Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Foto: Kherian Gracher e Pri Oliveira
A 20ª edição do festival Psicodália será realizada entre os dias 24 de fevereiro e 1º de março. O evento acontecerá na Fazenda Evaristo, na cidade de Rio Negrinho, em Santa Catarina, e terá mais de 200 shows.
Uma das atrações do dia 24 será a dupla Sá & Guarabyra. Em 2017, eles estão comemorando 45 anos de parceria. Os dois pertencem a um segmento da música brasileira que, nos anos 1970, absorveu os ideais da cultura hippie e os transportou para a realidade do Brasil. Hoje, com o mundo completamente mudado, o “mantra” dos hippies (paz e amor), parece ter cada vez menos força na vida do ser humano.
A obra musical de Sá & Guarabyra, porém, permanece relevante. “Já fizemos o Psicodália, acho que há uns cinco anos, e fomos regiamente recebidos pelo público. Claro que já não somos os hippies dos anos 1970, mas acho que muitos dos ideais daquela época permanecem vivos na juventude atual. Creio que, por essa razão, eles continuam querendo ouvir o que cantamos. As gerações passam, as maneiras mudam, mas boa parte da humanidade continua a perseguir ideais que vão contra a ganância e a volúpia de poder que domina os Trumps da vida”, diz Sá.
A parceria entre Sá & Guarabyra começou no início da década de 1970, ao lado do compositor, cantor e instrumentista Zé Rodrix. Naquele período, da união do talento dos três, nasceram dois álbuns: “Passado, Presente & Futuro” (1972) e “Terra” (1973), ano em que Zé Rodrix resolveu seguir em carreira solo.
Logo nesses primeiros passos, Sá & Guarabyra começaram a delinear o que seria a sua mais importante criação. Naquela época, existia uma barreira invisível que separava a maioria dos estilos musicais no Brasil. Procurando um novo direcionamento, a dupla resolveu seguir na contramão dessa regra, valorizando e incorporando os ritmos nacionais.
Por causa dessa ousadia, surgiu o “Rock Rural”, termo usado para definir a mescla de ritmos que os dois praticamente criaram juntos. “Quisemos unir a originalidade e as sonoridades da música brasileira interiorana, tanto do Sudeste quanto do Nordeste, com as novas tecnologias musicais que surgiam com o Rock do final dos anos 1960. Então, podemos dizer que fomos influenciados tanto por Gonzagão, Jackson do Pandeiro e João do Valle, por exemplo, quanto pelos Beatles; por Crosby, Stills, Nash & Young; James Taylor e muitos outros”, explica.
Hoje, quase meio século depois, as bandas brasileiras não têm receio de misturar Rock com Baião ou Maracatu com Samba, por exemplo. E isso se deve em boa parte ao pioneirismo de Sá & Guarabyra.
Na fase atual de sua carreira, além de seus shows, Sá & Guarabyra participam, desde 2015, da turnê “Encontro Marcado”, ao lado do grupo 14 Bis e do músico, cantor e compositor Flávio Venturini. No ano passado, eles se apresentaram inclusive em Curitiba, no Teatro Guaíra. Leia a cobertura completa neste link.
Sá destaca que, mais do que trabalho, esses espetáculos são uma grande celebração da amizade entre eles. “O show fez e continua fazendo muito sucesso. Somos todos amigos há mais de 40 anos e esse reencontro reforçou nossas harmonias pessoais e musicais. Isso transparece no palco, daí também a empatia entre os artistas e o público. Tanto o Flávio quanto o Magrão já fizeram parte de nossas bandas de apoio. Não estamos juntos por acaso ou necessidade, mas pela alegria de tocarmos juntos de novo e dividir o palco e a estrada mais uma vez”, afirma.
E no ABC do Santeiro…
No começo dos anos 1980, Sá & Guarabyra já eram conhecidos do grande público. Mas foi em 1985, com a canção “Roque Santeiro”, que eles alavancaram definitivamente a sua carreira. A música, tema da novela homônima, escrita por Dias Gomes e Aguinaldo Silva, foi um dos maiores sucessos da história da dramaturgia da Rede Globo. “Roque Santeiro nos foi encomendada por Mariozinho Rocha, produtor musical da novela. Com razão, ele achou que o tema era sob medida para nós. Mais tarde, fizemos outra versão, com uma letra diferente, para o capítulo final da novela, mas o sucesso veio com essa versão mais conhecida”, relembra. A trilha sonora da novela ainda teve “Dona”, composição de Sá & Guarabyra que foi gravada pelo Roupa Nova.
Outro momento marcante da carreira da dupla veio em 2001 quando, após 28 anos separados, eles voltaram a trabalhar com seu velho parceiro Zé Rodrix. No mesmo ano, eles lançaram o DVD “Outra Vez na Estrada – Ao Vivo” e, depois, o CD “Amanhã” (2009). Entretanto, a felicidade por terem retomado os shows e gravações seria repentinamente interrompida com a morte de Zé Rodrix no dia 22 de maio de 2009.
O desenlace inesperado pegou seus companheiros de surpresa e testou a perseverança da dupla. “A morte súbita e extemporânea do Zé foi um choque terrível para nós. Levamos tempo para nos reerguer e reencontrar nosso caminho de dupla. Gravamos com ele dois CDs e um DVD entre 2001 e 2009, tempo e obra infelizmente curtíssimos diante do que poderíamos fazer juntos”, diz.
Daquele período, ficaram algumas canções que não foram lançadas. “Ainda temos várias parcerias e uma demo inédita com quatro músicas que pretendemos lançar logo que possível. O escritor Toninho Vaz deve lançar ainda neste ano uma biografia dele. Ainda cantamos nossas parcerias no show. De certa maneira, o Zé continua vivo e atuante”, complementa.
O trauma, apesar de não ser esquecido, acabou sendo superado. Uma prova disso é a produção fonográfica da dupla nos últimos dois anos. Em 2016, por exemplo, foram lançados o SongBook Sá & Guarabyra (em livro, e-book e CD) e um CD/DVD ao vivo que registra algumas apresentações da turnê “Encontro Marcado”.
A ideia é manter esse ritmo em 2017. “Estamos finalizando em São Paulo o CD ‘45’, gravado em estúdio com uma seleção de nossas músicas preferidas. Depois, o plano é lançar um DVD ao vivo e, para completar o ano, um CD de inéditas”, revela.
O sucateamento da cultura nacional
Em 2015, o Coral Brasileirão, mantido pelo Conservatório de MPB de Curitiba, promoveu um show em homenagem a Zé Rodrix. A apresentação fez parte da tradicionalíssima Oficina de Música de Curitiba.
Agora, em 2017, pela primeira vez em 35 anos, a Oficina de Música foi cancelada. A decisão foi tomada pelo novo prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN). O evento, que é reconhecido e admirado no Brasil e também em outros países, é uma das raras expressões curitibanas que geram eco fora da cidade. A atitude, portanto, demonstra claramente o desinteresse que a atual gestão tem pela cultura local.
O problema é ainda maior porque essa maneira de agir não tem sido um “privilégio” de Curitiba. “Quando o dinheiro encurta, a cultura é a primeira vítima. Ela sempre é considerada coisa de segunda linha pelos governantes, que desperdiçam em mordomias e corrupção o que deveria estar sendo gasto em educação, saúde e cultura. Povo que não tem acesso à educação e à saúde é povo que não pode ser culturalmente interessado em nada, preocupado apenas em sobreviver no dia a dia. Resistir é votar bem. E, preventivamente, depender sempre o mínimo possível ou nada do dinheiro público para não ver sua carreira ir por água abaixo”, diz.
Texto, melodia e emoção
Sá & Guarabyra pertencem a uma geração de artistas brasileiros que ainda dão a devida importância para as letras de suas canções. Como construíram toda a sua carreira mantendo essa preocupação com o texto de suas músicas, eles sentem falta disso na programação das rádios nacionais.
Ao mesmo tempo, Sá consegue vislumbrar que ainda existem bandas e cantores/compositores no underground que mantêm essa linha de raciocínio. “Existe uma nova geração que não consegue espaço para mostrar seu trabalho, mas permanece preocupada com o que fala”, afirma.
Na realidade, artistas como Sá & Guarabyra deveriam ser essenciais em qualquer programação de rádio ou emissora de TV. Em vez disso, o que vemos é a banalização da música brasileira, com os veículos de mídia dando prioridade a artistas descartáveis. “Sempre procuramos unir popularidade com qualidade. Nosso objetivo musical nunca foi o sucesso pelo sucesso ou a simples música/entretenimento. Com todo o respeito a quem segue esse caminho, não é essa a nossa praia. Se nossa agenda continua em ascensão depois de 45 anos – embora não sejamos mais os queridinhos da mídia (risos) – é sinal de que fizemos o certo. Dinheiro aos baldes pode facilitar muita coisa, mas não é tudo”, finaliza Sá.
Os ingressos para o festival Psicodália ainda estão à venda no site Disk Ingressos. Os passaportes custam R$ 453. Sá & Guarabira se apresentam no dia 24, no Palco Lunar.
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