Texto: Marcos Anubis
Revisão e fotos: Pri Oliveira




Uma reunião entre amigos. Essa é a melhor definição para o show “Encontro Marcado”, que aconteceu na última sexta-feira (11) no Teatro Guaíra, em Curitiba. A apresentação trouxe para a capital paranaense três grandes nomes da MPB: 14 Bis, Sá & Guarabyra e Flávio Venturini. Eles emocionaram o público que lotou o Guaíra com canções que marcaram os 40 anos de amizade desses monstros sagrados da música brasileira.

Dream team

A união desses talentos rendeu uma superbanda onde cada músico contribui com o que tem de melhor. A cozinha do 14 Bis, com Hely Rodrigues (bateria) e Sérgio Magrão (baixo), acrescenta segurança e cadência às canções, enquanto a beleza das harmonias se deve muito à “cama” que os teclados de Vermelho constroem para os vocais.

Cláudio Venturini insere peso e o toque Rock ‘n’ Roll às músicas, usando quase sempre distorção em suas bases e executando solos incisivos que fogem do “tradicional” formato mais tranquilo da MPB. Já Sá & Guarabyra têm como sua característica a levada das músicas nos violões e as bem orquestradas harmonias vocais.

Flávio Venturini tem, cantando ou tocando teclado, a elegância que Zidane e Sócrates tinham nos gramados. Notas e frases vocais saem de sua alma e são oferecidas aos ouvintes em forma de canções. Flávio cantou ou fez backing em praticamente todas as músicas, mostrando um alcance vocal que impressiona porque as canções executadas são em tom altíssimo.

Nos camarins antes da apresentação, Sá, Cláudio e Flávio Venturini nos concederam uma entrevista exclusiva onde falaram sobre a escolha do repertório, a formatação das músicas para cada vocalista e a importância do texto na obra de cada um deles. Confira.




O show

“Canção da América” abriu a noite de forma emocionante. A música faz parte da própria história do Brasil, pois se transformou em uma espécie de hino quando Tancredo Neves, primeiro presidente eleito após o fim do regime militar, adoeceu e veio a falecer, em 1985. “Nós começamos o show com essa música para homenagear a um grande amigo, grande letrista, grande parceiro, grande tudo, o Fernando Brant. Esse show é para ele”, disse Sá. Brant, faleceu no último mês de junho e foi um dos compositores mais importantes do Clube da Esquina.

Na sequência, Sá apresentou todos os músicos, mostrando os laços de amizade e carinho que existem entre eles. “Agora vocês sabem a razão desse “Encontro Marcado’. Na verdade ele está marcado há 40 anos e só agora nós conseguimos realizá-lo”, disse antes dos primeiros acordes de “Criaturas da Noite”, parceria entre Sá e Flávio Venturini.

“Primeira Canção da Estrada”, clássico de Sá, Rodrix & Guarabyra, veio a seguir. “Apesar das minhas roupas rasgadas, eu acredito que vá conseguir uma carona que me leve pelo menos à cidade mais próxima. Onde ninguém vai me olhar de frente quando eu tocar na velha guitarra as canções que eu conheço”, diz a letra. A música retrata muito bem o chamado “Rock Rural” que o trio fazia ainda nos anos 1970, misturando Folk, Psicodelia e ritmos brasileiros em um mesmo caldeirão.
14 Bis, Sá & Guarabyra e Flávio Venturini - Teatro Guaíra - 11/9/2015




Histórias e clássicos

O setlist reuniu canções de todos eles e teve, entre outros clássicos, “Sonhando o Futuro” e “Uma Velha Canção Rock ‘n’ Roll” do 14 Bis, “Nascente” gravada no álbum “Clube da Esquina 2” (1978), “Me Faça Um Favor” de Sá & Guarabyra e “Noites com Sol” de Flávio Venturini.

Várias músicas foram precedidas por histórias que mostravam como elas foram criadas. O “orador oficial” foi Sá. Antes de “Azul do Mar”, por exemplo, ele contou como foi a chegada de Flávio Venturini no Rio de Janeiro. “Nós estávamos esperando o nosso novo tecladista, então ficamos olhando pela janela, preocupados. De repente eu e o Guarabyra vimos um rapaz parado, segurando uma mala em uma mão e uma sacola na outra, olhando o mar. Na hora nós dissemos: ‘esse aí é mineiro!’. E aí começamos a gritar: Flávio, Flávio”, disse.

Antes de “O Pássaro”, Sá contou que quando ele e Guarabyra compuseram a música, ela teve problemas para passar pelos temidos censores que cerceavam a liberdade de expressão durante a ditadura militar brasileira. “Naquela época as músicas tinham que passar pela Censura. Na primeira vez nós mandamos com o nome ‘O Tocador’, de Sá & Guarabyra, e ela acabou não passando. Em seguida mandamos como ‘O Pássaro’, de Tonico & Tinoco e aí ela passou sem problemas (risos), relembrou. “Um tocador de violão não pode cantar, prosseguir quando lhe acusam de estar mentindo. Quer virar pássaro e voar no ar, quer virar pássaro e sumir”, diz a “controversa” letra.

Antes de “Caçador de Mim”, Sá brincou com o fato de que a canção é sempre creditada a Milton Nascimento. “Sempre que me encontra ele diz: “sabe aquela música que vocês fez? Todo mundo acha que é minha!’ (risos)”, disse.

Guarabyra também deu seu dedo de prosa. Antes de “Espanhola”, ele contou uma longa história sobre uma ocasião em que estava em um bar e na volta para casa, como fazia muito frio em São Paulo, resolveu dar uma passada na residência do amigo Flávio Venturini.

Após entrar nesse ambiente mais aquecido, Flávio lhe mostrou uma canção recém-composta e Guarabyra pediu papel e caneta para rabiscar um texto. Registradas algumas linhas tortas, fruto de seu estado etílico, ele foi para casa.

Na manhã seguinte o telefone tocou, lhe tirando de seu tranquilo sono. Era Flávio elogiando a letra e dizendo que ela tinha casado perfeitamente com a música. Só que Guarabyra não lembrava que tinha passado na casa do amigo e muito menos que eles tinham criado uma obra prima.

Na sequência do show veio a belíssima “Dona”, cantada por todo o Teatro Guaíra. Após “Planeta Sonho” e “Sobradinho”, os músicos se retiraram brevemente do palco. Na volta para o bis, “Nossa Linda Juventude” encerrou a apresentação.

Entre belas histórias, muita simpatia e, principalmente, excelentes músicas, 14 Bis, Sá & Guarabyra e Flávio Venturini conduziram o público que lotou o Teatro Guaíra a uma viagem pelo que há de mais puro na MPB. Confira três momentos do show: “Dona”, “Caçador de Mim” e “Nave de Prata”.