Texto – Marcos Anubis – Revisão e supervisão – Julie Fank
Fotos – Lex Kozlik – Direção de arte – Anderson Maschio
Na última parte de sua entrevista, Helinho Pimentel fala sobre a forma com que a cultura é tratada em Curitiba, a polêmica do preço dos ingressos para shows na capital paranaense e sobre seu trabalho como compositor.
Qual é a sua opinião sobre a forma com que a cultura é tratada em Curitiba, principalmente em relação ao apoio aos artistas paranaenses?
Eu acho que o curitibano, dentro deste contexto em que a gente vive, precisa quebrar um paradigma. Ele precisa entender que a cidade de Curitiba é legal, e se ela é legal é porque os moradores daqui produzem coisas legais. E a partir daí os nossos artistas, poetas, escritores, músicos, pintores, artistas plásticos, enfim, quem produz arte nessa cidade deve ser valorizado.
As pessoas devem compreender que Curitiba produz cultura em altíssimo nível. E o desenvolvimento desta cultura está diretamente ligado com a valorização que a aldeia curitibana dá para os seus artistas. Esse mercado de arte e de cultura ainda não existe. Curitiba tem pessoas geniais que são respeitadas no mundo inteiro, em todas as frentes. Mas o curitibano prefere consumir qualquer coisa de Nova York, do Rio Grande do Sul, da Bahia, mas não as daqui. É antropofágica a história.
Então nós precisamos olhar a nossa cidade, a nossa produção, a nossa vida. Eu acho que Curitiba passa por esse desafio, é uma coisa que eu venho falando há vinte e poucos anos. Nós precisamos valorizar o que é nosso, de verdade. O curitibano tem essa dificuldade de valorizar o que é seu.
Se tem um lado de Curitiba que me incomoda muito, entre tantos outros que eu amo, porque eu realmente amo essa cidade, é o pensamento de muitos curitibanos de não valorizar o homem, o ser humano curitibano na sua realização, principalmente no que diz respeito à questão cultural Eu não digo em relação a empresários ou investimentos porque isso anda, é outra quantificação.
Agora, no que tange a coisas efetivamente mais sensíveis o curitibano ainda é muito bruto. Ele precisa não só estar inteirado no que está acontecendo no mundo da cultura, da sustentabilidade como um todo, mas colocar em prática aqui na nossa aldeia. As mudanças ocorrem nas aldeias. Não adianta uma grande mudança global se as cidades, os bairros e as pessoas não entenderem a sua importância.
No planejamento do Complexo das Pedreiras você tem demonstrado uma grande preocupação com a questão da sustentabilidade. Você acha que em Curitiba, atualmente, essa consciência ambiental foi deixada um pouco de lado?
Eu acho que Curitiba tem desafios na área cultural e ambiental, que estagnou. Nós estamos com os nossos rios todos poluídos, e isso é uma vergonha enorme! Eu estive diretamente envolvido com o José Roberto Borguetti, um irmão meu, no projeto Águas do Amanhã, que a GRPCOM e a DC Set apoiaram de forma muito forte e que visava conscientizar a comunidade sobre o grande problema da Bacia do Alto Iguaçu.
Foi apresentado um diagnóstico muito profundo, em parceria com a Universidade Federal do Paraná, e ele está parado. Os rios Iguaçu, Belém, Barigui e muitos outros continuam terrivelmente poluídos. Eu acho que isso era uma coisa que as pessoas poderiam se interessar nas escolas. Falar sobre os nossos rios, quais são e onde passam.
As pessoas não têm ideia sobre os rios que passam perto de suas casas, porque eles estão escondidos. Então essa é outra coisa que o Parque das Pedreiras quer, fomentar a cultura com um centro de desenvolvimento de arte e outro de discussões sobre as questões ligadas ao meio ambiente e à sustentabilidade.
Uma das grandes reclamações do público curitibano é o valor dos ingressos para os shows que são realizados aqui, considerado muito alto. Qual é a sua opinião sobre esse tema?
O público precisa entender que um ingresso para um show internacional não pode custar o mesmo valor de um X-Salada! As pessoas preferem tomar cinco cervejas e comer um X-Salada a ir assistir a um supergrupo internacional que talvez nunca mais volte para Curitiba. A ida dessa pessoa a um show desse porte representa uma coisa muito importante para a história de vida dela.
Os grandes concertos que eu vi ficaram na minha memória, as cervejas que eu tomei e os X-Saladas que eu comi não ficaram! As pessoas precisam entender que ir a um grande show é uma experiência única. Às vezes isso me deixa profundamente “de cara”. Elas falam “poxa, mas o ingresso está muito caro”, mas aí eu pergunto, será que ela sabe o quanto foi gasto com a estrutura e com o que os artistas exigiram para trazer esse show?
Isso é uma coisa muito difícil de falar porque as pessoas vão ler e não vão entender. Vão preferir comer um X-Salada e tomar cerveja. O cara gasta R$ 200 para comer um pratinho de comida com a esposa em um restaurante e aí reclama de pagar R$ 150 para assistir a um concerto de um show internacional? Para, velho! Não tem sentido.
Aí é que eu falo, até onde existe uma cultura curitibana ou ela é só um fake? Vamos falar claramente, Curitiba é legal, mas ainda tem chão para chegar a ser uma Porto Alegre, Salvador ou Recife, no que diz respeito à questão cultural, de entendimento do que é realmente importante.
Nós estamos muito atrás dessas cidades. Veja quantos artistas, escritores, músicos e poetas des – sas cidades são reconhecidos no Brasil inteiro. Nós temos quantos curitibanos que são reconhecidos no Brasil? O Paulo Leminski, que agora a mídia nacional adotou. E isso não veio de nossa cidade, porque Curitiba não adotou o Paulo!
As pessoas que vão à Pedreira mal sabem quem foi o Paulo Leminski. Estão começando a conhecer porque agora nas prateleiras dos mercados estão vendendo o livro que saiu recentemente. Então essa é a minha Curitiba amada, velho. É preciso muito para ser primeiro mundo, se é que isso existe. Falta muito para dizer “nós somos ‘organizadinhos’, nós juntamos o lixo na rua, nós temos parques”. Isso é físico! E a inteligência, onde está?
Você vê uma senhora negra lá em alguma favela do Rio de Janeiro, socialmente desprivilegiada, porque o negro no Brasil foi desprivilegiado durante a vida inteira, e quando ela vai dar uma entrevista ela fala melhor do que a maioria dos políticos paranaenses! Isso porque ela tem uma força cultural, vive integrada nos ensaios das escolas de samba, ela tem uma vida cultural.
Essa mulher humilde tem uma força de expressão muito mais forte do que a maioria dos caras que eu vejo dando entrevistas na televisão aqui em Curitiba, de um grande empresário a um político. Isso porque ela tem uma bagagem cultural, não uma “cultura de elite”, uma pseudocultura. Para!
Uma das maiores reclamações dos músicos curitibanos é que o público quase não apoia as bandas locais. Uma das ações que poderia contribuir para mudar esse estado de coisas, de acordo com eles, seria a criação de festivais bem estruturados que reunissem esses artistas. Você foi um dos criadores do Festival Lupaluna que, além de bandas já reconhecidas, abria espaço para as bandas daqui, por que ele acabou? Existe a possibilidade de retomar o festival, agora na Pedreira?
Nós tivemos quatro edições do Lupaluna e a cidade de Curitiba foi entendendo aos poucos o festival. No primeiro ano, a presença de público não foi legal e a partir daí foi crescendo. Ele é um projeto que precisa ter um modelo que se torne viável do ponto de vista financeiro, pois ele nunca foi rentável, e nós estamos trabalhando isso com a GRPCOM.
A marca está na cabeça das pessoas porque foram quatro edições extremamente qualificadas. Como a estrutura de um festival é muito cara para ser montada, e o que é necessário já existe na Pedreira, o Lupaluna tem condições de renascer e voltar com um novo modelo. Isso está entre os nossos propósitos. E dentro desse tipo de evento, apesar de não ser uma decisão nossa porque a organização é do produtor, a DC Set sempre defende a ideia de ter grupos locais abrindo os concertos.
Isso é muito importante porque permite que um grande número de pessoas veja o trabalho de bandas geniais, como as que Curitiba tem. Eu acho que a Fundação Cultural de Curitiba poderia desenvolver um festival anual com bandas daqui, em parceria com a Pedreira e usando a estrutura da Ópera de Arame. Poderíamos ter convidados de fora, com toda uma questão conceitual a ser desenvolvida, direcionando o olhar da cidade e do Brasil para isso.
Colocar um grupo curitibano para abrir um grande show é importante, mas ainda mais relevante é ter um dia na Ópera no qual toquem seis bandas locais, ou um no palco da Pedreira onde se apresentem quatro daqui e um convidado de fora que faça o público pagar o ingresso e ir. Mas a essência é que nesses shows a cena seja curitibana. Eu acho isso muito importante, e está aí para ser feito.
Assim você cria uma sinergia, as pessoas ficam surpresas com o que estão vendo. É fundamental ter esse projeto de um evento anual em que você possa trazer os produtores, empresários, gravadoras e revistas especializadas. Outra coisa que nós precisamos é que as rádios curitibanas toquem as bandas locais. Que ao menos toquem um pouco! Se você sintonizar agora em alguma rádio daqui é provável que você não escute nada dos grupos da cidade.
Então, eu acho que existem projetos para serem feitos na cena musical curitibana. Dentro do portal do Parque das Pedreiras nós estamos recriando o projeto Geração Pedreira. Ele será um grande mosaico da cultura curitibana, com fotógrafos, pintores e bandas. Será possível saber quem é quem e nós vamos divulgar nas nossas rádios para que as pessoas conheçam. Nós temos essa missão. Eu estou em um desafio muito entusiasmante na minha vida.
Quando você fala de Curitiba ou da Pedreira, você demonstra muito respeito pelo Jaime Lerner. Fale sobre essa relação.
Ele é um idealista, criador de coisas incríveis para Curitiba. É uma pessoa pela qual eu tenho um respeito enorme e um carinho mui – to grande. É importante destacar que nós vivemos em uma cidade onde o trabalho do Jaime teve uma importância enorme, independentemente de correntes políticas.
Hoje, ele não está na política, diretamente, mas uma série de coisas que o curitibano tem orgulho, como os parques, o conceito e o lixo que não é lixo, aconteceram por causa da cabeça do Jaime. E a cidade absorveu tudo isso de uma maneira genial. Hoje ela é um exemplo no Brasil. Existem muitas coisas para melhorar, mas Curitiba tem coisas incríveis.
Você foi parceiro do eterno Ivo Rodrigues na composição de dois sucessos do Blindagem, “Loba da Estepe” e “Certos Dias”. Como anda esse seu lado musical, você ainda compõe?
Nos últimos anos, uma coisa que está muito forte na minha vida, apesar do pouco que eu tenho para trabalhar nisso, é a produção musical. Eu estou com um projeto chamado Dharma Bloom que trabalha em cima de composições minhas e com outros parceiros importantes. Nele, eu tenho uma relação musical com a minha filha Chandra, que também participa do Dharma Bloom. Além disso, eu também apoio o trabalho solo dela.
Essa é uma coisa em que eu estou trabalhando muito, aproveitando o Old Black, que é um estúdio que nós temos. Eu tento trazer toda a minha experiência de vida ouvindo música, lendo coisas e procuro traduzir isso em composições com coisas bem conceitu – ais, mas com uma pegada também de fácil entendimento. O Dharma Bloom tem a produção do Moogie Canazio que é um dos maiores produtores do Brasil, reconhecido internacionalmente.
Ele ouviu o grupo por meio da Virgin, adorou e acabou se tornando um grande amigo meu. Eu só tenho a agradecer às minhas parcerias, entre elas, a Naína, o Renato Ximú, Fabio Elias, o Paulinho Teixeira e vários amigos que fluem a música, a criação e a escrita de uma poesia, como acontecia com o meu primeiro parceiro musical que foi o Ivo Rodrigues.
Ele foi um grande amigo meu e era o maior vocalista do Brasil, um cara sensacional. Você participou de grandes projetos culturais que mudaram a vida de Curitiba. Como você se sente, olhando para tudo que realizou? Hoje, com 58 anos de idade, eu adoro estar casado, adoro meus filhos, minha nora e o meu neto que está morando no Canadá. Aliás, como a minha vida é corrida, me dói muito não estar curtindo eles da forma que eu gostaria.
Mas, em contrapartida, dois dos meus cinco filhos me dão muito carinho aqui em Curitiba. Também adoro os meus amigos e os pescadores de uma praia pequena lá de Florianópolis, que são meus irmãos. Essas são as coisas realmente importantes na minha vida.
Essas pessoas queridas, esses simples pescadores que são uma lição de vida, meus amigos de coração, meus filhos, minha esposa, as lembranças dos meus pais, do que eu realizei e a vontade de realizar ainda muitas coisas até os 127 anos. Eu agradeço muito pela minha vida, apesar de tantas coisas que nós vemos nesse mundo tão desigual. A vida é do caralho!
Essa matéria foi escrita originalmente pelo jornalista Marcos Anubis para a Revista One.
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