Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Beto Figueroa/Reprodução Site Naná Vasconcelos

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A música, assim como a arte em geral, sempre é capaz de produzir alguns gênios. São pessoas que se colocam à frente de seu tempo, inovando e sedimentando os pilares dos estilos aos quais pertencem. O percussionista pernambucano Naná Vasconcelos é uma dessas figuras míticas. Em fevereiro Naná se apresenta no festival Psicodália, que acontece na Fazenda Evaristo, em Rio Negrinho, Santa Catarina. O show será especial, por alguns motivos muito fortes.

Emoções distintas

O último mês de agosto reservou surpresas para Naná. Isso porque o músico recebeu duas notícias completamente antagônicas que trariam, ao mesmo tempo, alegria e preocupação. A primeira foi a de que receberia da Universidade Federal Rural de Pernambuco, nesta quarta-feira (9), o título de Doutor Honoris Causa.

A segunda foi a descoberta de que estava com câncer de pulmão. “Eu perguntei ao meu médico se era sério e ele disse que sim. Então combinamos que nós iríamos levar essa situação a sério e, a partir daí, começamos a ter uma conversa direta, sem muitos rodeios”, revela.

A reação de Naná ao tomar conhecimento de sua doença emocionou seus fãs. Por meio do seu perfil no Facebook, ele publicou alguns vídeos onde demostrava ter otimismo em sua recuperação. A realidade é que as duas notícias tiveram um forte impacto em sua vida. “Precisei me equilibrar, porque se eu for, vou para o bem – e se ficar, fico para o bem. Faço tudo de corpo e alma, então administrei a notícia do câncer assim, dessa maneira. Isso fez com que eu colocasse toda a equipe médica no mesmo tipo de comportamento positivo”, conta.

O tratamento foi realizado em um Hospital no Recife onde Naná se submeteu a 30 sessões de radio e quimioterapia. Na próxima quinta-feira (10) ele fará uma tomografia para avaliar os resultados. “O tratamento terminou e eu estou bom porque tive várias pessoas de diferentes ramificações religiosas rezando por mim. Esse foi o meu comportamento, tudo para frente, para cima. O hospital era maravilhoso, mas não era lugar para mim (risos)”, diz.

Esse período de internação foi doloroso, fisicamente e psicologicamente, mas ainda assim Naná conseguiu se manter tranquilo e até compor algumas músicas, levando em conta a situação que estava vivendo. Uma das “fontes de inspiração” foi o médico que cuidou do seu tratamento. “Ele ficava com aquele aparelho no ouvido (estetoscópio) dizendo: ‘Respire fundo, diga 33’. Acabei fazendo uma música usando essa frase. Estou com 71 anos e meu intelecto está bom. Eu sempre digo que quero morrer jovem, o mais tarde possível, mas jovem (risos). Não será agora que eu irei embora. Vamos festejar, ainda”, afirma.

Um mensagem de nosso querido Naná, gravada especialmente para todos os parceiros, amigos e fãs que emanam energia positiva para sua recuperação. Ele está bem, confiante, em breve voltará aos palcos – e está muito grato e feliz por todo o carinho recebido. Continuemos essa corrente de Fé para que sua recuperação seja ainda mais rápida! “Amém! Amem!”.

Posted by Naná Vasconcelos on Segunda, 7 de setembro de 2015

 

“É preciso ser honesto. Música e dignidade precisam andar juntas. O importante é que quando eu terminar o show, eu esteja bem e o público também.”

“Bater do Coração”

O show que Naná vai apresentar no Psicodália se chama “Bater do Coração”. Nele, o percussionista explora todas as possibilidades percussivas que estão ao seu alcance, dos instrumentos tradicionais, como o berimbau e a caxirola, aos sons que podem ser criados a partir de seu próprio corpo.

Esse é um formato de apresentação que vem sendo aperfeiçoado por Naná ao longo de sua carreira. “É uma performance que também inclui projeções de imagens. Eu comecei isso há muitos anos lá na Inglaterra. Como percussionista eu queria criar um show solo, mas que fosse musical. Queria fugir daquela ideia de ‘quem toca mais alto e mais rápido’. Não é o meu caso. Procuro fazer música com a percussão, dar ênfase ao lado visual que existe na música, à potência visual que existe nela”, explica.

A experiência sensorial de ver um show de Naná Vasconcelos realmente impressiona a velhos e novos fãs. Seja em um palco de um grande teatro ou em um pequeno estúdio de TV, a sua música carrega uma carga emocional que chega de uma forma pura aos corações dos ouvintes. “Procuro contar histórias sem palavras, mostrar sinais do meu país. É um show que faço no mundo todo. Nas apresentações eu digo: ‘O Amazonas é uma reserva de vida e sabedoria. Vamos para a selva?’. Depois procuro levar o público para lá por meio dos sons. É uma história, um cenário do Brasil. É procurar fazer música com a percussão. Ela não é só para fazer ritmos, tocar, bater. Quando faço workshops eu falo: ‘Não bata no instrumento, toque!’ (risos)”, conta.

Música sem barreiras

Em seus 38 anos de carreira, Naná já navegou pelos mais variados estilos musicais. Entre os artistas que já contaram com seu talento, estão: Pat Metheny, Talking Heads, Gato Barbieri e Milton Nascimento, entre outros.

Uma das pérolas de sua discografia é o álbum “Isso Vai Dar Repercussão” (2004), gravado com Itamar Assumpção. O interessante é que a “ponte” para a gravação do CD foi feita pelo compositor, cantor e músico Zeca Baleiro. Foi ele quem estabeleceu o primeiro contato entre os dois. “O Zeca me disse que o Itamar estava internado e perguntou se eu topava fazer alguma coisa com ele. Eu concordei. Umas duas semanas depois ele me contou que foi ao hospital e, quando falou para o Itamar que eu aceitava fazer o trabalho, ele ficou bonzinho na hora (risos)”, conta.

Algum tempo depois, Itamar recebeu alta e a dupla começou a gravação do álbum. Um dos motivos que fez o disco se tornar especial foi a liberdade artística dada ao percussionista. No estúdio, o “Nego Dito” gravava a sua parte e deixava Naná livre para criar suas linhas percussivas da forma que quisesse. “O disco foi feito assim. Ele colocava voz e violão e depois eu me virava (risos). Nós conversávamos pouco, mas o Itamar ficava lá ouvindo, atento. De vez em quando eu pedia uma opinião e ele dizia que ‘era comigo’. O disco saiu com apenas sete músicas, porque ele foi embora antes de nós terminarmos”, relembra. Itamar morreu no dia 13 de junho de 2003 após uma luta de quatro anos contra um câncer de intestino. O disco foi lançado apenas em dezembro de 2004 e acabou sendo seu último registro.

Uma das pérolas do álbum é a canção “Leonor”, com sua letra ao mesmo tempo irônica e triste. “O que eu tinha de valor, Leonor, dois gatos, três agasalhos. Cachecol de lã, gibis do Tarzan, gibis de terror, cobertor. Quatro jogos de baralho, um macacão furta-cor, Leonor. Uma colcha de retalhos. O que não está no penhor, Leonor, foi pra casa do Carvalho”, diz a letra. “É uma autobiografia. Ele realmente só tinha aquilo”, conta Naná.

Em razão do falecimento de Itamar, algumas linhas de percussão que foram gravadas acabaram não sendo utilizadas em “Isso Vai dar Repercussão”. Em 2015, esse material acabou sendo recuperado e usado no álbum “Café no Bule”, lançado no último mês de setembro por Naná, Paulinho Lepetit (baixista da banda de Itamar, a “Isca de Polícia”) e Zeca Baleiro. Para o percussionista, restou a lembrança de um momento mágico que uniu dois gênios da MPB. “O Itamar tinha um intelecto aguçado, de uma velocidade incrível e uma sensibilidade à flor da pele. Foi uma experiência incrível fazer parte do trabalho dele”, afirma.

Em 2015 Naná também participou do álbum “Ayú” do grupo paulista de percussão corporal, o Barbatuques. Como confessos admiradores do trabalho do percussionista, a banda o convidou e deu algumas opções de músicas para que ele escolhesse uma para gravar. A eleita foi “Kererê”. Durante a gravação, os músicos também resolveram fazer uma versão para “Tá na Roda”, uma canção do repertório de Naná. “Os Barbatuques são maravilhosos, extraordinários! Eles me convidaram para participar do disco e foi difícil porque parecia que eu os estava imitando (risos). Deu um trabalho danado, mas foi muito bom!”, conta. “Ayú” foi lançado em setembro e também tem a participação de Hermeto Pascoal.

Esse respeito que Naná desperta em músicos de outros estilos não é uma coisa recente. Em 1996, por exemplo, a banda mineira Sepultura romperia as barreiras existentes no Heavy Metal mundial ao lançar o álbum “Roots”. Nele, o quarteto brasileiro misturava o peso do Metal com os ritmos brasileiros usando muita, mas muita percussão. O responsável pelos batuques do CD foi o músico baiano Carlinhos Brown. O que poucos sabem é que o primeiro a ser contatado para gravar as percussões de “Roots” foi Naná Vasconcelos. “Eles me procuraram, mas eu estava em turnê. Eu seria o percussionista”, revela.

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“Eu toco mais quando não toco. O músico, quando toca, tem que procurar dizer alguma coisa.”

Os novos projetos

O mais recente trabalho de Naná é o CD “4 Elementos” (2012). Atualmente, ele está gravando a trilha sonora para um espetáculo da Companhia Dança Vida, de Ribeirão Preto. Naná diz que “o primeiro instrumento é a voz e o melhor instrumento é o corpo”. Essa foi a ideia central que inspirou os coreógrafos na criação dos movimentos que os dançarinos farão no palco. “Eles pegaram essa frase e desenvolveram a coreografia baseada nessa maneira de pensar. Os bailarinos terão que utilizar voz e sons do corpo enquanto dançam”, explica.

Além do trabalho com o Dança Vida, em 2016 o percussionista também deve gravar um novo CD de músicas inéditas. O trabalho já tem composições em andamento e algumas dessas ideias nasceram enquanto Naná estava internado para a realização dos procedimentos médicos aos quais se submeteu.

Uma delas surgiu no primeiro dia de tratamento. Esse momento foi particularmente intenso, pois envolveu quatro horas de radioterapia pela manhã e cinco horas de quimioterapia à tarde. Depois disso, Naná dormiu e acordou às 3h da madrugada, agitado. “Veio uma coisa muito forte na minha cabeça dizendo para escrever esse texto: ‘Estou com a mente plena de vida. O pensamento cheio de músicas mântricas, místicas, populares e eruditas. Além da miscigenação de pessoas de diferentes ramificações religiosas que estão rezando por mim. Do bem, para o bem, amém e amem’. Eu achei bonitas essas duas palavras, ‘amém e amem’, e elas vão virar uma composição”, revela. Outros dois títulos de músicas já estão definidos: “Um Budista Afro” e “Respire Fundo”. A ideia é começar a gravação logo após o Carnaval.

Ouvir a obra de Naná Vasconcelos é mergulhar em um mundo criativo que poucos compositores conseguem criar. E com a serenidade que só os gênios conseguem mostrar, ele soube atravessar um momento conturbado e absorver coisas boas, transpondo-as para a sua música.

O Psicodália 2016 acontece de 5 a 10 de fevereiro na Fazenda Evaristo, em Rio Negrinho, Santa Catarina. Os passaportes para o festival estão à venda no site do Disk Ingressosna loja da empresa no Shopping Palladium, nos quiosques instalados nos shoppings Mueller e Estação, na bilheteria do Teatro Positivo, na Garage Vintage do PolloShop Alto da XV e pelo call center no fone (41) 3315-0808.

Os bilhetes custam R$ 402, com a taxa de administração do site já incluída. As entradas dão direito a camping, shows, oficinas, peças de teatro, mostras de cinema, cozinha coletiva, acesso a restaurantes e bares 24h (alimentos e bebidas não inclusos no valor), visitas a lagoas, cascatas e trilhas. A censura é de 16 anos. Mais informações no site do Psicodália.