Para comemorar os 26 anos de trajetória artística, Zeca prepara vários lançamentos em frentes diferentes que vão da música à literatura

O cantor, músico e compositor Zeca Baleiro surgiu para o cenário cultural brasileiro com o álbum “Por Onde Andará Stephen Fry” (1997), que é uma verdadeira obra-prima.

Naquele período, ele começava a fazer parte de uma crescente lista de artistas de um movimento que estava sendo chamado de “A Nova MPB”, justamente porque os integrantes dessa cena adicionavam outros elementos musicais à tradicional fórmula da Música Popular Brasileira.

De maneira surpreendente, por causa da rapidez com que isso aconteceu, esse álbum causou um impacto muito grande e influenciou bandas em todo o país.

Um dos grupos que beberam nessa fonte foi o curitibano Maquinaíma, do qual o ator Alexandre Nero era o vocalista. Na época, eles se apresentavam semanalmente na extinta AOCA Bar, que foi um dos grandes redutos da boemia da capital paranaense.

No repertório dos shows do Maquinaíma, naquele efervescente final dos anos 1990, um dos momentos mais esperados era a execução de “Heavy Metal do Senhor”, sucesso do álbum de estreia de Zeca, que vinha carregada com a interpretação sempre pessoal e emotiva de Nero. “Ah, que legal saber disso! Uma vez encontrei o Nero nos bastidores do Festival Lupaluna e ele me falou algo sobre isso. Acho muito bacana saber que o nosso trabalho influencia outros trabalhos. Esse disco foi o começo de tudo, abriu todas as portas”, conta Zeca Baleiro.

O Lupaluma aconteceu em 2012, no BioParque (que fica na divisa da capital paranaense com o município de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba), e foi a primeira cobertura realizada pelo Cwb Live em um grande festival.

Naquela ocasião, além de fazer um concorrido show em uma das tendas do evento, Baleiro também participou da apresentação do lendário grupo cubano Buena Vista Social Club, cantando ao lado da diva Omara Portuondo (assista aos vídeos no final da matéria).




A arte pela arte

Hoje, passados 26 anos daquele início despretensioso de trajetória com o álbum “Por Onde Andará Stephen Fry”, Zeca está consolidado como um dos artistas mais importantes da música brasileira.

Isso se deve, obviamente, ao talento e a criatividade desse simpático e articulado maranhense mas, também, a uma boa dose de ousadia para enfrentar o lugar comum da indústria fonográfica. “Na origem, o meu trabalho era muito mais radical, mas eu saquei onde estava me metendo e aliviei o pé (risos). Deu certo. Pelo menos, consegui ter oxigênio para gravar outros tantos discos. A relação com o mercado do disco tinha que ser muito estratégica”, explica.

Essa postura corajosa vem de uma das grandes características de Zeca Baleiro, que é a de fazer o que gosta e com quem gosta.

É claro que ele tem o trabalho “oficial” dentro da indústria fonográfica, que consiste em lançar álbuns autorais regularmente e fazer turnês de divulgação desses discos, porém, Zeca sempre abre espaço para parcerias diferentes, de cunho mais pessoal, o que é uma atitude raríssima, hoje em dia.

Dentro desse contexto, Baleiro tem procurado escolher muito bem os compromissos midiáticos. “Hoje, prazer é palavra-chave para mim, sabe? Entre ir a um programa idiota de TV para falar obviedades da carreira e ficar no estúdio compondo e produzindo, prefiro a opção dois (risos). Naturalmente, a carreira profissional exige certos pequenos sacrifícios e até alguns micos (risos). Preciso sobreviver disso, também, mas a minha prioridade é me divertir, me emocionar, sentir prazer no que faço”, explica.




Saravá Discos

O grande aliado nessa empreitada pessoal de Zeca é a gravadora Saravá Discos, que ele criou em 2008, justamente para conseguir ter um pouco de independência e manter um respiro em meio ao mundo sufocante do showbizz. “Ela é o meu parque de diversões, por onde eu lanço coisas que gosto, que me dão prazer”, diz.

O mais recente trabalho da Saravá Discos é o álbum “Foi Tudo Culpa Do Amor (Pérolas Populares, Vol. 1)”, da cantora e compositora carioca Bárbara Eugênia. O CD foi lançado no início de 2023 e reúne versões para clássicos da música romântica brasileira, entre eles, “Gosto de maçã” (Wando) e “Não se vá” (Jane e Herondy).

Nesse tipo de trabalho, Zeca tem atuado como uma espécie de mentor, auxiliando na condução de vários aspectos da trajetória do artista com o qual ele está envolvido. Nessa lista, está a produção e a direção artística nas quais Baleiro usa toda a experiência adquirida em quase três décadas de andanças nesse mundo cão. “Eu dou o norte, ajudo a conceber, mas alguém mete a mão na massa e produz de fato”, conta.

Zeca também desempenhou essa função no álbum da cantora mineira Patrícia Ahmaral, “Um poeta desfolha a bandeira – Patrícia Ahmaral canta Torquato Neto 1” (2022), que ganhará uma continuidade com outro CD ainda neste ano, e no novo disco da cantora paulista Bruna Moraes, que sai em junho.

Outra manifestação dessa visão bem particular que Zeca tem adotado foi o lançamento do álbum “Naus” (2022), gravado em parceria com o cantor, músico e compositor Vinícius Cantuária (autor de alguns grandes sucessos dos anos 1980, entre eles, a música “Só você”).




Trilhas sonoras

Nos últimos anos, Zeca também vem se dedicando à composição de trilhas sonoras. A mais recente foi a adaptação teatral “O Bem Amado Musicado”, baseada no famoso texto de Dias Gomes, que foi apresentada na capital paranaense como parte da 31ª edição do Festival de Curitiba.

O evento, que é o mais tradicional do teatro brasileiro, aconteceu do dia 27 de março a 9 de abril em vários espaços culturais da cidade.

Nessa empreitada, para chegar ao resultado final que cria todo o clima da peça em cima do palco, Zeca fez questão de se envolver nas diversas etapas de construção do espetáculo para captar o máximo possível de informações e criar efetivamente as nuances que cada cena pede. “Eu gosto de acompanhar todo o processo, assistir ensaios e ouvir os registros vocais dos atores. Tudo inspira a compor. Eu comecei a carreira no teatro, compondo para peças infantis no Maranhão com 17 anos de idade, então, voltar a compor para teatro é como uma volta às origens”, diz.

“O Bem Amado Musicado” teve duas sessões no Teatro Guaíra, o grande palco da capital paranaense, e foi uma das peças que mais atraiu público no festival. Entre os atores do espetáculo, que interpretam e tocam as canções compostas por Zeca, está Marco França, que fez o personagem “Dom Tião” na novela “Mar do Sertão”.

As canções da peça mostram muito bem a versatilidade de Baleiro porque passeiam por muitos climas diferentes, do lamento da cena inicial, que é belíssima, até o sarcasmo da animada música tema do personagem principal, o prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, que é tocada quando ele está pedindo votos à população da cidade. “Foi um processo incrível. Eu compus as canções em parceria com o Newton Moreno, que é dramaturgo e poeta. Ele ia me mandando vários rascunhos de letras, eu editava, mexia aqui e ali, musicava e devolvia a ele”, conta.




Realidades que nunca mudam

No final da primeira apresentação de “O Bem Amado Musicado” no Guaíra, que aconteceu no dia 3 de abril, o ator Cassio Scapin (que interpreta Odorico) comentou que achava inacreditável que um texto escrito por Dias Gomes em 1962 ainda seja tão real. Ironicamente, esse é um paralelo que pode ser feito também no mundo da música.

Existem canções da Plebe Rude (“Até quando esperar” e “Proteção”) ou dos Inocentes (“Pátria amada” e “Miséria e fome”), por exemplo, que foram compostas no anos 1980, mas poderiam ter sido escritas hoje, tamanha é a realidade que elas ainda retratam. “Assim como existem canções de Milton e Brant, João Bosco e Aldir Blanc ou Gonzaguinha que também permanecem super atuais. Deve ser porque o mundo não evoluiu muito politicamente (risos). Os dramas humanos/sociais permanecem os mesmos”, analisa.

No mês de maio, acontecerá a estreia de outra trilha de Zeca, desta vez, a que faz parte da peça “Dom Quixote de Lugar Nenhum”, do cineasta e escritor Ruy Guerra, que tem direção de Jorge Farjalla.




Novos álbuns

Nos próximos meses, como parte das comemorações dos 26 anos de trajetória, Zeca está preparando os lançamentos de alguns projetos musicais e literários. O primeiro será o single “Vento de Outono”, que sai em maio.

Na sequência, Baleiro lançará um CD de sambas autorais, chamado “O Samba Não É De Ninguém”, que vem sendo gravado há 11 anos e que conta com a participação de uma nova geração de artistas brasileiros, entre eles, Alexandre Ribeiro (clarinete), Teco Cardoso (saxofone e flauta) e Tiago Costa (piano).

A terceira novidade, que sairá no segundo semestre, é um projeto gravado em parceria com Chico César, que teve início com o lançamento dos singles duplos “Lovers” e “Respira” (2021) e “Verão” e “Beije-me Antes” (2022). A produção dos dois álbuns é do instrumentista, compositor, arranjador e produtor paulista Swami Jr.

O pacote comemorativo será fechado com o lançamento, também no segundo semestre, de um talk show/podcast e do livro “Nomes e Coisas”, composto por memórias, relatos de histórias e impressões sobre amigos, parceiros e ídolos de Zeca.




O celeiro cultural do Nordeste

O Nordeste é, provavelmente, a região do Brasil mais rica culturalmente, pois já deu ao país uma lista enorme de nomes importantes. Para ficar só no âmbito da música, é possível citar Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raul Seixas, Chico Science e Nação Zumbi, Lenine e o próprio Zeca Baleiro.

Cada um deles contribuiu de uma maneira diferente para a construção da própria identidade musical do Brasil, que é reconhecida e valorizada no mundo todo.

Mesmo assim, nos últimos anos, por causa da crescente polarização política e da enxurrada de fake news que confunde a mente de muitos cidadãos, os nordestinos passaram a ser atacados sistematicamente nas redes sociais, em uma situação muito parecida com o que acontece com os habitantes da cidade de Nápoles, na Itália.

Nesses tempos sombrios, Zeca foi uma das vozes que nunca se calou, pois sempre fez questão de defender os conterrâneos (uma atitude que também gerou ataques ao próprio Baleiro).

Diante dessa batalha, a lenta retomada da cultura e de uma vida mais próxima ao normal, na qual a arte e o respeito estejam em primeiro plano, está sendo um bálsamo na vida de Zeca. “Na minha e na de todos os brasileiros que amam o Brasil, a liberdade, a inteligência e o ideal de justiça social”, diz.

Nitidamente, o Brasil está apenas começando a passar por um longo processo de reconstrução cultural que atinge a todos, pois a pandemia e a desvalorização das políticas públicas que beneficiem a classe artística, em suas mais variadas vertentes, abalou sensivelmente esse setor tão importante para o país.

Dentro dessa realidade, aos olhos de todos os envolvidos, tanto entre os músicos quanto na grande cadeia produtiva que dá suporte às bandas e artistas nacionais, a arte será uma ferramenta importantíssima e contribuirá decisivamente para transformar esse cenário. “Na pandemia, nós tivemos um bom termômetro do quanto a arte é essencial na vida das pessoas. Não é só entretenimento. É também filosofia, acolhimento, troca intelectual e de vivência. A arte é algo muito profundo e eu tenho dito que só reconstruiremos o Brasil se priorizarmos educação e cultura. Essa dobradinha tem poder”, finaliza Zeca Baleiro.

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