O quarteto curitibano acaba de lançar o álbum de estreia, “Synchronized Abductions”

Três décadas vivendo intensamente o Heavy Metal curitibano forjaram o som e a personalidade de Luxyahak (vocal), Caos (guitarra) e Ulysses (baixo). Hoje, acompanhados por C.J. Dubiella (bateria), que também faz parte do Hell Gun e é um dos nomes mais promissores da nova safra musical da capital paranaense, eles formam o Thou Shall Not, o mais recente grupo entre os inúmeros projetos essenciais que o trio integrou nos últimos 30 anos.

Na sexta-feira (5), a banda lançou o CD de estreia e passou a escrever mais um capítulo nessa longa jornada. “Synchronized Abductions” foi gravado e masterizado em 2019 no Funds House Studio pelo produtor Alysson Irala (que também é guitarrista do Motorbastards e do Sad Theory).




Peso, melodia e várias influências

A produção de “Synchronized Abductions” ficou a cargo do próprio Alysson em parceria com a banda. “Ele é um excelente instrumentista e produtor, de competência ímpar. É dedicado e estudioso da arte, realmente um mago que faz por merecer o reconhecimento”, elogia Luxyahak.

As guitarras do álbum são muito bem trabalhadas, com riffs e solos criativos e até uma passagem instrumental de violão clássico em “Calmness in A minor”, que foi composta por Ulysses Freire. “Além de um grande baixista e arranjador, ele é um ótimo violonista. Ele trouxe a ideia e eu apenas acrescentei uma melodia simples de guitarra! O teclado foi gravado por nosso produtor Alysson Irala, dando aquele acabamento tenso, sinistro e nublado em todo o álbum”, diz Caos.

O CD tem dez faixas muito bem trabalhadas que apresentam diversas influências. O fio condutor é o Heavy Metal, mas essa base vem temperada com outras nuances. “The handler”, por exemplo, que encerra o álbum, é pesadíssima e demonstra todo o alcance vocal de Luxyahak.

Outra música que chama atenção é “Reptile Blues”, afinal, tocar um Blues em um disco de Metal não deixa de ser uma atitude ousada. “Essa música veio de forma natural, com nossas influências de Blues pesado, como o Whitesnake, o Michael Shenker, o Malmsteen e o Led Zeppelin. Então, o Luxyahak colocou um vocal lírico e ao mesmo tempo agressivo, com uma interpretação que nós amamos. Assim, incluímos no álbum sem medo”, conta Ulysses.

As referências de “Reptile Blues” remetem a grandes nomes do Heavy Metal que sempre utilizaram os elementos do Blues. “O Ulysses e eu tivemos a ideia inspirados nos nossos ícones do anos 1980. Perceba que Malmsteen, Whitesnake, Michael Shencker e tantas outras bandas ou artistas possuem ‘Heavy Blues’ nos repertórios. Então, fizemos as nossas adaptações e funcionou muito bem. A pegada pesada do C.J. Dubiella fez com que a gente encontrasse a coesão e o sincronismo, como tinha que ser: rítmico e pesado”, diz Caos.

Porém, as surpresas de “Reptile Blues” não param por aí. A música contou com solos de nada menos do que três grandes guitarristas da cena curitibana: Renato Rieche (ex-Division Hell), Alysson Irala (Motorbastads e Sad Theory) e Lucas Licheski (Hell Gun). “Procuramos sempre sair da nossa zona de conforto e, claro, nossa praia não é o Blues. O Luxyahak fez uma vasta pesquisa sobre o Heavy Blues no Metal e quando trouxe o arranjo de voz, ele se encaixou perfeitamente. Tanto o timbre quanto a melodia ficaram excelentes!”, complementa o guitarrista.

Nessa pesquisa, o vocalista buscou grandes referências e, inevitavelmente, acabou esbarrando nos criadores do Heavy Metal. “Quando surgiu a ideia, eu pensei imediatamente no Black Sabbath do álbum ‘Seventh Star’, especificamente na música ‘No stranger to love”, com a inigualável interpretação do mestre Glenn Hughes. Porém, é claro que fui buscar inspiração no Michael Schenker, no Led Zeppelin e até na ‘Ride on’, do AC/DC”, diz Luxyahak.

Em “Reptile Blues”, o vocalista do Thou Shall Not mantém uma de suas maiores características: a abordagem lírica de temas bem específicos, mas de maneira aprofundada. “A letra da música fala em como o ser humano se tornou um produto reciclável, em corpo e alma, que alimenta um sistema escravizador que suga o escravo até seu último suspiro e que é proprietário até de seu cadáver depois que o esgota. Depois, ele mesmo se atualiza com outra roupagem, mas por trás dos contratos é o mesmo sistema draconiano!”, diz o vocalista.

Fugir do lugar comum das letras do Heavy Metal, aliás, é uma especialidade de Luxyahak. “Eu gosto de tocar em assuntos profundos da questão humana que são negligenciados e, algumas vezes, ridicularizados. Em um sentido individual, a fuga que cada um empreende quando seu lado obscuro se apresenta. É a necessidade de encaramos nossas memórias celulares para que possamos crescer, aprender com nossa escuridão enquanto experiência humana aqui na matrix”, explica Luxyahak.

Esse mergulho no lado obscuro do ser humano acaba costurando a narrativa das músicas do álbum. “Somos todos um! Portanto, nesse sentido, o conceito do disco é ilustrado liricamente por ficção, filosofia, ocultismo, realismo fantástico e o bom e velho ‘conspiracionismo’, que é bem expressivo”, complementa o vocalista.

A capa do álbum é uma pintura do baixista Ulysses Freire, que é filho do artista curitibano Daniel Freire. “Ela coloca a questão de seres não humanos e que também nos leva ao mesmo conceito de sermos um só com o todo. A questão não é ‘se’ outras inteligências existem, mas que somos a mesma consciência. Eles também fazem parte de nós e vice-versa. Somos nossos próprios inimigos, nossos próprios salvadores, somos todos um. Não confundir com a mente de colmeia, que se programa em ideologias que simulam a consciência coletiva! Qualquer ideologia em si é um programa”, diz Luxyahak.

Da mesma maneira que as letras das canções do Thou Shall Not, o próprio nome da banda é cercado de significados. “Thou Shall Not vem do inglês antigo e significa ‘tu não deverás’. No sentido bíblico, é uma imposição do não dever. No sentido não bíblico, que nós adotamos, sugere que ninguém é obrigado a nada por imposição, ninguém deve nada a ninguém. Não há o chamado ‘karma’, no sentido de dívida ou pecado. Dessa forma, o ‘karma’ é apenas uma sugestão para a humanidade fugir da responsabilidade e se deitar no berço do vitimismo. Ser responsável por tudo que há no campo da percepção é ser livre!”, explica o vocalista.




Liberdade para criar

Algumas inspirações que se transformaram em canções no álbum, inclusive, vieram de lugares inusitados. “A ‘Rebel higher level’ tem os acordes de uma música do Fernando Mendes chamada ‘Você não me ensinou a te esquecer’, que eu aprecio e toco. Então, experimentei com distorção e funcionou”, revela Caos.

Essa versatilidade, aliás, é uma forte característica do trabalho do guitarrista do Thou Shall Not. “É meio difícil falar sobre métodos de composição, pois nada é automático. São várias situações diferentes que levam a uma melodia ou a um riff. Algumas ideias surgiram do Pop dos anos 1980, outras de exercícios de guitarra ou de um solfejo em uma caminhada”, complementa Caos.

O compositor, cantor e músico mineiro Fernando Mendes lançou o single “Você não me ensinou a te esquecer” em 1978 e, em 2003, a canção foi regravada por Caetano Veloso e lançada na trilha sonora do filme “Lisbela e o prisioneiro”. A sacada de Caos foi, ao mesmo tempo, surpreendente e genial.

Nitidamente, os integrantes do Thou Shall Not não têm a preocupação de se prender a nenhum estilo dentro do Metal. “Não nos preocupamos com rótulos e apenas fazemos o que gostamos de ouvir. O Caos tem um estilo de compor que vem da história dele no Death Metal e na música oriental. O C.J. tem a influência do Hard Rock, do Erick Carr, e algumas vezes soa como o Dean Castronovo. Deixamos os arranjos surgirem naturalmente e depois vemos se gostamos do resultado, sempre direcionando para o Metal. Nossas influências vão do Flamenco ao Rock e ao Blues. Não temos problemas se rotulam a banda. Em cartazes de show, já anunciaram a banda como Thrash Metal, Hard Rock ou Heavy Metal. Achamos legal”, explica Ulysses.

A ideia é ser livre para criar e, dessa maneira, explorar as influências de cada um dos integrantes do Thou Shall Not. “A intenção é fazer música pesada e explorar todos os elementos possíveis dentro do Metal. Nossa escola permite que cada um traga diversos temas e técnicas a serem exploradas. A música nunca deve ser pensada com limitações. A inspiração é intuitiva, busca-se a frequência e a ideia vem. Se ela vibrou com intensidade, isso quer dizer que poderá provocar sensações elevadas nas pessoas que ouvirem. Isso é o que importa para nós: excitar o fã, proporcionar a eles nossa melhor mensagem. Sintonizá-los! Abduzi-los!”, diz Luxyahak.




Alicerces do Heavy Metal curitibano

Ulysses, Luxyahak e Caos cresceram juntos e, desde o início, dividiram o interesse pelo Heavy Metal. “O Caos e eu, quando éramos adolescentes, iniciamos juntos essa caminhada lá nos idos dos anos 1980. Ouvíamos nossos LPs, ilhados, em um momento no qual o Metal era algo pejorativo. Com o tempo, começamos a montar as nossas bandas, trilhando o nosso caminho e ajudando a fortalecer a cena curitibana”, conta Luxyahak.

A partir desse interesse pelas vertentes mais pesadas da música, não demorou para que os três começassem a participar de grupos curitibanos. Alguns, inclusive, se tornaram referências em seus respectivos estilos. “Minha primeira banda de expressão se chamava Invocation e fazíamos um Death Metal tradicional. Depois, fundamos o Imperious Malevolence, onde gravei a DT95 ‘From Vacuum Eternal Storm’. Logo depois, já com a intenção de cantar na linha de Rob Halford, Warrel Dane e Messiah Marcolin, fundamos o Doomsday Ceremony, também com Caos na guitarra e mais uma leva de legendários headbangers de Curitiba. Ali, só chegamos a gravar uma demo juntos, auto-intitulada”, complementa.

Após sair do Doomsday Ceremony, em 2002, Luxyahak fez parte do Anubis, ao lado de Caos e Ulyssses. “Desse trabalho temos apenas um vídeo ao vivo, que nunca fora digitalizado”, explica o vocalista. Na sequência, o cantor participou esporadicamente de alguns projetos e, em 2007, entrou no grupo A Tribute to the Plague, um dos precursores do Heavy Doom Metal no Brasil.

Em 2011, os integrantes da Tribute resolveram mudar o nome da banda para Archityrants e, na sequência, o grupo lançou os CDs “Blackwater Revelation”(2011) e “The Code of the Illumination Theory” (2017), além do EP “Sleep of the Damned” (2016). “A Tribute faz parte da cena local, mas é conhecida e respeitada em todo o país”, elogia Luxyahak.

Ulysses e Caos também dividiram muitos projetos musicais nas últimas décadas. Entre os principais estão o Hecatombe e o Camus (que contava com o atual vocalista do Amen Corner, Paulista). Ulysses também fez parte do Dry Clamour e do Steel Lord. “Ele viveu a era dourada do Power Metal brasileiro e gravou o CD ‘HeadBanger Force’. Aliás, ele me deu esse álbum de presente, mas pediu emprestado algum tempo depois e nunca mais me devolveu!”, brinca Luxyahak.

Ou seja, a trajetória musical do trio Ulysses, Caos e Luxyahak na cena curitibana é repleta de bandas importantes e lendárias. Dessa maneira, qualquer projeto que tenha a participação de uma dessas figuras sempre vai gerar uma grande expectativa. “A experiência só cria mais responsabilidade para que possamos apresentar um material de qualidade, que realmente toque o público e faça com que ele se interesse cada vez mais pela banda. Isso faz com que cada um de nós sempre dê o nosso melhor nos shows. Temos a certeza de que, embora muitos eventos não possam oferecer o melhor equipamento para uma banda, por exemplo, o TSN se apresenta pensando no público que está prestigiando. Subimos no palco do underground, mas em nossas cabeças, estamos em outra realidade e queremos levar quem está ali junto conosco!”, diz Luxyahak.

No momento, “Synchronized Abductions” está disponível somente nas plataformas de música digital, mas banda está buscando um selo para lançar o álbum em formato físico. “Estamos abertos a negociações com selos, distribuidoras ou gravadoras que queiram viabilizar o CD. Queremos agradecer a todos os amigos que estão a ouvindo o nosso som e dizer que já estamos preparando material novo! Em breve, estaremos novamente em estúdio”, finaliza Luxyahak.

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