Texto: Marcos Anubis
Fotos: Pri Oliveira e Camila Kovalczyk




Com o avanço da pandemia do novo Covid- 19, Curitiba está em alerta laranja, com os casos de mortes e internamentos subindo assustadoramente. Na prática, no Brasil, não houve um lockdown real como os que foram realizados em outros países que conseguiram enfrentar esse desafio de maneira efetiva, como a Inglaterra, a Itália e a Espanha.

Porém, mesmo com essa situação perigosa, não existe nenhuma perspectiva de que esse cenário melhore a curto prazo, afinal, o poder público não dá mostras de que vai adotar medidas fortes que contribuam para que isso aconteça. Ou seja, a realidade da pandemia no Brasil é incerta e assustadora.

Especificamente em Curitiba, alguns setores do comércio estão passando por períodos intercalados de abertura e fechamento que vêm gerando revolta e incerteza. E é justamente essa falta de confiança em relação a capacidade da prefeitura e do governo do estado para controlar a situação que vem tirando o sono dos empresários.




A nova realidade

Na área cultural, o impacto da pandemia foi enorme. Afinal, os shows e eventos públicos que estavam agendados para 2020 foram adiados ou cancelados, o que causou uma mudança drástica da vida das pessoas envolvidas com o setor.

É o caso do 92 Graus, por exemplo, um dos mais tradicionais bares do underground curitibano ainda em atividade. “A nossa situação é de risco total! Estamos fechados desde o dia 14 março e sem previsão de retorno”, diz o proprietário do 92, J.R. Ferreira.

Para enfrentar esse momento, os bares estão tentando se reinventar para sobreviver, mas isso não tem sido fácil. Porém, mesmo dentro do setor, as opiniões são muito diferentes em relação às atitudes que devem ser tomadas para enfrentar o Covid-19. “Sabemos que os números são assustadores e qualquer vida é importante, mas destruir a economia não vai ajudar muito. Nas duas semanas nas quais os bares ficaram fechados em Curitiba, o cenário não melhorou, o que significa que não somos os vilões, como alguns sugerem”, diz a proprietária do Clay Highway Bar, Patty Borin.

Entretanto, alguns empresários do setor acreditam que o momento exige medidas muito mais sérias. “Não dá para ficar nesse abre e fecha sem planejamento e, principalmente, sem critérios técnicos. Ao não decretar o lockdown, o governo se exime da responsabilidade de manter as empresas que mandou fechar. É por isso que eles não querem decretar esse fechamento, não querem pagar a conta”, analisa a proprietária do Cosmos G/astrobar, Jana Santos.

Na mesma linha de pensamento está o proprietário do Hangar – Casa do Ócio, Josmar Batista. “Estamos fechados para shows e eventos desde a metade de março, antes do decreto municipal, pois entendemos que o distanciamento social seria e ainda é a maneira mais efetiva de se evitar a transmissão do Covid. Se os vários segmentos da sociedade aderissem a essa ideia desde o começo, creio que não estaríamos em bandeira laranja e quase vermelha por causa da crescente quantidade de casos surgindo a cada dia”, diz.

J.R. também acredita que o momento exige esse isolamento mesmo que implique em um grande impacto financeiro. “Somos um bar punk , mas não somos burros! No momento, o importante é manter a sanidade mental das pessoas que estão ao nosso redor, com distanciamento e segurança”, opina.

Nesse momento, a resignação e o entendimento de que a situação é muito grave em todos os setores da sociedade parece ser o único caminho a ser seguido. “É um problema mundial. Quando a gente vê que os bares de Londres só estão reabrindo agora e que nos Estados Unidos e na Europa também estava tudo fechado, você tem que se conformar e esperar que a pandemia passe”, diz  o proprietário do Jokers Pub, Sandro Tavares.




O enfrentamento da pandemia

Jana Santos faz parte do grupo “Fechados pela Vida”, que reúne empresários curitibanos que se uniram para cobrar do poder público uma atitude mais forte no combate ao coronavírus. O movimento gerou um abaixo-assinado com 15 mil assinaturas que foi entregue no dia 25 de julho para a Prefeitura de Curitiba, o Governo do Estado e o Ministério Público.

No Cosmos G/astrobar, Jana tomou a decisão de suspender as atividades logo no início da pandemia. “Acredito que todas as medidas sanitárias devem ser adotadas. Apesar de não ter sido decretado o fechamento, permanecemos totalmente fechados por 60 dias e tomamos e essa decisão logo no início. Voltamos agora somente com o delivery”, diz.

Jana acredita que, se medidas mais fortes tivessem sido adotadas logo que os efeitos do Covid-19 começaram a afetar o país, a situação atual não seria tão crítica.”O lockdown deveria ter sido decretado no início, quando todos estavam engajados e tinham um pouco de reserva de dinheiro. Por falta de pulso das lideranças que cederam aos lobbys, tivemos uma quarentena de mentirinha. Os shoppings, as igrejas e tudo mais ficaram abertos e os casos quintuplicaram”, opina.

A proprietária do bar Lado B, Regina Walger, tem uma opinião parecida. “Nós somos a favor do fechamento dos bares e do comércio em geral”, diz.

Já para Patty Borin, o ideal seria adotar medidas menos drásticas. “Em nossa opinião, o lockdown vertical seria o melhor nesse momento. Ou seja, autorizar o comércio mesmo que seja com horário reduzido e protocolo de segurança. Quem precisa trabalhar vai para a rua e o grupo de risco e aqueles que podem permanecem em casa”, analisa.

Sandro Tavares acredita que é possível manter os locais abertos desde que eles cuidem dos protocolos de segurança. “Acho que as medidas poderiam ser menos drásticas. O setor de restaurantes, por exemplo, poderia trabalhar até às 22h, com uma limitação de pessoas e tomando todas as medidas de segurança contra a pandemia”, avalia.




Críticas

Porém, mesmo com as opiniões divergentes em relação ao lockdown, a insatisfação dos empresários com as medidas que vêm sendo adotadas pela Prefeitura de Curitiba e pelo governo do estado é geral.

A principal reclamação diz respeito ao “abre e fecha” dos estabelecimentos, que vem se tornando rotina nas últimas semanas. “Para nós, fica uma situação horrível porque somos forçados a fazer uma ‘reabertura’ com capacidade reduzida. Porém, quem é que vai sair de casa para tomar uma cerveja, correndo o risco de parar em um hospital e ficar 40 dias em uma UTI? Como eu convido as pessoas para vir ao bar se a recomendação oficial é para ficar em casa?”, diz Jana.

A falta de clareza e de efetividade das iniciativas que vêm sendo adotadas pelo poder público é um dos grandes alvos de críticas dos empresários. “Nós sentimos que não existem critérios técnicos para essas decisões. Abrem os shoppings, que são estabelecimentos fechados com grande fluxo, e fecham restaurantes por boa parte do dia, que são estabelecimentos muito menores em um ambiente mais fácil de controlar”, opina Jana.

Dessa forma, além das perdas humanas, o impacto social e financeiro da pandemia já está sendo sentido por todos. “Agora, com mais de 90% dos leitos ocupados, temos que falar novamente sobre a necessidade de lockdown. Só que o dinheiro já acabou há muito tempo e é lógico que o empresariado vai brigar se isso for decretado. Não adianta mandar fechar e não oferecer ajuda”, complementa Jana.

As críticas ao poder público vão além das atitudes de contenção da pandemia. “Não tivemos quase nenhuma ajuda financeira, ela está vindo em um ritmo muito lento. As pequenas empresas, como nós, já precisavam de empréstimo no início da pandemia e tem muita linha pública que só está saindo 90 dias depois. O governo demora para liberar ajuda e, quando vem, já aumentou a nossa dívida. Eu estou há três meses lidando com a burocracia para conseguir um empréstimo que já era importante lá atrás. Enfim, precisamos de um plano de ação, de planejamento, e parece que não isso não existe em lugar algum”, diz Jana.

Na opinião da proprietária do Cosmos G/astrobar, o comprometimento igualitário seria a melhor solução nesse momento. “Acredito que todos os setores com riscos de contaminação devem contribuir por igual no combate ao vírus. Nós sentimos falta de planejamento, de ação. Parece que o setor que grita mais alto acaba abrindo”, complementa.

Outro questionamento muito forte dos empresários é em relação a fiscalização dos locais que não cumprem as determinações. “A fiscalização é totalmente ineficaz, somente de caráter educativo. O fiscal chega em um parque cheio e não faz nada. O que faz com que a gente se sinta injustiçado é que os mesmos estabelecimentos que descumpriam as regras, continuaram descumprindo e nunca são fiscalizados. Eu fiz denúncias que só foram verificadas 30 dias depois. Liguei para Guarda Municipal, para a polícia, e eles diziam que não tinha decreto, que só podiam orientar, só que isso tem funcionado muito bem. Aí, a Prefeitura culpa os bares pela escalada de casos, sendo que, por decisões deles, tudo foi abrindo”, critica Jana.




Sobrevivência financeira

Diante de todo esse cenário, além da morte de mais de mil pessoas no Paraná, até agora, o impacto na vida dos trabalhadores que dependem dos empregos nos bares também vem sendo muito forte. “Estamos praticamente sem nenhum faturamento. Trabalhamos em família e o único funcionário que tínhamos era pago com uma taxa, mas não conseguimos manter. As contas de água e luz, o aluguel e algumas contas com fornecedores estão atrasadas”, diz Josmar.

No Jokers, o impacto também foi muito forte. “Nós tivemos que dispensar todas as pessoas que faziam serviços esporádicos, entre eles, os seguranças e o técnico de som e de luz, que eram contratados semanalmente. O nosso faturamento caiu em 90%. Estamos trabalhando somente com o delivery, fazendo propaganda nas mídias sociais e fechando com vários serviços de entrega”, conta Sandro.

No Cosmos G/astrobar, a situação não é diferente. “Tivemos uma queda de 90% no faturamento. Parece que o delivery é uma saída fácil, mas ele tem custos enormes de operação que ficam entre 20 e 30%. Sem contar que nós temos que subsidiar as promoções de desconto e o frete grátis. Os bares ou restaurantes que tinham uma equipe de atendimento, normalmente possuem custos muito maiores do que só as cozinhas escondidas, que são pontos baratos com uma equipe reduzida e estrutura pequena”, diz Jana.

O delivery, que vem sendo usando por muitos bares como uma medida paliativa, realmente não é bem visto por todos. “Você ganha praticamente um sócio do seu negócio. E um sócio terrível porque trata mal os entregadores. Eles têm que comprar as caixas de entrega e não recebem nenhum material de segurança. Além disso, não existe qualquer incentivo para que um trabalhador que tenha coronavírus pare de trabalhar. A empresa não paga os dias nos quais eles fiquem parados e o governo também não. Então, qual é o incentivo que eles têm para permanecer em casa, se vão ficar sem o sustento? Estou incentivando meu delivery próprio e, para me adaptar, fiz um cardápio direcionado para essa modalidade”, explica Jana.

Assim, com a falta de um planejamento de combate eficiente, o impacto financeiro nos bares foi fulminante. “O nosso faturamento caiu 100%. Demitimos 50% dos colaboradores e suspendemos os contratos dos demais. Fora isso, temos profissionais indiretos, entre eles, os músicos, técnicos de som e de luz e roadies. Todos eles estão parados, sem trabalhar a mais de 100 dias”, diz Patty Borin.




Alternativas

Com tantas variáveis que envolvem a vida das pessoas, encontrar um caminho que atenda a todos os interesses não é fácil. “Nossos amigos têm feito rifas e algumas bandas fizeram máscaras para ajudar o 92. Elas estão sendo vendidas com toda segurança para ajudar com as contas básicas de água, luz, telefone e internet”, diz J.R.

Porém, nem sempre essa ajuda emergencial é suficiente. “A solução correta seria se todos pudêssemos ficar em casa, com o nosso sustento fornecido de modo severo e eficaz. Do jeito que as coisas estão, não teremos uma situação controlada e nunca poderemos abrir de verdade. Acredito que o governo precisa ouvir mais a sociedade e também os setores da economia, principalmente os segmentos que estão paralisados há muito tempo”, analisa Jana.

Na prática, o impacto no sistema cultural (música e teatro, principalmente) é gigantesco e nem todos os proprietários conseguem colocar em prática alguma medida que amenize o problema. “As casas de show, por exemplo, não têm nenhuma previsão de voltar e também não tiveram qualquer ajuda. Todo sistema cultural que sobrevive de apresentações em bares e casas noturnas está sem qualquer possibilidade de sustento. Acredito que é o momento de buscar saídas criativas com o apoio do governo. Nem todo pequeno empresário tem, vamos dizer, as ferramentas para repensar todo o seu negócio. Ainda mais em um momento no qual ele está totalmente sem grana e emocionalmente ferrado. Sem controlar o vírus, não tem retomada econômica e, sem ajuda, a conta não fecha”, Jana.

Sandro Tavares mostra preocupação não só com a atual situação, mas com a adaptação de todo esse sistema cultural após o impacto inicial do coronavírus. “Precisamos esperar até que o controle sobre a pandemia seja maior para que possamos voltar a trabalhar ao menos com a parte de bar e restaurante. Acredito que com os shows, isso vai demorar mais algum tempo, pelo menos até o final do ano ou o começo de 2021. Isso é o que mais me preocupa porque, mesmo quando voltar, acho que não poderemos trabalhar com a lotação máxima da casa. Devemos ter, talvez, só uns 30% de público e eu não sei isso pagará a estrutura dos shows, as bandas e os técnicos de som e de luz, o que já era complicado antes da pandemia”, avalia.

Especificamente nesse segmento de shows, o Hangar – Casa do Ócio, que tradicionalmente abre espaço para as bandas do underground curitibano, vem sofrendo o impacto de maneira direta. “Só não fechamos porque estamos tentando o delivery de lanches, marmitas e bebidas. Também começamos com as lives que ajudam um pouco o nosso técnico de som e iniciamos alguns projetos culturais, como o programa ‘Momento do Ócio’ e o ‘Talk Show Metal Drummer’, que acontece toda quarta-feira com apresentação do Antônio Death, baterista do Imperious Malevolence”, conta Josmar.

Já no Lado B, que está fechado desde o dia 16 de março, a alternativa para amenizar a situação financeira foi implementar o delivery. “Só voltamos em junho, quando começamos a fazer feijoada aos sábados, mas isso não deu nem 10% de nosso faturamento. Acho que a solução seria o amparo financeiro, uma melhor organização das medidas a serem tomadas e também uma maneira para negociarmos as despesas com aluguel, água, luz, IPTU, etc”, diz Regina.

Na visão do proprietário do Hangar, não existe injustiça, mas é nítida a falta de planejamento e de atitudes mais efetivas por parte do poder público. “Não relaciono com a questão de estar sendo injustiçado, pois mesmo se liberassem para abrirmos, isso seria burrice, pois estaríamos ajudando a espalhar o vírus. A questão da abertura de shoppings expressa a força dos empresários desse setor que pressionam a prefeitura e ela cede prontamente. Isso se deve a uma série de fatores: apoio de campanha, influência política, ‘rabo preso’, entre outros”, Josmar.

Sandro Tavares segue a mesma linha de pensamento. “Não acho estamos sendo injustiçados, acredito que falta um pouco de bom senso das autoridades”, opina.

Já na perspectiva da proprietária do Clay, o cenário é de injustiça. “Nos sentimos injustiçados, pois se o protocolo de segurança serve para todos os setores, por que ele não funciona nos bares? Qual é a diferença de ter 50 pessoas dentro de uma loja de departamento, de um shopping ou de um bar?”, questiona Patty.

Mesmo com todas as dificuldades, Josmar ainda consegue destacar que as atitudes pessoais de cada cidadão podem fazer a diferença na atual conjuntura. “O momento requer consciência do outro, isto é, tenho que cuidar de mim e do outro, pensar na coletividade. O distanciamento social pressupõe esse respeito a si mesmo e ao outro. Apoiar os pequenos comerciantes que respeitam as normas em vigor, assistir as lives e ajudar no fortalecimento da cena underground é essencial. É preciso valorizar a luta daqueles que sempre brigaram pelo Metal curitibano”, diz.

Patty destaca que também é muito importante ressaltar que os empresários do setor têm pensamentos e maneiras diferentes de encarar a situação. “Os empresários responsáveis, que seguem as determinações e exigências, pararam as atividades, mas os que não estão preocupados em colaborar continuam abertos e sem seguir os protocolos. Então, quem está sendo prejudicado é justamente quem colabora, independentemente do ramo de atividade”, diz. “A maioria dos empresários de bares, lanchonetes e restaurantes são responsáveis e estavam trabalhando corretamente. Todo CNPJ que gere empregos e pague impostos é essencial”, finaliza a proprietária do Clay.