Texto: Marcos Anubis
Fotos e revisão: Pri Oliveira

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Preservar a cultura pernambucana é uma missão para o pernambucano Maciel Salú. O motivo é mais do que nobre, afinal, ele é filho de Manuel Salustiano Soares, o Mestre Salustiano. Falecido em 2008, ele é considerado um dos maiores nomes da música nordestina até hoje.

Porém, a carreira de Maciel Salú não se prende só ao seu legado. Ela também o levou a experimentar outros caminhos musicais, além dos tradicionais. Nesse domingo (12), Salú se apresentou no Espaço Fantástico das Artes, em seu primeiro show solo em Curitiba. No repertório, ele mostrou músicas que fazem uma ponte entre o passado e o presente da música nordestina.

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Maracatu sem lei

Salú abriu o show com “Minha vida é o mundo”. Ao seu lado, estavam Emerson Santana (bateria), Joana Melo (percussão e backing vocal), José Mário (percussão e backing vocal), Rogê Victor (baixo e backing vocal) e Sammy Barros (guitarra e backing vocal).

O setlist do show fez uma retrospectiva de suas mais de duas décadas de carreira. Entre outras canções, o repertório contou com “Na sombra do cruzeiro”, “Tambaú” e “A morte do vaqueiro”. Logo de cara, muita simpatia e uma obra criativa, Maciel Salú encantou o público que estava presente no Espaço Fantástico das Artes.

Salú começou a chamar a atenção do país em 1995, quando fez parte da banda Chão e Chinelo. Naquela época, no auge do Manguebeat, ele começou a perceber que a tecnologia também poderia ser incorporada aos tradicionais ritmos nordestinos. “O movimento Manguebeat chegou em um momento muito importante. Ali, começaram a surgir muitas bandas independentes com uma identidade própria utilizando outros instrumentos, como a alfaia e a zabumba, e incorporando estilos como o Frevo”, analisa.

Uma das maiores heranças deixadas pelo Manguebeat é, justamente, a fusão entre o Rock e os ritmos e instrumentos musicais nordestinos. Os grupos que surgiram na época incorporaram essa cultura e levaram estilos como o Maracatu para todo o país, mostrando na prática que as barreiras estavam somente na cabeça dos compositores. “Hoje, muitas pessoas estão se interessando pela rabeca a partir daquele movimento no qual surgiram Mestre Ambrósio, Siba, além dos mestres como Pitunga, Seu Nélson da Rabeca e outros. Nós começamos a mostrar a rabeca no nosso trabalho ao lado da guitarra, da bateria e de outros instrumentos”, relembra.

Em 2002, Salú integrou o grupo DJ Dolores & Orchestra Santa Massa e, no ano seguinte, iniciou  carreira solo, que já conta com quatro álbuns lançados: “A Pisada é Assim” (2003), “Na Luz do Carbureto” (2007), “Mundo (2010)” e “Baile de Rabeca” (2016). Seu quinto CD já está a caminho. “O disco vai falar muito do que está acontecendo no Brasil e no mundo, a questão da liberdade, dos preconceitos e outras coisas”, revela. O álbum, que ainda não tem nome, já está sendo finalizado e será lançado após o Carnaval.

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A importância do legado e da quebra de paradigmas

Manter vivo o legado que foi construído por sua família é um dos objetivos do trabalho de Salú. Afinal, ele cresceu ao lado de uma linhagem de grandes mestres e considera muito importante manter e divulgar essas raízes. “Para mim, é um orgulho muito grande. Nós temos muita tradição na nossa família em relação ao Maracatu Rural, ao Cavalo Marinho, ao Coco, à Ciranda, ao Mamulengo eà rabeca. Ali foi a minha faculdade de vida. Eu aprendi tudo com eles, com o Antônio Teles e com outros mestres do Maracatu e do Cavalo Marinho”, diz Salú.

Porém, mesmo bebendo nas fontes mais puras da música nordestina, Salú também olha para frente ao incorporar a tecnologia à sua música. No show, por exemplo, ele usa uma pedaleira com efeitos conectada à  rabeca. Por meio deles, o músico consegue incrementar com ambiências (delays, reverbs e chorus) a sonoridade do instrumento. “Para mim, é uma honra zelar por esse legado, mas o meu trabalho não fica só na cultura popular do terreiro. Ele vai além, é mais contemporâneo”, complementa.

Salú cresceu com essa tradição ao seu lado, principalmente, por causa de seu pai e de seu avô. “Eu tocava instrumentos de percussão. Meu primeiro incentivador foi o meu avô João Salustiano, quando eu tinha uns 16 anos de idade. Eu o via tocando e, aos poucos,  fui guardando de cabeça um Baião que ele executava. Um dia, eu disse que sabia tocar rabeca e desafiei meu avô. Eu não sabia nada de afinação, mas sempre fui muito bom de ouvido. Assim, eu decorei a melodia”, relembra.

A confiança fez com que o menino desse seus primeiros passos ainda sem ter a real noção de toda a profundidade do instrumento que passaria a ser o seu principal meio de expressão artística. “Eu estava na casa da minha tia e ela chamou o meu avô. A rabeca estava no quarto porque ele não queria que ninguém pegasse. Quando ele deu uma bobeada eu peguei, toquei e disse que eu sabia tocar. Ele ouviu, falou que eu levava jeito, mas desafinou a rabeca e me pediu para afinar. Aí, eu comecei a tocar e o som saia todo errado. Então, ele me falou que, para tocar, eu precisava saber afinar. Foi aí que eu comecei a aprender”, conta.

Salú também é um dos grandes responsáveis pela divulgação da rabeca em todo o país. O instrumento, ainda pouco conhecido do grande público, tem uma sonoridade muito especial e desperta a admiração de quem está acostumado somente com os tradicionais baixo, guitarra e bateria. “A rabeca é de origem árabe e chegou aqui por meio dos mouros. Ela começou a se tornar popular nos terreiros de Cavalo Marinho e é muito utilizada, também, no Fandango, no Mamulengo e no Reisado. E não é só no Nordeste, no Sul e no Sudeste também existem alguns movimentos de rabequeiros”, explica.

Mas mesmo assim, ainda hoje o aprendizado da rabeca continua restrito aos grandes mestres do instrumento. “Nos conservatórios de música ela quase não existe. Quem quiser aprender a tocar rabeca tem que ir para os terreiros de Cavalo Marinho e procurar os rabequeiros. Assim, a rabeca vai se perpetuando e nós vamos zelando por esse legado de um instrumento que ainda é pouco conhecido”, diz.

A belíssima “Maracatu sem lei” e “Gaiola da saudade” encerraram a apresentação. Veja um vídeo do show e confira o nosso álbum de fotos.

Maciel Salú - Espaço Fantástico das Artes - 12/11/2017