Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Foto: Gustavo Garrett
No mundo do Rock‘n’roll, poucas figuras foram tão verdadeiras como Lemmy Kilmister. No palco ou fora dele, o vocalista e baixista do Motörhead sempre foi a mesma pessoa.
Há um ano, enquanto tirava um cochilo em seu apartamento na cidade de Los Angeles, Lemmy deixava esse mundo. Dois dias antes, o músico havia descoberto que tinha câncer no pescoço e na cabeça, em estado terminal. Os médicos lhe deram de dois a seis meses de vida. Lemmy escolheu partir antes.
Ian Fraiser “Lemmy” Kilmister nasceu no dia 24 de dezembro de 1945, na Inglaterra. Suas aventuras no mundo da música começaram ainda na década de 1960, como roadie do guitarrista americano Jimi Hendrix. Depois disso, ele fez parte das bandas Rockin’ Vickers e Sam Gopal.
Na sequência, ele passou a trabalhar como roadie da banda Hawkwind e foi “convidado” a assumir o posto do baixista do grupo quando o titular faltou a um show. A participação durou até ele ser preso no Canadá por porte de anfetaminas e ser expulso da banda.
Em 1975, Lemmy criou o Bastards. A formação inicial tinha Lucas Fox (bateria) e Larry Wallis (guitarra). Na sequência, o nome foi alterado para Motörhead e Lemmy convidou Phil “Animal” Taylor (bateria) e “Fast” Eddie Clarke (guitarra) para formar o novo grupo.
O álbum de estreia, autointitulado, foi lançado em 1977. Nos anos seguintes, a banda produziu discos que se tornaram clássicos, entre eles “Overkill” (1979), “Ace of Spades” (1980) e “March ör Die” (1992).
Com o Motörhead foram 22 álbuns de estúdio. O último foi “Bad Magic”, lançado em agosto de 2015. Recentemente, no dia 15 de dezembro, o grupo lançou o CD/DVD póstumo “Clean Your Clock”, que registra dois shows da última turnê do Motörhead. As apresentações foram gravadas em 2015, nos dias 20 e 21 de novembro, no Zenith, uma arena multiuso em Munique.
Os últimos dias
Após a morte de Lemmy, alguns detalhes começaram a surgir. De acordo com seu empresário, Todd Singerman, no dia 15 de dezembro, Kilmister pediu para ir ao hospital, pois não estava se sentindo bem.
Dois dias antes ele havia participado de uma festa no bar Whisky a Go Go, em Los Angeles, para comemorar seus 70 anos de idade. A celebração contou com a presença de vários artistas, entre eles Sebastian Bach, Billy Idol e Slash.
No hospital, após realizar alguns exames, Lemmy foi liberado, mas os médicos pediram uma investigação para descobrir a causa de alguns problemas de fala que ele estava apresentando.
A suspeita inicial era a de que Lemmy poderia ter sofrido um pequeno derrame. A tomografia, porém, encontrou uma forma extremamente agressiva de câncer no cérebro e pescoço. Diante do diagnóstico, os médicos lhe deram de dois a seis meses de vida.
Phil Campbell e Mikkey Dee não tiveram tempo de ir até Los Angeles se despedir de seu companheiro. Lemmy morreu dormindo, em frente à sua máquina de fliperama, enquanto Todd ligava para a banda para explicar a situação. “Aquilo era a última coisa que pensávamos que ele teria. Quando você pensa a respeito, ele esteve com todos os médicos e em todos os hospitais ao redor do mundo e ninguém encontrou (o câncer)”, disse Todd, dias depois da morte.
O corpo de Lemmy foi cremado e as cinzas foram colocadas em uma urna com o formato do chapéu do músico. A cerimônia fúnebre foi realizada no Forest Lawn Memorial Park, em Los Angeles.
Obviamente, a banda acabou com a morte de Lemmy, como afirmou o baterista Mikkey Dee em uma entrevista na época. “O Motörhead acabou, claro. Lemmy era o Motörhead, mas a banda vai continuar viva na memória de muita gente. Não faremos mais turnês e não haverá mais discos. Mas a marca sobrevive. Lemmy vive no coração de todos”, declarou ao jornal sueco Expressen.
A despedida dos curitibanos
Um dos últimos shows do Motörhead aconteceu no dia 28 de abril de 2015, na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba. A banda se apresentou ao lado do Judas Priest e de Ozzy Osbourne na Monsters Tour.
Dois dias antes, Lemmy teve “problemas gástricos” e a banda cancelou o show dessa turnê que aconteceria em São Paulo. Portanto, devido aos últimos acontecimentos, boa parte dos curitibanos que foi à Pedreira naquele dia já tinha a noção de que veria Lemmy pela última vez.
Naquela noite, era nítido que Phil e Mikkey estavam “protegendo” Lemmy durante o show. Ambos prestavam muito atenção na performance de seu amigo. Mesmo falando com dificuldade e cantando as músicas de forma mais lenta, Lemmy foi ovacionado pelos fãs. Você pode relembrar neste link a cobertura completa daquele show.
No final, a frase que tradicionalmente encerrava os shows do grupo soou realmente como uma despedida: “Não esqueçam de nós! Nós somos o Motörhead e tocamos Rock‘n’roll!”. O último show do Motörhead aconteceu no Max-Schmeling-Halle, em Berlim, no dia 11 de dezembro de 2015.
Vivo na memória dos fãs
Nenhum estilo do mundo influencia tanto os seus fãs quando o Heavy Metal. O público que acompanha as bandas do estilo, normalmente, conhece e se identifica com a história de seus ídolos, a discografia das bandas e seus ideais.
Em Curitiba, talvez o maior símbolo dessa relação do Motörhead com seus fãs seja o músico Carlos Nunes. Ele é baixista e vocalista do trio Motorbastards que, além de seu trabalho autoral, também é uma banda tributo ao Motörhead. “Minha relação com Motörhead começou aos 12 anos quando comprei o meu primeiro disco de Rock, o ‘No Sleep ’til Hammersmith’ (álbum ao vivo lançado pelo Motörhead em 1981). Nesse momento, eu me conectei com a banda e sua música”, diz Carlão. “Depois de vê-los no Monsters of Rock (em 1996) a minha relação só ficou mais forte. Eu me identifiquei com a figura do Lemmy e comecei a ir atrás de suas histórias e sua biografia”, complementa.
A admiração não é só pela música, mas pela postura que Lemmy sempre demonstrou. “Com certeza ele é uma figura ímpar no mundo do Rock. Nada de coisas bonitinhas e certinhas. Ele é um exemplo muito bom a seguir: justo e virtuoso!”, diz Carlão. “Muitos anos depois eu fui me aventurar a tocar suas músicas. Então, fui ainda mais fundo em sua discografia e biografia. Já estamos há sete anos fazendo isso. Barulho e Rock‘n’roll em sua pura essência. É uma aula de como fazer música pesada e simples! Todos queriam ser Lemmy pelo menos por um dia. Eu queria ser todo dia!”, finaliza.
Para celebrar a vida e a obra de Lemmy, Carlão está organizando o 1º Motörhead Day. O evento será realizado no dia 22 de janeiro, no Claymore Highway, a partir das 15h. A entrada é franca.
Outro curitibano que tem uma ligação antiga com o Motörhead é o arte-finalista Gilson Ilg. “É uma banda que nunca se vendeu e jamais mudou o seu estilo. Eles são uma referência para qualquer grupo de Heavy Metal, Thrash Metal, etc. São muito autênticos”, diz Gilson.
A conexão do fã com a música do Motörhead vem desde a década de 1980, quando ele teve a oportunidade de assistir ao primeiro show do grupo no Brasil. A apresentação aconteceu em 1989 na cidade de São Paulo. “Era a turnê do disco ‘Rock‘n’roll’. Eu fui no segundo show no Ginásio do Ibirapuera, mas ele acabou sendo cancelado por problemas técnicos. O Lemmy parou o show no meio e prometeu agendar outra data nos dias seguintes. A apresentação foi remarcada para o Projeto SP. Aí, a banda matou a pau e levou todo mundo à loucura”, conta. “Lembro que eles tocaram em primeira mão a ‘I’m so bad (Baby I don’t care)’, uma música do ‘1916’ que nem tinha saído ainda”, complementa.
Apesar de ser um dos grandes pilares do som pesado, o Motörhead não se enquadra perfeitamente em nenhum estilo. No som de Lemmy e seus asseclas, é possível encontrar traços de vários gêneros musicais, do Punk ao Rock puro e simples de Little Richard e Chuck Berry.
Durante os 40 anos em que esteve na ativa, o Motörhead passou incólume pelas diversas “modas” do momento: da ascensão do Pop, na década de 1980, às inúmeras subdivisões que surgiram no Heavy Metal, nada apagou o brilho de Lemmy.
De forma consciente, mesmo que, nos últimos anos de sua vida, ele tenha percebido que sua saúde não andava bem, Lemmy fez uma escolha: viver os seus últimos dias no palco, como sempre fez. Foi assim até o fim.
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