Texto: Marcos Anubis
Fotos: Pri Oliveira




Rock’n’roll tocado com alma, de maneira direta e sem firulas. Essa é a linha de trabalho do trio curitibano Motorbastards. No dia 12 de junho, cinco anos após o trabalho de estreia, “Divisão Rock’n’roll” (2015), a banda finalmente lançou o segundo álbum.

“We Are Bastards” é uma afirmação do estilo de vida de Carlão (baixo e vocal), Aly Fioren (guitarra) e Antônio Death (bateria).

O sucessor de “Divisão Rock’n’roll” acabou demorando tanto tempo para ser lançado justamente por causa da rotina intensa que a banda teve nos últimos anos. “Nós focamos muito em shows e viajamos para muitos lugares. A agenda de apresentações acabou fazendo com que o disco demorasse a ser concluído”, explica Carlão. “Com tantas apresentações, era impossível manter uma dedicação profissional no disco. Agora, com a quarentena, nós conseguimos o tempo que precisávamos para finalizar e lançar”, complementa Aly Fioren.

Porém, na visão dos integrantes do Motorbastards, essa maratona acabou deixando o grupo muito mais maduro para concluir esse segundo trabalho. “Depois de passar dez anos na estrada, você acaba amadurecendo e envelhecendo. O novo álbum reúne muita história, com experiências boas e ruins. O nosso primeiro CD foi o resultado de um amontoado de vontades. Já eram cinco anos fazendo shows tributo e todos da banda vinham do underground autoral. O ‘Divisão Rock’n’roll’ foi uma mistura de tudo que tínhamos em nossas veias”, analisa Carlão.




Peso e agressividade na medida certa

O álbum foi totalmente gravado e produzido no estúdio de Aly Fioren, o Funds House Studio. “Nós participamos de toda a pré-produção, mas o toque final foi do Aly”, diz. O resultado final chama bastante atenção pela clareza da voz e de todos os instrumentos, que soam nítidos e com o peso ideal.

Nessa perspectiva de procurar fazer o melhor com os recursos que a banda possui, a evolução musical apresentada pelo grupo em “We Are Bastards” veio de uma maneira natural. “Estamos mais velhos e calejados. Assim, o disco ficou mais maduro. A produção também melhorou por causa da nossa experiência no Funds House, onde podemos ir fundo nas produções. Estamos mais velhos e mais maduros! (risos)”, diz Carlão. “Esse processo de maturidade é porque estamos há quase dez anos juntos. Então, junta-se a experiência nas relações interpessoais, as viagens internacionais, a maturação musical, enfim, são coisas naturais de uma relação infindável”, complementa Aly Fioren.

Esse capricho mostra uma preocupação a mais para que, de repente, a banda tenha a oportunidade de alcançar o mercado internacional. “Esse processo para deixar a sonoridade das nossas produções bem mais competitivas é um desafio pessoal, não só para os Bastards, mas para todas as bandas que me procuram para que eu produza algum álbum. Em relação ao mercado internacional, fizemos uma pesquisa global e uma análise técnica sugerida pelas próprias plataformas de streaming. Descobrimos fãs até no Sri Lanka!”, conta Aly Fioren.




Uma influência muito especial

O Motörhead Day, organizado pelo Motorbastards em março de 2019, foi uma experiência que certamente teve muito impacto nesse direcionamento do novo trabalho do trio curitibano.

O evento, que aconteceu no Tork’n’roll, foi um dos grandes momentos da história do underground curitibano porque teve um convidado pra lá de especial.

Após um esforço gigantesco que durou mais de um ano, Carlão conseguiu trazer à Curitiba simplesmente o ex-baterista do Motörhead, Mikkey Dee, que atualmente faz parte da banda alemã Scorpions. Leia neste link a cobertura do Motörhead Day.

Os ensinamentos que o grupo conseguiu absorver naquele momento fizeram a diferença na hora de finalizar o novo álbum e de planejar os próximos passos da carreira do grupo. “Esses dias que passamos com o Mikkey deram um prisma mais amplo para todos nós, no sentido de como trabalhar as músicas e o disco. Existe a possibilidade de alcançar um mercado além do que estamos acostumados, no Brasil e na América Latina. O inglês é a língua mundial, então, optei por escrever em inglês para buscar um mercado com mais amplitude dentro do cenário do Rock mundial”, diz Carlão.

Três faixas do novo álbum, (“Nightmare”, “Mina de Tamandaré” e “Bad reputation”), ganharam clipes que foram lançados antes do CD. “Como o tempo estava passando, resolvemos lançar singles em forma de clipes. Funcionou bem, pois nesses tempos modernos, o apelo visual conta tanto quanto o sonoro. O resultado realmente foi positivo”, explica Carlão.

A capa do álbum foi criada pelo artista gráfico Marlon Cerqueira, que também é guitarrista da banda Defoice e foi o responsável pela animação apresentada no clipe da música “Mina de Tamandaré”, lançado em 2019. “Em todas as bandas que eu produzo, ele é o primeiro da lista de indicações, pois já fez capas e lyric videos de muitas bandas curitibanas nos últimos cinco anos “, elogia Aly Fioren.

Obviamente, como os shows estão suspensos por causa da pandemia que assola o mundo nesse momento, o grupo está buscando outras formas de divulgar o álbum. “Infelizmente, não poderemos sair em turnê ou fazer shows para promover o álbum até que as coisas se normalizem e possamos aglomerar alguns rockers para mostrar o material ao vivo. Porém, vamos usar as ferramentas com as quais nós contamos no momento, como as plataformas digitais, e fazer com que o alcance se multiplique”, diz Carlão.

Além disso, o grupo também está preparando o lançamento do CD em formato físico. “Ele terá duas faixas bônus que não estão na versão digital. O material físico também serve para alcançar o público que não consome tecnologias digitais, além de ser merchandising para futuras tours. Se tudo der certo e a situação permitir, existe a possibilidade de que a banda faça mais shows internacionais. Além da América Latina (Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile), que já estavam encaminhados, ainda é possível que pinte uma tour na Europa”, revela Carlão.

Antes da pandemia, os integrantes do Motorbastards também já estavam trabalhando na nova edição do Motörhead Day, que vinha cercada de grande expectativa.

Porém, com o cancelamento dos shows, o evento só deve ser realizado somente em 2021. “Nós ficamos em uma sinuca de bico porque o novo Motörhead Day deveria ser ainda maior do que a edição que contou com o Mikkey. A ideia era fazer shows em várias cidades no Brasil, mas os valores eram muito altos e acabou ficando para 2021. Nesse meio tempo, fechamos com o Bombers, uma banda tributo da Noruega que conta com o Abbath e com o Tore Brathset (Old Funeral). Porém, quando estávamos nas últimas para fechar a data, veio a pandemia e fodeu tudo! Esperamos que, para o próximo ano, possamos ter a oportunidade de realizar uma nova edição do evento”, diz Carlão.




Quatro dias com um dos maiores músicos da história do Heavy Metal

Nos quatro dias em que passou em Curitiba quando veio participar do Motörhead Day, Mikkey fez questão de dividir um pouco do que aprendeu em mais de três décadas de carreira. “Foi uma experiência incrível! Conversamos sobre as dificuldades e as rotinas de uma banda de Rock e de como isso também proporciona certa diversão. ‘É o melhor trabalho do mundo’, dizia o Lemmy!”, conta Carlão.

Entretanto, o relacionamento de amizade com os curitibanos ainda teria mais um capítulo e, desta vez, a iniciativa foi do próprio baterista inglês. Em setembro de 2019, Mikkey voltou a Curitiba, desta vez para tocar com o Scorpions na Pedreira Paulo Leminski, ao lado do Europe e do Whitesnake.

Naquela noite, quando uma tempestade impressionante fez com que o Europe tivesse que terminar o show antes do previsto, os integrantes do Motorbastards tiveram a confirmação de que conquistaram a admiração e o respeito de Mikkey Dee. “Fomos convidados para ir até o camarim do Scorpions e toda a banda foi cumprimentar o Mikkey. Eles me olhavam com os olhos arregalados!”, conta Carlão. O espanto, obviamente, era por causa da semelhança de Carlão com Lemmy. “O Mikkey dizia: ‘Eu te falei cara, olha isso, eu te falei!”, diz Carlão.

O único que não saiu do camarim foi o vocalista Klaus Meine. Porém, Mikkey fez questão de ir até o local, bater na porta e falar com o cantor. “Ele disse: ‘Klaus, lembra que eu te falei daqueles caras com os quais eu vim tocar e tem um igualzinho ao Lemmy? Ele está aqui, quer conhecê-lo’? Eu entrei, cumprimentei o Klaus e ele disse: ‘Boa noite, Carlos, tudo bem? O Mikkey falou de você, é um grande prazer te conhecer. Tome uma cerveja comigo’! Aquilo sim foi demais, só de lembrar já me arrepia!”, complementa Carlão.

Vivenciar esse momentos ao lado de um dos maiores nomes do Heavy Metal acabou influenciando a visão da banda em relação à música e à própria carreira do Motorbastards. “Essas experiências dão um prisma mais amplo de onde podemos chegar, do que podemos alcançar. Como se diz no futebol, ainda somos ‘fraldinhas’ perto deles, mas eles também passaram por isso no passado e não desistiram. Eles seguiram os sonhos que tinham”, diz Carlão.

Um belo exemplo dessa atitude positiva veio de um questionamento que o próprio Mikkey teve quando tocava no Motörhead. “Ele contou que um dia perguntou ao Lemmy: ‘Por que eu’? O Lemmy respondeu: ‘Eu me vi em você quando eu estava no começo. Vi aquela gana, a visão de fazer tudo o que for preciso para chegar em algum lugar e a força de vontade para fazer com que isso se tornasse realidade’. Isso realmente me marcou e com certeza levarei durante toda a vida!”, afirma Carlão.

Dessa forma, com o ânimo renovado, o trio curitibano acredita que ainda existe uma longa estrada a ser trilhada. “Não é impossível! Temos que abdicar de algumas coisas em prol de outras. Isso acontece em todos os aspectos da vida, se você quiser formar uma família, ser um empresário de sucesso, engenheiro, médico, dirigir táxi ou ser pedreiro”, analisa Carlão.

De maneira muito clara, Mikkey acabou mostrando ao Motorbastards que, mesmo com todas as dificuldades que qualquer artista precisa enfrentar, no final, o que conta é a determinação pessoal de cada um. “Você terá que escolher se quer fazer aquilo ou quer tomar outros rumos nos quais talvez não seja feliz ou vá se sentir incompleto. Você deve seguir seu coração. Como a música faz parte da minha vida há muito tempo, só temos que agradecer o conselho e seguir tentando. Isso com uma visão menos romântica do que a do underground a que estamos acostumados, vendo isso como uma forma de negócio e se dedicando para fazer com que dê certo. Se não der, pelo menos tenho a consciência limpa de que, ao menos, tentei e nada foi em vão!”, finaliza Carlão.