Texto: Marcos Anubis
Fotos: Márcia Moreira




O carioca Humberto Effe é um dos compositores mais talentosos da música brasileira. Desde o final dos anos 1980, quando surgiu com o genial Picassos Falsos (conheça neste link a história da banda), Effe sempre demonstrou uma grande sensibilidade lírica e crítica nas letras que compõe.

Porém, apesar de estar na ativa fazendo shows até o início da pandemia, Effe estava há 25 anos sem gravar material solo. Para o bem da música brasileira, esse hiato acabou.

Nessa sexta-feira (14), Effe lançou o single “A vontade e o medo”. A música restabelece a conexão com uma carreira solo que ele sempre alimentou, mas que não era registrada fonograficamente desde o álbum “Humberto Effe” (1995). “É uma retomada fonográfica do meu trabalho solo autoral. Na verdade, de 1995 para cá, eu continuei fazendo shows diferentes, mas não tive a iniciativa de transformá-los em algo fonográfico. Eu fui amadurecendo esse pensamento nos últimos dois anos”, explica Humberto Effe.




A retomada das gravações

Em 2018, Humberto fez uma série de shows que ele chamou de “Plano Sequência”, com a participação de vários parceiros e artistas.

Nessas apresentações, Effe já incluía algumas composições novas no setlist, mas ainda não tinha a intenção de gravar essas canções.

Agora, com “A vontade e o medo”, a ideia é retomar a carreira solo de maneira consistente. “Só que eu não queria que fosse algo solto, apenas um single, mas que fosse o início de um trabalho. O ‘A vontade e o medo’ é um belo abre alas para esse novo trabalho de inéditas, apontando para novos caminhos na parte autoral e de intérprete”, conta.

Nas gravações da nova canção, Humberto teve a companhia de Hugo Noguchi (baixo), Marcelo Vig (bateria) e Jr. Tolstoi (guitarras e programação). “A vontade e o medo” foi lançado pelo selo Backing Stars, com foto de Márcia Moreira e arte de Andréa Pedro.

A produção do single foi do próprio Tolstoi (que é guitarrista na banda que acompanha o cantor, músico e compositor pernambucano Lenine). “Ele é um cara talentoso, que eu sempre admirei. Eu fiquei muito surpreso quando soube que ele também me admirava e acompanhava o meu trabalho desde o Picassos Falsos. Então, foi uma coisa muito natural. Nós acabamos nos conhecendo e ficamos amigos”, conta.

Essa escolha definida por Humberto deu um ar contemporâneo ao single “A vontade e o medo”. Afinal, Tolstoi é um obcecado por tecnologia e trabalha muito bem nesse sentido. “Eu convidei o Tolstoi porque ele tem um lado experimental e ácido na forma de fazer as coisas que eu gosto muito e queria colocar na minha música. Acho que estou indo para um lado de canção, no sentido mais peculiar que a canção pode ser, com início meio e fim e talvez com de refrões, e ele traz uma dinâmica mais ‘torta’  e ácida para isso. Eu acho que, quando você chama um produtor, é porque quer a assinatura dele ali. Eu não tenho a intenção de direcionar nada. É claro que a gente conversa sobre a ideia da música, mas eu gosto de delegar, deixar com o produtor para que ele consiga colocar a assinatura dele. O Tolstoi faz isso muito bem”, explica.

Após essa volta aos estúdios com “A vontade e o medo”, Effe lançará mais dois ou três singles e também um EP nos próximos meses. “Eu não sei exatamente quando será porque a pandemia tem deixado a gente meio desregrado em relação a isso, mas a sequência artística será assim”, revela.




Mantendo as raízes poéticas e rítmicas

“A vontade e o medo” ressalta duas das maiores características do trabalho de Effe desde os anos 1980. A primeira é a preocupação com o texto das canções.

Nessa perspectiva, o novo single retrata bem o lado poético do compositor Humberto Effe. “Essa música fala do medo do risco. Nós vivemos sempre no meio da vontade e do medo. A dúvida do risco é o meio. A improbabilidade das coisas, que é o grande barato da vida, é uma coisa que toda a nossa cultura tenta regrar, disfarçar para que essa improbabilidade não seja tão duvidosa para nós. Só que, na verdade, é esse risco que faz a vida andar. Nós vivemos sempre procurando o provável, mas ele não existe. A pandemia acabou de provar exatamente isso porque o provável também se perde”, analisa.

Dentro dessa visão, indiretamente, a pandemia acabou influenciando o clima do novo single. “Nós vivíamos uma vida e, de repente, tudo isso acabou. As pessoas tiveram que começar uma nova vida. Muitos, inclusive, perderam empregos ou o contato com outros indivíduos. Então, a vida é isso. Nós estamos sempre entre a vontade e o medo. Sem querer, alguns tópicos e frases da letra vieram a calhar com o que nós estamos vivendo”, explica.

Assim, mesmo involuntariamente, alguns aspectos desse momento difícil pelo qual a humanidade está passando apareceram na letra da música. “É como se os sentimentos e a humanidade não tivessem tanto lugar. Como se fosse melhor você se preservar sozinho, dentro do seu casulo afetivo, do que se abrir e arriscar nas suas iniciativas na vida. Agora, nós estamos lidando com o medo e o receio, com esse mundo que não quer ninguém, que é o que a letra fala”, complementa.

A segunda grande característica que faz parte do DNA de Humberto Effe é a união de ritmos brasileiros de maneira primorosa. “Pra mim, é muito natural falar de misturas de ritmos. Todos os artistas misturam ritmos nas canções e nos estilos musicais. O Samba é uma pequena mistura de várias escolas que resultaram, por exemplo, no Samba Canção. Então, a história da música tem essa miscigenação e isso é o grande barato da cultura”, diz.

Absorvendo todos esses ritmos, brasileiros ou não, Effe faz questão de não colocar um rótulo em um trabalho que vem sendo construído há mais de duas décadas. “Sempre achei natural tentar uma linguagem mais universal, que se conectasse com o que fosse, sem nenhum tipo de censura ou regra quanto a isso. Eu penso a música de uma maneira planetária, não de uma maneira nacional. Agora, graças a Deus, nós estamos em um país que tem um planeta, uma riqueza musical dentro dele, e isso oferece uma oportunidade de ouro para criar muita coisa”, finaliza Humberto Effe.

Ouça “A vontade e o medo” e aproveite para assinar o Cwb Live, pagando a quantia que vocês achar justa. É só clicar no link da plataforma Catarse que está abaixo (campanha “Eu Apoio o Cwb Live”.

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