Texto: Marcos Anubis
Fotos e revisão: Pri Oliveira

CAPA_FINAL

Nessa quinta-feira (26) e sexta-feira (27), o Jokers recebeu shows de sete bandas que escreveram os seus nomes na complicada cena musical curitibana: Maxixe Machine, Krappulas, Black Maria, Relespública, Tessália, Sr. Banana e Intruders. As três últimas não se reuniam há mais de 20 anos.

As apresentações fizeram parte da festa de lançamento do livro “Uma Fina Camada de Gelo − O Rock Autoral e a Alma Arredia de Curitiba”, do advogado e escritor Eduardo Mercer. A obra acaba de ser lançada e promete ser um marco na história dessa cena porque é o mais completo documento já escrito sobre tudo isso.

maxixe1

Maxixe Machine: Samba, Rock, Punk, poesia e músicos fora de série

O primeiro grupo a subir no palco na quinta-feira foi o Maxixe Machine. Rodrigão Barros Del Rei (violão e vocal), Luiz Antonio Ferreira (violão e vocal), Walmor Goes (guitarra) e Carlos Alberto Lins (baixo) e Rodrigo Genaro (bateria)são um time de peso e o respeito demonstrado pelo público provou isso. O grupo ainda contou com a participação do poeta e escritor Sergio Viralobos nos vocais.

A banda abriu o show com “Capivarinha de condão”, música da época da Contrabanda que acabou sendo gravada pelo Maxixe. Em seguida, o grupo tocou a fantástica “Dolores Duran”, do Beijo AA Força, que começa com um dueto avassalador de violões e guitarra. O setlist ainda teve, outras canções, entre elas, “Decrépita trupe”.

Ao ver o grupo ao vivo, logo de cara, a qualidade de cada instrumentista da banda salta aos olhos. Mas o Maxixe, assim como todos os outros projetos criados por essa turma (Beijo AA Força, Contrabanda, Ferryboat, Paz de Usinas…) carrega uma grande força em suas composições: o texto.

Essa, aliás, é uma das maiores e mais subestimadas características do rock curitibano. Afinal, são poucas as cidades no Brasil que podem se orgulhar de ter letras de poetas como Paulo Leminski, Marcos Prado ou Sérgio Viralobos cantadas por seus artistas. “Curitiba não tem uma tradição musical forte, em compensação, temos representantes na história das artes literárias desde sempre. Nossa poesia, prosa, ensaios, romances, revistas, clubes, saraus e folhetins, desde os simbolistas, fazem a cabeça dos brasileiros”, analisa Ferreira.

Um dos motivos para esse protagonismo na literatura pode ser as oportunidades que não foram negadas aos nosso escritores. “Talvez porque a indústria literária não seja assim tão predatória com o nosso ‘rincão’ quanto foi a fonográfica. Deixaram espaço para os curitibanos e aí, meu amigo, não tem pra ninguém, não tem Petropen. Falo de qualidade artística”, continua.

Mesmo com toda essa riqueza aqui, bem pertinho dos curitibanos, o interesse pela literatura em uma capital que tem tantos escritores ainda deixa muito a desejar. Aliás, essa situação não é nada diferente do resto do país. “O número de leitores de verdade no nosso país é de dar vergonha e nos coloca sempre no rol dos ignorantes, quase analfabetos mesmo. Então, nossas letras boas chegam a um universo um pouco restrito de pessoas que as compreendem de verdade. Mas a música tem o dom de emocionar e levar a poesia mais longe”, complementa.

Sem dúvida nenhuma, o Maxixe dá a sua contribuição para esse cenário, tanto musical quanto literário, de forma magistral. “Acho importante musicar bons poemas. Se tiver que falar alguma coisa, tem que ser ou muito importante ou muito bonito. De qualquer forma, tem que ser sempre da melhor maneira possível. Ou faça música instrumental, que também é sensacional. Já tem bastante gente falando merda por aí… Ou faça o que quiser também, foda-se!”, diz Ferreira.

maxixe2

Uma atitude corajosa

O Maxixe Machine foi formado em 1996. Inicialmente, o grupo era composto por Rodrigo Barros Del Rei e Luiz Antonio Ferreira (vocais e violões), Walmor Goes (guitarra), Therciano Albuquerque (teclado), Jeff Otto e Ricardo Rosinha (percussão).

Na época, o Beijo AA Força já era uma das maiores bandas da história da música curitibana. Portanto, a atitude dos músicos que faziam parte do Beijo foi extremamente corajosa.

Afinal, deixar de lado um trabalho consagrado para investir em um novo projeto não é nem de longe uma coisa usual. “Fomos convidados pelo Johnny Basso para tocar o BAAF desplugado no Café Curaçao, recém-inaugurado por ele. Como estávamos fazendo um repertório bem mais Rock para o Beijo, achamos por bem fazer uma banda para tocar coisas acústicas e mais brasileiras. Eu também andava a fim de tocar cavaquinho e ninguém ouvia o cavaquinho com duas guitarras tocando junto. Então, dei o truque (risos)”, explica.

A discografia do Maxixe conta com seis álbuns, entre CDs autorais, ao vivo e participações em coletâneas: “Barbabel” (1999), “Rumos Musicais – Itaú Cultural 2000/2001” (2001), “Folias de Momo” (2001), “Maxixe Machine e seus Ritmos Elegantes” (2004), “Nosotros que Somos Nós Mesmos” (2006), “O ABC do Lalala” (2008) e “Sambas em Tiro de Guerra” (2012).

Em estúdio, mas principalmente ao vivo, o som do Maxixe impressiona porque, mesmo usando elementos mais acústicos, ele soa de uma forma bem pesada. “Viemos do Punk Rock e do Hard Rock, mas sempre ouvimos e curtimos MPB. Principalmente sambas antigos e o pessoal da Lira Paulistana, uma cena musical muito importante para os anos 1980 de quem se fala pouco, mas que foi do caralho e muito forte. Dali, saíram para a glória o Arrigo, o Premê, o Grupo Rumo, o Itamar, o Língua de Trapo e, pela porta dos fundos, o Patife Band, o Ultraje a Rigor e os Titãs. Outras figuras boas que começaram e/ou passaram por ali foram a Tetê Espíndola, a Vange Leonel, o Kid Vinil, o Paulinho Le Petit, o Jan Tradd… Parece que já tem filme, livro, etc. Paulistas são rápidos no gatilho”, diz.

“Bandeira negra” encerrou uma apresentação marcante não só para o público que esteve presente, mas também para a própria banda. “Para mim foi uma boa ação cultural integrada. O livro é bem cuidado, com uma escrita agradável e bem sustentado com depoimentos interessantes. Enfim, o livro é divertido. Os eventos foram bem organizados, pontuais, na medida do possível, e todo mundo que participou, organizadores e artistas, entrou muito motivado. Isso fez o clima todo ficar muito bom, proporcionando bons shows e uma grata satisfação do público presente. Embora um público modesto no Jokers, pelo tamanho do evento, eu achei satisfatório também, pois tocamos para pessoas interessadas, o suprassumo dos bons ouvintes, enfim, um público tão interessante quanto interessado. Achei 10! Quando tem outro?”, finaliza Ferreira.

Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos da apresentação.

Maxixe Machine - Jokers - 26/10/2017intruders1

Intruders From Mars, jovens!

Em seguida, foi a vez do Intruders levar boa parte do público às lágrimas no Jokers. Afinal, essa foi a primeira reunião da banda em 24 anos. Em seu curto período de vida, o Intruders conquistou muitos fãs com sua música despojada e criativa. No show, JR Ferreira (vocal e trombone), Coelho (guitarra e vocal) Emanuel Moon (bateria) e Gorny (baixo) mostraram porque a banda faz parte da história da música curitibana. Na formação original do Intruders, além de cantar, JR também era responsável pelo baixo. Nessa volta, o trio resolveu chamar Raphael Gorny para exercer a função. “Nós resolvemos pedir ajuda aos jovens (risos)”, disse JR durante a apresentação.

Usando máscaras feitas de pedaços de meia-calça que cobriam a cabeça de cada integrante, em uma referência ao começo da banda, o Intruders abriu o show com “Ana Loo”. Mesmo após duas décadas parado, o punch que o grupo apresentou ao vivo impressionou o público.   O setlist do show foi um desfile de canções que fazem parte da história do underground curitibano. Entre elas, o grupo tocou “Spiderman”, “Los panços”, “Dinosaur” “e Tell me true”, com JR iniciando a música com um sonoro “Fuck you, Mr. President!

A história

A banda foi formada em 1993, após o fim da lendária Julie Et Joe que marcou a cena não somente pelas músicas mas, também, por causa de suas apresentações explosivas. “Os shows da Julie eram superproduzidos! Como o nosso som era Pós-punk, tinha fumaça, luzes e até umas teias de aranha (risos)”, relembra JR.

A banda teve início em um período sensacional para a música curitibana. Pelo que contam os seus integrantes, o grupo estava fadado a nascer de uma forma quase natural. “O 92 Graus (templo da música autoral da cidade, criado por JR em 1992) era no meio do caminho para a minha casa. Naquela época, eu só andava a pé (risos). De tarde, eu sempre ficava ali no Shopping Omar e, na volta, eu passava no 92, batia na porta e o JR sempre estava no porão (risos). Em uma dessas idas e vindas, surgiu o Intruders”, conta Moon.

A primeira demo, “Aiou Intruders”, foi lançada em 1993 e a segunda, “From Mars”, saiu em 1994. No mesmo ano, o baterista Emmanuel Moon sofreu um acidente de carro, que vitimou o vocalista da Relespública, Daniel Fagundes. Enquanto Moon se recuperava, Kako Louis assumiu as baquetas do Intruders. Com essa formação, a banda lançou a demo “Bagacera” (1995).

Na mesma época, o Intruders acabou chamando a atenção do produtor Carlos Eduardo Miranda. Ele escrevia para a Revista Bizz, que era o mais conhecido veículo cultural da época no Brasil. Nessa função, ele já tinha vindo algumas vezes a Curitiba para cobrir os festivais B.I.G (Bandas Independentes de Garagem) e De Inverno.   Miranda, que estava trabalhando no Banguela Records, criado pelos Titãs, ouviu a demo “From Mars” (gravada em Curitiba no Estúdio Solo) e gostou muito.

O selo Banguela era um “braço” da Warner e lançou muitos artistas independentes da época, entre eles, o Raimundos e o Mundo Livre S/A.   Porém, Miranda achou que a banda precisava mudar de nome porque o grupo do baterista do Ramones, Marky Ramone, também se chamava Intruders.  A banda, então, foi transformada nos Magnéticoss no final de 1996. “Nós falávamos para o Miranda que nós éramos ‘From Mars’. A gente era de Marte, porra (risos)! Mas ele insistiu dizendo que o nome já existia”, diz JR. “Nós nunca tivemos gravadora, então, ele falou pra mudar e a gente mudou”, complementa Coelho.  Outra mudança “sugerida” por Miranda foi para que a banda, que fazia suas letras em inglês, passasse a cantar em português e espanhol. “Eu gostava mais do inglês. Era mais espontâneo, do jeito que a gente tinha feito as músicas, e o JR já estava acostumado a cantar. Eu achei esquisito a mudança para portunhol”, opina Coelho.

Feitas as mudanças, o grupo lançou o álbum “La Kukaratcha Wave Music” (1996) já pela Excelente Discos, pois a Banguela havia terminado. Porém, a pressão não acabou por aí, pois o trio recebeu uma “missão” quase impossível de cumprir. “A gravadora tinha uma meta que nos obrigava a vender 7 mil cópias para renovar o contrato. Nós vendemos 4 mil, não atingimos a meta deles, mas o CD vendeu muito bem. Aí, nós caímos fora da gravadora”, conta Coelho. “O Miranda foi muito massa. Foi muito legal ter essa oportunidade de viajar e fazer turnê”, complementa JR.

Coelho acredita que, se a banda fosse mais firme na sua recusa, o resultado final poderia ter sido melhor. “Eu acho que se a gente tivesse batido o pé e insistido em deixar as letras em inglês, teria dado mais certo. Afinal, foi desse jeito que o Miranda ouviu e gostou das nossas músicas”, diz.   Também em 1996, o grupo participou das coletâneas “Borboleta 13” e “Close Up Planet”. Dois anos depois, a musica “Tell me true” fez parte da compilação “Leite Quente” (1998), gravada ao vivo no festival homônimo realizado no Centro Politécnico. No ano 2000, já com Germano Diedrich na bateria, a banda gravou o álbum “Elektro”. As músicas do grupo uniam vários estilos, ente eles, o Ska, o Punk e o Hardcore. “No início, a gente fazia o que desse na cabeça. Não tinha uma direção musical”, diz JR.

intruders2

O reencontro nos palcos

O show no Jokers foi uma volta que há muito tempo era esperada pelo público. O mais surreal é que, como a banda acabou há mais de duas décadas, boa parte das letras e do material acabou sendo perdido.

Por causa disso, JR teve que ouvir as fitas cassete originais e reaprender as letras para que a banda pudesse fazer o show. “Ele pegou um caderninho e ficou ouvindo as músicas no bar e escrevendo as letras”, conta Moon.   Assim, o grupo foi retomando o ritmo de ensaios e reaprendendo a tocar as suas próprias músicas. “O Coelho briga com a gente, mas ele toca em 20 bandas e sabe todas as músicas! Ninguém é igual a ele! Ele chega e diz: ‘Como é que você não lembra? Só faz vinte anos!’ (risos)”, brinca Moon.

Momentos impagáveis

Alguns shows do Intruders são lembrados até hoje pela banda e pelo público. Entre eles, estão as apresentações do grupo abrindo para o TSOL e o Fugazzi.   Daquele tempo, ficaram grandes lembranças que entusiasmam a banda até hoje. “Uma vez, nós fomos tocar em um campeonato de skate em Joinville. Tinha umas caixas de som enormes. Aí, nós começamos a tocar, com as meias na cabeça e empolgados. Não estávamos vendo nada. Eu olhei para o lado e as torres de luz estavam caindo. Tudo parou e eu só escutei um voz dizendo ‘Ferreira, fudeu, para tudo, Ferreira’ (risos)”, relembra JR.

A volta para casa também acabou se tornando uma odisseia. “Caiu um temporal, um rio de lá subiu uns dois metros e dividiu a cidade ao meio. Eu e o Coelho ficamos de um lado e o Moon no outro. De manhã, todo mundo se encontrou na rodoviária (risos)”, conta JR.

Outra ocasião especial foi quando a banda tocou com o Sex Pistols na primeira edição do festival Close Up Planet, em 1996, que foi realizado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. “Cada camarim tinha um freezer com cerveja. Nós fomos os primeiros a chegar e roubamos tudo! (risos)”, conta Coelho. No mesmo festival, a banda viveu uma situação até certo ponto engraçada com Marky Ramone. “Nós encontramos o Marky nos bastidores e demos um CD da banda para ele. Aí, ele olhou e falou ‘que porra é essa? Intruders?’ (risos)”, diz JR. “Um dia desses eu fui dar uma vasculhada na internet e encontrei uns dez Intruders! Dá para fazer um festival só com bandas que se chamam Intruders (risos)”, complementa.

Mas, se o passado tem a sua importância, o grupo está tentando olhar para frente. Agora, 24 anos depois da sua separação, o Intruders anuncia que está retomando as suas atividades. “Eu nunca quis parar porque sempre achei que a Intruders era a minha melhor banda. Aí, mudamos o nome pra Magnéticoss e o grupo perdeu o sentido. A partir daí, sempre tive a vontade de voltar, mas o JR nunca quis”, conta Coelho.

Realmente, é nítido o entusiasmo da banda para retomar os shows e compor músicas novas. “Hoje, cada um tem a sua vida e as suas coisas pra fazer, mas quando a gente se reúne é legal. Os shows sempre foram bons”, diz JR. “O que vale é que a gente fechou a banda novamente e não vamos mais parar! Agora, não é só o Coelho. Eu também não vou deixar!”, complementa Moon.   “Little punk girl” encerrou a apresentação.

Entre o público, a sensação era a de que uma grande história da música curitibana foi novamente contada no palco do Jokers. “Adoramos o show, pois nada melhor do que voltar com a banda tocando no Jokers no lançamento de um superlivro! Foi muito especial e deu mais certo do que esperávamos, pois ensaiamos pouco e quase não aconteceram erros. Agora, estamos pensando em fazer algo para os 25 anos da banda, no ano que vem”, finaliza Coelho.

Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos da apresentação.

Intruders - Jokers - 26/10/2017

kráppulas1

Kráppulas, quase três décadas de Psychobilly Maldito

O Psychobilly violento do Krappulas encerrou a noite. O grupo é um dos mais antigos e importantes do cenário psychobilly brasileiro. A formação atual da banda, que está na estrada desde 1991, conta com Breno (vocal), David (guitarra e backing vocal), Manolo (baixo) e Cris (bateria).

No início, o grupo se chamava Dráculas Krápulas e pouco depois assumiu a sua identidade atual. As influências musicais do quarteto vão do The Meteors, considerada a principal banda do Psychobilly, até grupos de Heavy Metal, como o Motörhead. O resultado dessa “fusão” é extremamente pesado, principalmente ao vivo.

O grupo começou o show com “Just let me be alone”. Logo de cara foi possível perceber o choque do público ao sentir o peso do som do Krappulas. O setlist teve, entre outras músicas, “Scape from hell”, “Survivor” e “Hell/Shocked”.

A discografia do Krappulas conta com dez trabalhos lançados, entre coletâneas e CDs autorais. São eles: “Dance After Dead” Compacto (1993), “Psychorrendo” Coletânea (1995), “Traidô – Tributo ao Ratos de Porão” Coletânea (1998), “10 anos de 92°” Coletânea (2001), “Escape From Hell” CD “2002”, “Dance With A Chainsaw” Coletânea (2002), “Funeral Music” Coletânea (2003), “Psychoworld” CD (2012), “Bombing Brazil – Tributo ao Motörhead” Coletânea (2013) e “Into the Grave” EP (2013).

kráppulas2O representante do Psychobilly nos dois dias de shows de lançamento do livro foi muito bem escolhido. Afinal, os integrantes do Kráppulas viveram todo esse período que é retratado em “Uma Fina Camada de Gelo − O Rock Autoral e a Alma Arredia de Curitiba”. “Eu tinha dezessete anos na época retratada pelo livro, então, foi muito legal lembrar de um tempo em que realmente pensávamos que a nossa vida seria o Rock e que tinha dado certo. Um tempo depois descobrimos que assinar um contrato com uma grande gravadora (no nosso caso, foi com o selo Pryze Polygram), não significava muita coisa”, analisa Breno.

A cena psychobilly da capital paranaense, aliás, é o melhor exemplo de como as coisas podem dar certo em Curitiba. Afinal, o festival Psycho Carnival (organizado pelo produtor e músico Vlad Urban e sua equipe) chegará, no ano que vem, à sua 19ª edição.

O evento é respeitado e conhecido em todo o mundo. A maior prova disso é que o Frantic Flintstones, uma das mais lendárias bandas da história do Psychobilly, está encerrando as suas atividades e escolheu o Psycho Carnival para fazer seu último show!

Uma versão para “Over the top”, do Motörhead, encerrou a apresentação. “Para mim, foi emoção pura! Essa noite e o livro serviram para mostrar que apesar da sensação de ‘quase famosos’, aquele momento na música rock curitibana foi muito importante e um divisor de águas para a cidade. Essas noites foram de arrepiar graças ao grande Eduardo Mercer e à equipe de produção e comunicação. Obrigado pelo convite!”, finaliza Breno.

Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos da apresentação.

Krappulas - Jokers - 26/10/2017tessália1

Tessália, a volta de uma banda que, há 30 anos, já estava à frente do seu tempo

No mundo musical, existem bandas que, em algum momento, estiveram à frente do seu tempo. A curitibana Tessália é um belo exemplo disso. No final da década de 1980, início dos anos 1990, Luciano Cordoni (baixo e vocal), Fernando Fricks e Dado Figueiredo (guitarras) e Rogério Cordoni (bateria) não pertenciam ao que era feito musicalmente no Brasil, na época. Absorvendo as influências britânicas que geraram inúmeras grandes bandas ao redor do mundo, o quarteto curitibano criou uma obra de primeira grandeza. Nessa sexta-feira, após mais de 20 anos, o grupo se reuniu novamente e relembrou seus grandes momentos. Na apresentação, o quarteto original teve o reforço de Rômulo Machado (baixo).   A banda abriu o show com a belíssima “Falset”. Repetindo o que fazia nos anos 1990, todos os integrantes tocaram vestidos com capas negras, inclusive com capuzes. A ideia é fazer com que o público preste atenção nas músicas e não nos músicos. O setlist do show teve boa parte das canções que a banda produziu em sua carreira, entre elas, “Sleep” e “Ducock”.O som do Tessália tem uma atmosfera única. As guitarras de Dado e Fricks constroem climas que desafiam o senso comum. Usando e abusando das ambiências (delays, echos e reverbs), a dupla cria harmonias que não encontram parâmetro nas bandas brasileiras do gênero. Além disso, Luciano, na maioria das músicas, faz vocalizações, sem cantar nenhuma letra. Essa é uma referência direta à banda escocesa Cocteau Twins e à sua cantora, Liz Fraser.

A história

O Tessália surgiu em 1987 na esteira da cena magnífica que a Inglaterra produziu naquele período. “Tudo estava rolando na Inglaterra, muita música boa, o Pós-punk… Eu tinha um amigo chamado Peco que tinha voltado de lá em 1985 com vários LPs, entre eles, Siouxsie, The Cure, The Cult, U2 e Dead Can Dance’, conta Luciano. Naquele momento, o Tessália acabou nascendo de uma forma bem inusitada. “O meu irmão, Rogério, entrou em uma banda cover chamada Operação Valquíria. Eles tocavam tudo isso, além de outras coisas bem lado B. Eu sempre ia aos shows e já tocava profissionalmente, mas adorava ver o show deles. Daí, um dia, o Rogério propôs que nós pegássemos o mesmo time e eu assumisse os vocais”, complementa. Logo de cara, a banda procurou fugir do lugar comum até na hora de compor. “A ideia era ser bem experimental. Cada um podia tocar qualquer instrumento, porque um baterista tocando teclado acaba tendo ideias diferentes, menos engessadas. A gente apagava as luzes do estúdio e ficávamos horas fazendo jams”, relembra. Os ensaios eram gravados e, depois, a banda ouvia para buscar o caminho que seria seguido. “Isso era uma coisa que o Pink Floyd fazia. A gente lia muito a Bizz e pegava algumas ideias”, complementa. O Tessália foi um dos primeiros grupos no país a incorporar as influências do wall of sound e das ambiências britânicas. “Por ter saído de uma banda cover que tocava muito bem as músicas dessas bandas dos anos 1980, o som realmente era muito bom. Os equipamentos (pedais, amplificadores e guitarras) eram todos de primeira linha e muito parecidos com o que as bandas inglesas usavam”, relembra. O grupo não gravou nenhum álbum, mas participou de duas coletâneas lendárias da música curitibana. A primeira foi “Cemitério de Elefantes” (1989). “Foi muito legal reunir as bandas mais atuantes da época, tocar juntos e tentar criar uma cena autoral. A nossa gravação foi feita em casa, em um estúdio caseiro com um gravador Tascam de quatro canais, um gravador de fita cassete”, conta. A segunda foi “Vampiros de Curitiba” (1991). tessália2

Semelhanças e diferenças

Fazendo um paralelo entre a cena musical curitibana daquela época e a atual, Luciano acredita que o interesse do público era maior. “Curitiba era muito autoral e as pessoas saíam para ver e prestigiar. Os shows autorais estavam sempre lotados e as bandas curitibanas abriam shows de artistas nacionais e até internacionais”, relembra. O choque para quem vivenciou aquele período e, agora, está retomando o seu trabalho, parece ser grande. “Curitiba era muito interessante. Tinha muita banda boa e de vários estilos. Mas era engraçado porque a galera não conversava. Ia aos shows e tal, mas não conversava. Nós íamos a todos os shows. Hoje, eu não vejo isso. Nós não conversávamos, não nos conhecíamos, mas a gente saía de casa para ver bandas autorais”, complementa. Sobre as dificuldades encontradas pelos artistas curitibanos, Luciano também tem a sua opinião. “São vários fatores, eu acho. Curitiba é uma guerra, ninguém ajuda ninguém. Cada banda só quer saber do seu mundo. Não rola um ‘movimento’ unido como em outras cidades do mundo. Eu lembro de uma vez que toquei numa banda autoral e fomos para São Paulo, na revista Trip. Você acredita que várias bandas de Curitiba tinham ido na mesma semana para São Paulo e ninguém falou nada? A revista lançou uma coletânea de bandas curitibanas, mas não foi algo unido. Isso é muito louco.” O vocalista também aborda a questão das bandas tributo que, há muito tempo, são um grande sucesso em Curitiba. “Fica difícil competir. A pessoa acaba se acostumando a ver bandas de músicas que já conhece. É o feijão com arroz, e o autoral é a comida desconhecida, porque as pessoas consomem o que têm, entende? Se você tem feiras culturais com música autoral, as pessoas vão se acostumar a escutar algo novo, mas se você só mostra o que já é conhecido… Acho que é tudo questão de hábito”, diz. “Curitiba é uma cidade estranha. Tanto talento, tantos músicos, estúdios, bares, mas parece que não anda, sei lá. De repente, olhar para trás pode nos dar um norte?”, complementa.

A um passo do mundo

O Tessália chegou muito perto de assinar um contrato com com uma das maiores gravadoras independentes do mundo, a Rough Trade. Naquela época, o selo inglês tinha em seu cast ninguém menos do que o The Smiths. “Fomos algumas vezes para São Paulo, visitamos a Bizz, quase assinamos com a Wop Bop do Violeta de Outono, mas não estava rolando no Brasil. Então, decidimos arriscar tudo e ir para a Inglaterra. Foi muito legal, deixamos fitas-demo em várias gravadoras, entre elas, a 4AD (Dead Can Dance e Cocteau Twins), a Rough Trade (The Smiths), a Mute (Depeche Mode), a EMI (Beatles), a One Little Indian (Björk) e a Real World (Peter Gabriel). Todo esse processo de achar as gravadoras levou algum tempo e muita grana”, conta. Nesse momento, a banda se fragmentou com a volta de Fernando e Dado ao Brasil. “Acho que foi na época em que o Collor congelou as poupanças e o país estava em uma crise econômica total. Eu fiquei, porque tinha investido tudo nessa viagem”, conta. O fato é que a Rough Trade demonstrou interesse e mandou uma carta para a casa do guitarrista Fernando Fricks no Brasil. “Eram outros tempos de telefone, carta e fita cassete. Tudo era muito difícil e a comunicação era demorada. Eu estava morando na Inglaterra e a banda em Curitiba. A Rough Trade gostou e queria mais material. Então, eu voltei ao Brasil para gravar mais músicas, mas algo se perdeu no caminho, não sei bem o quê. A gente até tentou gravar algo no Estúdio Solo, eles seriam nosso selo no Brasil, mas não ficou bom, sei lá…”, continua. Apesar da decepção de não ter conseguido chegar ao mercado internacional, o grupo seguiu em frente por mais algum tempo. “Depois, rolou o ‘Vampiros de Curitiba” com uma música que a gente não gosta, a ‘The pessimist’. Já era o sinal de que algo não estava legal. Nós começamos em 1987, já era 1990, o som tinha mudado muito. Estávamos perdidos. Daí, o Fernando e o Dado voltaram para Londres e eu fui para Boston. Então, eles criaram o Mosha”, diz. Em 1991, o grupo encerrou as suas atividades. “Eu acho que uma banda, assim como um casamento, tem muita energia, e quando as coisas não andam, gera uma tensão muito grande. Acho que se tivéssemos gravado algo ou sei lá… A gente tentou tanta coisa, muitas pessoas apareceram em nossa história, muita gente querendo ajudar, mas não rolou. Destino?”, diz. Quatro anos depois, quando Luciano voltou de Boston, a banda tentou retomar o seu trabalho. “Nós tentamos fazer algumas jams, mas ficou estranho. Acho que só em 2001 rolou o programa do Ciclojam no Paiol, que foi uma tentativa. Também fizemos um show na Fábrica de Letras e Músicas, um projeto muito legal que não deu certo. Começou bem, era um bar só de música autoral. Foi uma semana com muitas bandas legais, mas isso é outra história”, relembra. “Libano” encerrou a apresentação. O show no Jokers mostrou de forma muito clara que o som do Tessália continua atual. A boa notícia é que o reencontro parece ter dado um novo gás à banda. “A ideia era apenas fazer esse show, mas estamos pensando em retomar as atividades. Primeiramente gravar as músicas, ter um CD, ou mais de um. Temos muitas músicas que nunca foram gravadas e que são muito boas. Acho que tem material para uns quatro CDs, um para cada ano da banda”, finaliza Luciano. Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos da apresentação.

Tessália - Jokers - 27/10/2017

sr. banana 1

Sr. Banana, a mais pura veia Pop da música curitibana

O Sr. Banana é, seguramente, uma das bandas curitibanas que mereciam ter construído uma história muito mais longa. O grupo teve apenas três anos de vida e gravou um álbum. Seu impacto no Pop curitibano, porém, é sentido até hoje. A banda não se apresentava ao vivo há 20 anos, mas aceitou o convite especialmente para participar desse show.

O grupo iniciou a apresentação com “Tenho que te ver”. Algumas músicas do setlist se mostraram perfeitamente atuais. É o caso do hit “Dignidade”, que foi composto há mais de duas décadas. Na apresentação, Eduardo Pizatto (guitarra e vocal), Gabriel Teixeira (guitarra), Bruno Balainha (baixo), Lúcio Balainha (bateria) e Fabiano Neves (percussão) contaram com a participação de Luciano Nunes (teclados). “Ele é um puta tecladista e produz muita coisa boa por aqui. Foi muito legal o reencontro. Somos todos muito amigos, não mudou nada. Demos muitas risadas e nos fez muito bem! Muitas histórias juntos, sintonia total”, diz Bruno.

A história

O Sr. Banana foi criado em 1994 por Fabiano Neves (percussão) e por Sergio Soffiatti (vocal). A formação ficou quase completa com as entradas de Bruno Balainha (baixo) e de Eduardo Pizzatto (guitarra).

A concepção musical do grupo era uma mescla de Reggae e Pop, com elementos de Dancehall e Raggamuffin, além de algumas pitadas de música brasileira. “Em sua essência, sempre fomos Pop. O Fabiano e o Sergio chamaram eu e o Eduardo para fazermos uma demo tape de sete músicas. Nós produzimos e essa demo realmente ficou muito boa, diferente de tudo o que existia até então. Era moderno e com uma cara nova. No meu ponto de vista, a demo acabou ficando muito melhor que o disco!”, diz Bruno.

Dali em diante, o principal objetivo era encontrar uma forma de lançar essas músicas. Naquele momento do mundo fonográfico, a única maneira de fazer isso era ser contratado por uma grande gravadora. “O Fabiano, que sempre foi o cara mais empreendedor nesse segmento por aqui, com seus contatos, foi atrás para mostrar as músicas para a mídia e as gravadoras. Igualzinho ao que todas as bandas da época faziam, com os mesmos interesses de alcançar novos ares, fossem elas punks, alternativas, de Metal, de Pop, MPB, etc. Era o caminho normal de qualquer banda. Nesse tempo, acabamos formatando o grupo com as entradas do Lúcio Balainha (bateria) e do Gabriel Teixeira (guitarra). Aí, começaram os shows”, conta.

Percebendo a veia Pop e o potencial comercial do Sr. Banana, várias gravadoras, entre elas a Sony e a Warner, demonstraram interesse em contratá-los. A escolhida pelo grupo acabou sendo a Virgin. A partir daí, a banda partiu para a gravação do seu primeiro álbum, que acabou sendo o único na carreira do grupo. “Sr. Banana” (1995) teve bastante repercussão no país. Três músicas, principalmente, passaram a tocar nas principais rádios do Brasil: “Encontrar”, “Dignidade” e “Ritmo da chuva”.

O contrato com a Virgin previa quatro álbuns. Ou seja, o futuro do Sr. Banana estava traçado de forma muito sólida. Porém o destino reservava algumas grandes surpresas para o grupo. A turbulência começou em 1997, quando, após a boa impressão deixada pelo debut, a banda começava a pensar no seu segundo trabalho.

A primeira teve início com os fatos que culminariam com a saída do vocalista Sergio Solfiatti. “Parecia que ele queria ir para uma carreira solo. No começo, a participação de todos nós era muito mais bem-vinda. Aí, teve uma época em que estávamos começando a conversar sobre o repertório e arranjos para gravar o segundo disco. Então, a própria galera da gravadora nos avisou que ele já havia enviado uma demo para eles, com sei lá quantas músicas, e era de lá que sairia esse segundo disco. Essa demo a gente não tinha nem ouvido!”, conta Bruno.

Esse momento foi crucial para a carreira do Sr. Banana, pois causou uma ruptura que traria consequências para um futuro que se desenhava extremamente promissor. “Todos na banda estavam com várias ideias e músicas na manga. Mas, ali, não era mais banda. Ele queria fazer toda a parte artística sozinho. Nós éramos uma banda, então, não podia ser assim. Aí ele saiu e nós seguimos com o Edu no vocal. Tínhamos vários compromissos e shows para cumprir. Nem pensamos em desmarcar. Seguimos assim até o final”, complementa.

A intenção da Virgin em contar com o Sr. Banana durante, no mínimo, quatro álbuns, mostra que a gravadora apostava muito no som da banda. “Eles tinham em mente, assim como nós, uma carreira mais longa do que acabou sendo. Quando o Sergio saiu, tínhamos o aval da gravadora para continuar e lançar os próximos. Logo em seguida, toda a direção da Virgin mudou, por uma ordem vinda de fora (da matriz). Nessa, os caras que nos deram o aval, que apostavam em nós, saíram. Aí, houve uma limpa geral lá. Saímos nós (existia uma cláusula no contrato que facilitava caso algum dos seis integrantes originais saísse da banda), o Lobão, o Moraes Moreira, a Deborah Blando e sei lá mais quem”, revela Bruno.

Nessa época, a banda acabou gravando um segundo disco com 13 músicas inéditas, que acabou não sendo lançado. “O tempo foi passando e não emplacamos lançar outro disco por outra gravadora. Aí, também não quisemos voltar à estaca zero e lançar de forma independente. Talvez tenha sido um erro, pois o disco estava pronto. Enfim, foi um projeto, planejado e executado até certo ponto, mas ficou incompleto”, analisa.

O Sr. Banana encerrou as suas atividades em 1998 com uma sensação muito clara, principalmente para o público, de que a banda tinha muito mais a construir. “Os shows foram naturalmente diminuindo e não quisemos continuar independentes na época. Talvez esse tenha sido o nosso maior erro”, diz Bruno.

Em uma análise fria, não é difícil imaginar que o Sr. Banana poderia ter seguido o mesmo caminho de outras bandas da época, como o Skank. Afinal, o grupo curitibano é composto por excelentes músicos, além de ter boas músicas e letras. Mas o principal é que banda possuía (e ainda possui) uma levada Pop que não deve nada a esses grupos que, hoje, estão consolidados no país. “A impressão que eu tenho é a de que fizemos muita coisa, mesmo. Parece que a galera daqui não tem noção de tudo o que fizemos e de tudo que aconteceu com o Sr. Banana, na época. Fizemos muitos shows. Até na Jamaica nós fomos tocar. Tivemos músicas em duas novelas da Globo, divulgação, etc. Fizemos muito, mas com certeza faltou muito”, analisa Bruno.

sr. banana 3

Cena antiga x cena atual

Diante de tantas situações e oportunidades vividas pelo grupo, Bruno consegue ter uma boa noção do quanto a cena musical curitibana evoluiu, ou não, desde os anos 1990. “Não sei se mudou tanto. Existem várias bandas de muitos estilos, mas todas, no final, estão buscando algo a mais, alcançar novos rumos, ter reconhecimento pelo trabalho”, diz.

Uma diferença daquele período é o apelido dado pelo VJ da MTV, Fabio Massari. Como profundo conhecedor de música, Massari chamou a capital paranaense de Seattle brasileira. Sua ideia era estabelecer um paralelo entre a cidade norte-americana que foi o berço do Grunge e Curitiba, que abrigava inúmeras bandas no mesmo estilo. “Naquela época, com a história da Seattle brasileira, a mídia acabou olhando mais para cá. Hoje não tem mais essa de gravadora e de barreiras. Tudo é acessível a todos. Você pode produzir um som e mandar no mesmo instante para alguém no outro lado do planeta. E tem muito som bom sendo produzido aqui, como sempre. Além disso, a galera aprendeu a fazer melhor o outro lado, por conta, sem esperar ninguém. Veja o Psycho Carnival, por exemplo. Os caras fizeram e virou um megaevento anual, reconhecido fora do país. Andou. E esse é só um exemplo”, diz.

A importância do resgate histórico

O livro “Uma Fina Camada de Gelo − O Rock Autoral e a Alma Arredia de Curitiba” aborda de forma bem profunda a cena musical curitibana. Bruno ressalta que a obra, além de ser um grande documento, também deixa uma reflexão no ar. “Na minha visão, não podemos ficar só perguntando por que não deu certo, ou tão certo. Tem muita coisa que deu certo, sim! E dá certo até hoje. Para citar apenas algumas, veja a história do Djambi, da Relespública, do Blindagem e do Black Maria! São bandas que estão aí até hoje e fazem sucesso sim, produzem, e a galera consome, gosta, idolatra! Olhe o que foi a gravação do DVD do Djambi nas ruínas ou os shows do Blindagem com a orquestra! E isso está registrado no livro também, eternizado”, analisa.

Uma das mais importantes possibilidades que o livro proporciona é, justamente, a chance de as novas gerações conhecerem essas histórias. “Eu mesmo, que sou daqui e vivo essa história desde a minha adolescência, quando tocava no Boi Mamão, não conhecia todas as histórias mais antigas. Algumas da Contrabanda, por exemplo. É muito bacana ter isso registrado e acessível a todos”, elogia.

O livro também coloca em discussão, entre outras coisas, o fato de nenhuma banda curitibana ter se consolidado nacionalmente. Bruno tem uma opinião bem interessante sobre esse eterno dilema. “Acho que existem bandas retratadas no livro que fizeram e fazem sucesso. Agora, a consolidação nacional talvez seja um lance de relacionamento mesmo. O que atinge o grande público nacionalmente sempre foi e ainda são os veículos de grande mídia, TVs, rádios de rede, etc. E eles estão fora daqui”, analisa.

Dentro desse raciocínio, a rede de contatos e exposição na mídia para os artistas curitibanos acaba restrito à Curitiba. “A relação que temos aqui é mais com a galera daqui. Quando eu vou tocar, encontro a galera das bandas e de mídia daqui. O cara é de uma banda no Rio, sai pra tocar e encontra a galera das TVs, rádios de lá. E esses caras têm um veículo de comunicação com o resto do país muito mais forte. Isso gera muito mais informação para o público de massa sobre essa galera”, complementa.

Bruno também destaca que muitas bandas curitibanas tentaram a sorte fora da cidade. “Alguns tentaram fazer o caminho de ir morar no Rio de Janeiro e São Paulo, mas acabaram voltando. O Blindagem e o Skuba fizeram. Nós do Sr. Banana passávamos bastante tempo também fazendo divulgação. Mas teria que ser uma coisa mais duradoura, mesmo”, diz.

O baixista cita alguns exemplos para ilustrar o seu pensamento. “Veja o Alexandre Nero, que sempre foi um puta compositor, músico e ator. Ele era do grupo Fato, daqui, com uma carreira de sucesso. Foi para o Rio e teve uma oportunidade, muito mais do que merecida, diga-se de passagem! Foi lá, arrebentou e, hoje, além de sucesso, tem uma carreira consolidada e reconhecida nacionalmente. O dilema é esse. Talvez não dependa apenas de olharem mais para nós e nos buscarem aqui (risos). Mas, realmente, os veículos de grande mídia estão em outro lugar. E isso eu acho difícil mudarmos”, afirma.

O futuro começa agora

Essa volta aos palcos, 20 anos depois, parece que vai render mais frutos, pois a banda está planejando uma retomada. “A princípio, era só o show do lançamento do livro, mas tem sido tão bacana que temos pensado em dar continuidade a esse encontro. Gravamos alguns ensaios para sentir como soou e todos curtiram. Também já começou a sair coisa nova”, finaliza Bruno.

Visualizando esse recomeço, o Sr. Banana encerrou o show com “Bashô”, que contou com a participação de Marcelo Silveira, que foi volcalista de várias bandas de Reggae nos anos 1980, entre elas, a African Band. Marcelo terminou o show cantando no meio do público, em uma grande celebração.

Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos da apresentação.

Sr. Banana - Jokers - 27/10/2017reles1

Relespública, Rock’n’roll em sua mais pura essência

Logicamente, em um show que celebrava a música autoral curitibana, não poderia faltar a Relespública. Afinal, Fabio Elias (guitarra e vocal ), Ricardo Bastos (baixo e backing vocal) e Emannuel Moon (bateria) estão há 28 anos levando a bandeira do Mod a todos os cantos do país.

A banda iniciou o show com “Nós estamos aqui”, seguida por uma das melhores músicas do trio, “Better time you have gone”. O setlist ainda contou com músicas de todas as fases do grupo, entre elas, “Garoa e solidão” e “Dê uma chance pro amor”.

Por mais que você já tinha visto milhares de shows da Reles, fica difícil não se impressionar com a energia que a banda tem ao vivo.  Eles são um dos poucos grupos brasileiros que ainda preservam alguns elementos essenciais em qualquer banda de Rock. Espontaneidade, irreverência, pegada, peso, microfonia, tudo isso se faz presente nos shows do trio.

Parece piada, mas não é tão fácil, atualmente, encontrar “Rock em bandas de Rock”. Tudo é planejado, medido, cronometrado e, em muitas ocasiões, falso. Com a Reles, não se finge ser Rock’n’roll.

reles3

“Marcianos” foi dedicada a Eduardo Mercer. Na sequência Fabio Elias ofereceu “Ele realmente era um mod” ao ex-vocalista da Relespública, Daniel Fagundes, falecido em 1994.  Em “Oração de um suicida”, Gabriel Teixeira subiu no palco para cantar com Fabio um trecho de um dos clássicos do rock paranaense.

Sobre o livro “Uma Fina Camada de Gelo − O Rock Autoral e a Alma Arredia de Curitiba”, Fabio faz questão de ressaltar a importância de falar sobre tudo que envolveu a cena musical curitibana até hoje. “Eu já comecei a ler e fiquei muito emocionado, não só por ver a minha entrevista, mas, também, por ver as participações de outros amigos e parceiros da música. É muito importante para a nossa cena ter essas histórias registradas em um livro, que ainda é uma coisa importante pra todo mundo. Eu estou muito feliz porque pela primeira vez essas histórias foram expostas, foi falado a verdade. Eu espero que faça muito sucesso e abra as portas pra todo mundo”, elogia. A banda encerrou a apresentação com “Camburão”.

Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos da apresentação.

Relespública - Jokers - 27/10/2017

black maria1

Black Maria: peso, suingue e alma

A honra de encerrar as festividades de lançamento do livro ficou a cargo do Black Maria. Franco Calgaro (vocal e guitarra), Beto Katz (baixo e vocal), Gabriel Teixeira (guitarra e vocal) e Rogerio Gabardo (bateria) abriram o show com seu maior clássico, “Sr. Sol”. O tecladista da banda, Henrique Peters, não pôde participar da apresentação.

O impacto do som do Black Maria ao vivo realmente impressiona. Entre riffs de guitarra, de baixo e solos, o trio Franco, Gabriel e Beto cria uma massa sonora pesadíssima. “Eu acho que esse peso vem da nossa pegada que é mais forte mesmo”, diz Gabriel, que traz o talento musical no sangue, afinal, ele é filho do guitarrista do Blindagem, Paulo Teixeira.

O setlist reuniu músicas que retratam boa parte da trajetória do grupo, entre elas, ”Jacaré do Barigui” e “Lua”. O som da banda é uma espécie de crossover entre influências que vão do Rock ao Soul e lembra um pouco o Black Country Communion de Glenn Hughes e Joe Bonamassa. “Nós somos muito ecléticos, cada um gosta de uma coisa e isso acaba indo para a música. O nosso barato é misturar tudo”, explica.

O Black Maria nasceu em 1996 e, até hoje, já lançou quatro CDs e um DVD: “Black Maria” (1997), “Demorô” (2000), “Treze Vinte” (2004) e “Ao vivo na Grande Garagem Que Grava” (2008), que também saiu em DVD.

A banda também tem dois CDs gravados, esperando para serem lançados. “Um é o acústico da Mundo Livre e o outro nós gravamos quando o Endrigo Bettega estava na banda. Além disso, nós temos músicas sobrando porque compomos bastante”, diz.

A cena

A banda acaba de passar das duas décadas de estrada e acompanhou tudo que envolve a cena curitibana durante esse período. Gabriel tem uma visão bem clara sobre isso. “Muita coisa mudou. Nós acompanhamos muitas mudanças, não só na cena curitibana, mas, também, no modo como a gente consome música. Isso aconteceu por causa da internet e essa facilidade de encontrar as coisas”, analisa.

Mas, além das novas tecnologias, o guitarrista destaca que há um “choque” de gerações dentro desse processo. “Teve uma renovação muito grande dos artistas de Curitiba. Como eu toco e também produzo uma galera mais jovem, percebo que eles estão vindo com um gás novo. A gente é que perdeu um pouco o gás. Chegou um momento em que a gente cansou um pouco. O Black Maria ficou uns seis anos parado, agora é que a gente resolveu voltar. Eu acho que o que falta é uma renovação do público. Nosso público é mais velho, então é um pessoal que não sai mais por causa dos filhos e tal”, opina.

Mesmo assim, Gabriel ressalta que a cidade, hoje, possui vários locais onde as bandas podem apresentar os seus trabalhos. “Eu não sei se o Rock está com essa bola toda, me parece que não. No autoral, não me parece que as bandas estão tão na ativa quanto estavam. Por outro lado, o 92 continua bombando, esses dias eu toquei no Claymore e estava cheio, ainda tem o Capone e o Seba’s… São bares que não estão localizados tão no Centro e onde eu vejo que o pessoal consome bastante Rock”, complementa.

black maria2

Abrindo portas e mantendo contato com grandes nomes da música

Além do seu trabalho autoral, os integrantes do Black Maria também tiveram uma iniciativa que ajudou a promover a cena local. Durante quatro anos, o grupo organizou o projeto “Segunda que eu gosto” no bar Era Só O Que Faltava.

A ideia era trazer sempre uma banda de música autoral para tocar com o grupo. “Foi um ápice da banda porque a gente ficou muito tempo tocando e movimentando a cena. Nós trouxemos quase 300 bandas nesse tempo todo”, relembra.

O grupo também sempre procurou manter contato com músicos de todo o mundo. Por causa dessa ousadia, por assim dizer, o grupo trabalhou com o baixista do Steel Pulse, Amlak Tafari, e com o ex-guitarrista do Black Uhuru, Vince Black.

A banda também trabalhou com o ex-vocalista do Defalla, Edu K, e com o músico Sergio Dias, dos Mutantes, uma das lendas do Rock mundial. “Ele produziu um CD nosso, o ‘Três e Vinte’. Nós passamos um longo tempo na casa do Sergio em São Paulo e estreitamos muito os laços com ele. Nós acordávamos com ele já contando histórias do Rock”, conta.

A amizade estabelecida com Sergio foi tão grande que acabou resultando em um convite inesperado. “Quando ele viu o Henrique (tecladista do Black Maria) tocar, ele pirou e chamou o cara para integrar os Mutantes nesse revival que dura até hoje. Essa troca foi muito bacana, tanto musical quanto pessoal”, afirma.

A importância do conhecimento

Gabriel destaca a importância do livro escrito por Eduardo Mercer, principalmente para as novas gerações que não viveram esse período. “Acho que ele é um documento muito precioso e um reconhecimento sobre as coisas que foram feitas aqui. É para as novas gerações terem conhecimento das coisas que rolaram na cidade. A nossa cultura musical é muito underground. Essas histórias estão muito nos porões, elas não chegam na maioria da população. O livro é uma tentativa de popularizar essas histórias que Curitiba tem”, diz. “Outro grande lance é que ele consegue reunir toda essa moçada de alguma maneira. Você consegue ver que somos uma grande teia, que está todo mundo entrelaçado, todos têm uma ligação”, finaliza Gabriel.

O Black Maria encerrou o show com “Bala maluca”.Foram dois dias que reuniram bandas completamente diferentes em seus estilos e maneiras de encarar a música. Jornalistas, músicos e fãs circularam pelo Jokers em uma grande celebração de uma cena que precisa vivenciar esses momentos de fortalecimento.

Afinal, uma “cena” é formada por várias engrenagens (bandas, produtores e casas de show estão entre as mais importantes). Entretanto, talvez a principal seja o público pois, se ele não faz a sua parte, todo o resto fica comprometido. Discutir e apoiar a cultura da sua terra é um assunto tão batido quanto essencial.

Confira um vídeo do show e o nosso álbum de fotos da apresentação.

Black Maria - Jokers - 27/10/2017