local passou a ser um dos pontos de encontro dos músicos do underground curitibano, justamente porque Lino já mostrava que seria um grande incentivador da cena musical na capital paranaense.

O Beijo AA Força, por exemplo, foi um dos primeiros grupos a fazer parte do dia a dia do Lino’s, ainda no início da década de 1980. A banda, que nos anos seguintes se tornaria um dos maiores ícones da música paranaense, fez os primeiros ensaios justamente no Lino’s, em meio a mesas de sinuca e engradados de cerveja.

Durante os 39 anos de vida, o Lino’s Bar sempre foi um espaço aberto para bandas de qualquer estilo musical, do Psychobilly ao Heavy Metal. “O Lino’s foi um point seminal para a cidade. O segundo show da Bad Bebop aconteceu lá e entendemos que esse lugar fez parte da história do underground curitibano”, diz o baterista do Bad Bebop e do Kingargoolas, Celso Costa.

De maneira democrática e sem nenhum tipo de divisão, os frequentadores do bar faziam parte de várias tribos da cena musical curitibana. “Eu estive naquele ambiente desde a minha adolescência, convivendo com os punks e com a galera do underground. Eu aprendi muita coisa com essa gente que eu tenho a honra de ter conhecido. Participei de muitos shows do Infernal (um dos maiores nomes do Death Metal curitibano na década de 1990) e de outras bandas que tocavam ali no Lino’s da Alameda Cabral. Isso faz parte da história do underground curitibano e da nossa também”, diz o guitarrista e vocalista Mano “Mutilator”, que faz parte do Necrotério, da Hecatombe e do Grimpha.

Desde o início do bar, Lino teve uma parcela muito grande na criação de várias bandas curitibanas, inclusive na própria existência do Hillbilly Rawhide. “Eu acho que o Hillbilly nem existiria se não fosse o Lino. Eu nem sei se seria músico ou se estaria fazendo o mesmo tipo de música. O Lino’s foi essencial para a minha formação musical e também pessoal, desde a minha adolescência. Eu conheci os integrantes do Hillbilly porque todos frequentavam o Lino’s. Nós ainda éramos um trio quando fizemos o primeiro show ali mesmo no bar, em 2002, quando ele ainda ficava no Centro”, conta Mutant Cox.




Espaço para o underground curitibano

Para o público que frequentava o bar, o Lino’s era uma referência de respeito e união do underground. “Eu conheci o bar já ali na Barreirinha, quando alguns amigos me levaram lá. Quando entrei, eu já percebi que era um lugar diferente, me senti acolhida. E isso porque o Sr. Lino já vinha recepcionar quem chegava e já oferecia o ‘remedinho’. E sempre tinha alguma banda tocando, mostrando o trabalho. O Lino’s é o berço do underground curitibano. Sem ele, nós não teríamos as coisas como são hoje”, diz a supervisora de RH, Juliana Galarda.

Esse respeito vem justamente pela forma igualitária com a qual todos eram tratados no bar. “Quem teve a oportunidade de conhecer o seu Lino sabe que ele era um cara excepcional, companheiro e cachaceiro igual a nós. O bar sempre estava aberto ao público para difundir a cultura curitibana e ajudar a cena metálica a se manter viva”, diz Mano “Mutilator”.

Com toda uma trajetória de vida ligada ao movimento psychobilly de Curitiba, Mutant Cox começou a frequentar o bar ainda na Alameda Cabral, na metade dos anos 1990. “Eu estava montando o AZT, a nossa banda de Punk/Hardcore. Na época, o André (irmão do vocalista do AZT, Maurício Ramos) já estava frequentando o Linão, ele foi antes de todos. Como ele já conhecia os punks e era amigo da turma, acabou me convidando para ir também. De repente, eu já estava indo todo dia. Nós fizemos amizades por lá que permaneceram até hoje”, relembra.




Amizade e música

Nesses 39 anos de Lino’s, todos os frequentadores guardaram histórias marcantes, inclusive das ocasiões nas quais o velho Linão se tornava o guardião do bar e do público. “Eu lembro que, nos anos 1990, tinha muita blitz da polícia. Eles colocavam todo mundo na parede, principalmente quando tinha show, era bem complicado. O Véio sempre protegeu a galera e foi muitas vezes em cana por responder ou estar meio alterado”, conta. “Rolaram até histórias trágicas. A principal foi a perda do Marião, que era um grande irmão de todos e morreu defendendo o bar. Foi bem pesado”, complementa.

No primeiro show do trio Os Catalépticos no Linão, grupo do qual Mutant Cox faz parte até hoje, o ar boêmio do Linão já era perceptível. “Nós ensaiávamos bastante e as apresentações eram muito físicas, brutais, principalmente pra mim que toco bateria em pé. Então, eu tinha um limite de não tomar mais do que três cervejas antes do show porque senão eu perdia o fôlego. Só que nesse dia, eu já tinha tomado as minhas três e o Véio me intimou: ‘vamos tomar uma, locão!’ Aí, eu expliquei que estava tentando me controlar e ele falou: ‘músico tem que tocar locão’! Eu acabei tomando umas a mais com ele, mas mesmo assim o show rolou. É claro que, no meio, eu fiquei sem fôlego!”, diz Cox.

Todos esses relatos mostram que a irmandade entre os frequentadores do bar e o velho Lino sempre foi muito forte. “Quando ele perdeu a esposa, a dona Maria, ele ficou bem triste e sozinho. Foi aí que nós tivemos a ideia de começar a fazer os churrascos de terça-feira que rolavam lá. A intenção era estar presente e fazer com que ele se animasse um pouco”, conta Cox.

Além disso, o “churras Tabajara”, como era chamado, também servia para reunir o público que frequentava o bar na Alameda Cabral e que não costumava frequentar muito a sede do Boa Vista. “Juntar a galera foi complicado quando o bar foi para o Boa Vista porque o público fiel sempre foi ali do Centro. Esse pessoal comparecia mais quando rolavam os shows”, diz Cox.

Assim, o churras Tabajara se tornou um programa quase obrigatório no underground curitibano. “A coisa ia longe porque nós ficávamos bebendo, chorando e escutando os sertanejos dele (risos)”, complementa.

O Hillbilly eternizou a história de Antônio José Lino na música “Honky tonk Lino’s”, que se tornou um dos grandes sucessos da banda. A canção surgiu quando o Hillbilly estava trabalhando no álbum “Ten Years on the Road”, que comemorava os dez anos de estrada da banda. “O Osmar, que era o nosso baixista, começou a criar as primeiras frases, o Joe Ferriday criou a introdução de piano e aí eu terminei a estrutura da música, a letra e os arranjos. Foi uma coisa muito natural. A gente só falou o que sentíamos pelo Véio e citamos coisas que aconteciam mesmo no bar. Foi uma homenagem de coração, muito verdadeira. Como diz o Preto Aranha, do The Brown Vampire Catz, falar do Linão é muito fácil!”, explica Cox.

Obviamente, a homenagem mexeu com os sentimentos de Antônio Lino. “Quando terminei a música, eu fui lá no bar para mostrar pra ele e o Véio chorou. Ele sempre queria que a gente tocasse ou que colocasse a gravação no som. Nós acabamos levando o Lino no estúdio quando gravamos a música e ele participou, tem a voz dele lá. Nós gravamos ele falando um monte de coisa (risos) e foi muito especial registrar isso no disco”, conta.

“Honky tonk Lino’s” também ganhou um clipe que foi gravado no próprio bar no Boa Vista. “Foi um pessoal de uma faculdade que fez, mas também acabamos usando para divulgar a música, a banda e o próprio Linão”, finaliza Mutant Cox.

Hoje, o bar não existe mais, mas os familiares ainda mantém o local e procuram preservar alguns objetos e as boas memórias que foram vivenciadas por tantas pessoas que frequentaram o velho Lino’s.

Assista ao vídeo de “Honky tonk Lino’s”, gravado ao vivo em 2014 no festival Curitiba Rock Carnival,  e veja o clipe da música. Aproveite para assinar o Cwb Live, pagando a quantia que vocês achar justa. É só clicar no link da plataforma Catarse que está abaixo (campanha “Eu Apoio o Cwb Live”.

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