Texto: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira
Fotos: Rabo de Galo/Divulgação - Naome Rira/Nicole Micaldi - Dopamina/Divulgação

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Mostrar a força da cena musical/empreendedora feminina de Curitiba e a postura antifascista do cenário underground. Essa é a ideia central da 5ª edição do Festival Saia Justa (Antifa Riot Grrrls), que será realizado no sábado (18) no The Cavern Club.

Organizado pela produtora cultural Bruna Marros, o evento terá shows das bandas Rabo de Galo, Naome Rita, Dopamina e Live Transmission. A discotecagem será da DJ Yohrani (Punk 77-97).  “A ideia do festival surgiu em 2017 com o objetivo de juntar bandas autorais curitibanas de diferentes estilos no mesmo palco, trazendo públicos distintos para a mesma festa. Pra mim, além da união do nosso underground, esse festival busca mostrar que a cena curitibana tem mulheres fortes e expressivas que estão no corre buscando se impor nesse meio”, explica Bruna.

Além da parte musical, a programação do evento também terá a participação de Maisa Prado (tatuagem e body piercing), do Ateliê Jolaine Freitas (patchs, bottons, bolsas e outros acessórios), de Amanda Koskur (zines e colagens), de Carol Zica (adesivos), do Aset Aset (zines com temática lésbica/bissexual – traduções de escritoras lésbicas) e da Livraria Vertov (acervo atualizado sobre gênero, feminismo, fascismo, antifascismo e militância).

Haverá sorteio de um piercing íntimo feminino (genital). Para concorrer, é necessário deixar o nome na página do evento e doar uma peça de roupa que será destinada à Associação de Jovens Mães Solo (AJMS). Homens também podem doar roupas, mas o sorteio é exclusivo para as meninas.

Os ingressos custam R$ 10 e podem ser adquiridos na hora. O The Cavern Club fica na Rua Trajano Reis, 326, no São Francisco.

rabo de galo

Uma década de luta no underground

A banda curitibana Rabo de Galo está comemorando dez anos de estrada, o que é um fato raro, ainda mais no difícil cenário da música autoral curitibana. Taís (baixo e vocal), Vanderlei (guitarra) e Christiano (bateria) acreditam que o grande segredo para continuar na ativa é se divertir. “Nós gostamos e nos divertimos muito com tudo que rola nas ruas da cidade ligado à arte ou não. Enquanto é divertido, vale a pena ser feito. Tentamos fazer o máximo para ajudar não só a nossa banda, mas a cena como um todo, juntando estilos, bandas e linguagens. Além de tudo, a amizade é forte, sempre foi. Mesmo que alguns integrantes tenham saído, ainda somos amigos. A diversão e a amizade mantêm essa desgraça em pé!”, diz Christiano.

Nesses dez anos, a banda acumulou várias histórias vividas no underground. “Muita coisa rolou: tretas mil, muitos shows e bebedeira, mas sem dúvida as melhores coisas são as viagens. Com a entrada do Vanderlei e o lançamento do nosso mais recente EP, nós viajamos como nunca tínhamos viajado antes. Recentemente, uma minitour pelo interior de São Paulo marcou bastante a gente. Ela foi agilizada pelo Neri e pelo Netão, baterista e baixista do The Mullet Monster Mafia. O Neri hospedou a gente e foi o motorista da tour. Foi simplesmente uma aventura! Passamos até por uma situação na qual o carro enfrentou uma enchente e quase ficamos presos no meio de um rio com o motor soltando fumaça pra todo lado! Em um dos shows, o segurança do  bar era um mendigo. O Vanderlei também chegou a dormir com o GPS na mão, de ponta-cabeça”, conta o baterista.

Nos últimos anos, a presença de mulheres nas bandas curitibanas vem aumentando com vários grupos incluindo mulheres na formação. Essa “invasão” feminina está acontecendo até no Heavy Metal, um cenário tradicionalmente mais fechado. O Amen Corner, por exemplo, que é um dos maiores nomes do Black Metal no país, hoje conta com a baterista Tenebrae Aarseth.

Taís, que também faz parte do The Shorts e das Cigarras, é uma das instrumentistas mais atuantes na cena curitibana. Com essa bagagem, ela pode avaliar muito bem esse cenário de mudança. “Acredito que seja a posição das próprias mulheres em relação à arte e à música. Deixamos de simplesmente ir a shows para ver as bandas e começamos a criar nossas próprias bandas. A mulherada percebeu que também pode pegar um instrumento, aprender a tocar e compor. Ainda mais com iniciativas como o Girls Rock Camp e o Ladies Rock Camp. Com certeza, muitos frutos surgirão desses projetos! Estamos nos inspirando cada vez mais umas nas outras!”, analisa.

Mesmo no underground, o  Rabo de Galo éuma das bandas curitibanas que mais produz material autoral, seja um clipe, um CD ou a participação em alguma coletânea. “Não somos muito organizados e não temos muito o costume de programar ou criar estratégias. Agora, nos últimos três anos, com a entrada do Vanderlei, tentamos melhorar um pouco esse lado profissional, mas, ao natural, não forçamos muito. Estamos bebendo durante o ensaio e falamos ‘ahhhh, vamos fazer um clipe!’ (no fundo estamos pensando na festa com a galera que provavelmente vai rolar durante e depois das gravações)”, diz Christiano.

Na verdade, o grupo tem noção da necessidade de procurar se manter em evidência no cenário musical de alguma maneira. “Sabemos que uma banda deve se manter ativa, produtiva e interagir com o público. Esse é o maior erro que eu vejo em algumas bandas da cidade: não investir tempo e nem grana no próprio trampo e ficar esperando algo bacana acontecer e depois reclamarem que não têm visibilidade ou algo do tipo! E a grana, às vezes, nem faz falta, é só ter criatividade mesmo. Nós nos divertimos muito com as nossas piras e deixamos rolar. É claro que tentamos fazer as coisas da maneira mais bacana possível e com qualidade, porque não adianta saturar a galera com informação e produção meia-boca. Prezamos por algo estética e conceitualmente interessante, sempre tentando inovar ou resgatar boas ideias”, complementa.

Como parte das comemorações dos dez anos de vida, a Rabo de Galo vai participar do Festival Saia Justa com a intenção de ressaltar os ideais do underground. “Hoje, mais do que nunca, devemos mostrar que a cena underground e o Rock são plurais, subversivos, sem preconceitos e de todos. Ainda que a gente se decepcione com muitos amigos que mostraram sua real face perante o momento político do país, os eventos têm muita cultura e arte envolvidos, e arte é política, é vida. Temos que nos impor e apoiar uns aos outros para fortalecer e mostrar o que produzimos sem medo e para o máximo de pessoas possível. Afinal de contas, essa é a nossa função como artistas, abrir os olhos dos filhas da puta (risos). As minas estão fazendo um ótimo trabalho, então vamos chutar a bunda de ‘bozonazis’ porque isso nos diverte e aquece o coração!”, finaliza Christiano.

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Naome Rita

O duo curitibano Naome Rita tem uma formação instrumental inusitada que conta apenas com Ivy (guitarra e vocal) e Sissy (bateria). “A vida nos obrigou a ser um duo, pois trocamos seis vezes de baixista e decidimos seguir assim. Sempre fomos só nós duas resolvendo tudo mesmo. No começo foi osso, mas nos acostumamos e, na real, passamos até a tocar mais desde que nos assumimos como duo”, diz Ivy.

Na visão de Sisie, contar com um número menor de integrantes apresenta dois lados distintos. “Eu já gostava da ideia de duo, mas não esperava que na prática fosse tudo um pouco mais difícil, principalmente na questão de dividir custos. Por outro lado, a ideia de que as decisões não dependem de tanta gente que talvez não esteja na mesma vibe (o que acontecia muito com outros integrantes) é libertadora”, complementa.

Além dessas dificuldades que já são comuns às bandas curitibanas, a Naome Rita também enfrenta outras que fazem parte do dia a dia das mulheres instrumentistas. “A mulher sempre esteve presente na música, mas tinha pouca ou nenhuma visibilidade. Eu mesma procurei muito até achar uma mulher que tocasse bateria. Isso me fez conhecer bandas lá das profundezas, que ninguém conhecia”, conta Sisie.

Ainda assim, a baterista acredita que essa realidade vem mudando aos poucos. “Antigamente, dava para contar nos dedos de uma mão, mas agora a cena está borbulhando de mulheres bateristas, por exemplo. Hoje, tudo também está mais na superfície, pois a internet deixou tudo ‘à vista’. A gente não depende só do que toca na rádio ou passa na TV. As mulheres que antes eram invisíveis estão se unindo, fazendo eventos, montando grupos de minas que incluem desde técnicas de som a roadies e produtoras. As minas estão chegando!”, complementa.

Nitidamente, as mulheres que batalham por espaço na cena musical brasileira e curitibana, especificamente, se mostram muito mais confiantes com as mudanças que vêm sendo sentidas. “A quantidade de mulheres em bandas vem aumentando no país todo e isso é incrível! As minas estão se organizando, fazendo música, produzindo e tomando seus espaços. A internet contribui demais nisso tudo, pois a comunicação é muito mais fácil assim. Em Curitiba, apesar das dificuldades, isso está crescendo. Gosto muito do que tenho visto e acho que a próxima geração de gurias na música virá com mais sangue nos olhos ainda pra tomar o espaço underground”, analisa Ivy.

Musicalmente, o som da Naome Rita absorve várias influências, mas, essencialmente, apresenta uma mistura de Grunge, Punk e Hardcore. Até hoje, a banda lançou dois EPs: “Demos” (2014) e “Tropical Punk” (2017), ambos disponíveis nas principais plataformas digitais. A banda também participou da coletânea “Curitiba em 3 Acordes” (2017), tocando uma versão para a música “Apocalipse”, do grupo curitibano AAA Malencarada.

Atualmente, Ivy e Sisie estão na fase de pré-produção do novo álbum da Naome Rita. O CD ainda não tem data para começar a ser gravado, mas os custos devem ser bancados por meio de um financiamento coletivo. A campanha deve ser lançada ainda em maio e ficará no ar por aproximadamente três meses. Entre as recompensas que serão oferecidas estão, além do próprio álbum, o CD ‘’Tropical Punk”, camisetas com arte exclusiva e adesivos.

Enquanto a gravação do novo CD não começa, a banda continua a buscar mais espaço no cenário curitibano. “Eu sinto e vejo que nessa cena tem muita banda boa, parceira e de respeito. Grupos que já caíram na estrada com a gente, que ajudam outras bandas, mas que também sofrem com a escassez de lugares pra tocar e com a falta de respeito de produtores e donos de bares. Ao mesmo tempo, essa cena vem se arrastando em um limbo cheio de homofobia, machismo, misoginia, falsidade e saudosismo, e assim é difícil crescer. Ainda temos uma cena adepta da política de ‘boa vizinhança’ e isso é uma merda. Deveríamos viver uma cena musical libertária e acolhedora”, analisa Ivy.

Na visão das integrantes da Naome Rita, ainda é preciso uma união maior das bandas para enfrentar certas situações. “Existe diferença no tratamento dado às bandas femininas e é nessas horas que deve rolar uma união ainda mais forte das minas, como organizar os rolês, conversar e apontar o que está acontecendo de errado”, diz Ivy. “Vejo uma união até certo ponto na cena curitibana. No sentido de que todos os corres de shows dependem única e exclusivamente da gente mesmo. Nisso eu vejo parceria das bandas que acompanhamos. Em relação às musicistas, a gente está conquistando mais espaço do que antes, mas tem muito o que mudar, desde dono de casa de show machista até ‘produtor’ querendo determinar como e o que tocamos para não desagradar gente escrota”, complementa Sisie.

Nesse contexto, tocar em festivais que tratam justamente da presença feminina na música é uma grande oportunidade de ressaltar esses valores. “É extremamente importante mostrar que as minas produzem, organizam, sobem no palco, gravam discos e saem em tour para tocar. É importante essa união, a conversa, o fato de assistir outra banda com minas, mostrar para as mais novas que elas podem subir em um palco, que nós podemos fazer o que queremos e montar o evento que queremos sem precisar de produtor ou dono de bar nos ‘fazendo um favor’’ ou ‘’cumprindo a cota de mulheres no festival’. Que esses avanços continuem e que possamos fazer o melhor para a cena underground com um ambiente mais acolhedor e sem machismo ou racismo, com mais e mais mulheres no palco, na produção, em tudo”, diz Ivy.

A importância de eventos como o Saia Justa é reconhecida pelas próprias bandas como uma oportunidade de catalisar essa luta de forma mais abrangente. “Nós nos julgamos sortudas ultimamente por poder participar de alguns eventos com bandas só de minas ou com minas na formação. No começo do ano, nós participamos do ‘A Beira do Caos’, com o Dopamina e o Gulabie. Isso mostra as mulheres se ajudando, falando para outras mulheres e mostrando que, parafraseando o Girls Rock Camp, ‘a gente pode, a gente faz’, principalmente agora com o Saia Justa versão Antifa, que vem em um momento de apreensão política e social”, finaliza Sisie.

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Dopamina

O trio curitibano Dopamina foi formado em 2017 por Shá (baixo e vocal), Ana Paula (guitarra e backing vocals) e Monique (bateria). Nesses dois anos de existência, o grupo vem buscando espaço no difícil cenário autoral curitibano. “Acho que o underground demanda muita perseverança por parte de todas as bandas. Às vezes é complicado e o reconhecimento é pouco, mas o lado bom é que muitas pessoas estão empenhadas no mesmo objetivo. Quando há um esforço coletivo, vemos as coisas acontecerem”, analisa Shá.

Porém, mesmo diante das dificuldades, o ambiente musical de Curitiba parece estar mudando nos últimos anos, mesmo que lentamente. “Tenho a impressão de que a partir do momento em que começam a surgir bandas com mulheres em uma determinada cena, a coisa vai crescendo exponencialmente. Quando existem grupos com mulheres tocando, nós vemos muito mais minas, inclusive no público. Acho que é uma questão de se ver representada, perceber que o espaço também é seu e que você também pode ser protagonista daquilo”, analisa.

O interessante é que essa maior participação das mulheres nas várias cenas em todo o país também vem sendo sentida inclusive em Curitiba, que tradicionalmente é uma cidade bem conservadora em vários aspectos. “Vi isso acontecer muito nos últimos anos em outros lugares do Brasil com bandas como a Nervosa, a Eskröta e a Ratas Rabiosas, em uma explosão de bandas de minas surgindo e puxando outras pra cima. Ficamos bem felizes de ver que isso também está começando a acontecer em Curitiba e acho que daqui pra frente a tendência é só aumentar”, complementa.

Porém, nem tudo está tão mudado, e algumas atitudes visivelmente ainda precisam ser combatidas. “Do mesmo jeito que encontramos pessoas incríveis e muito apoio, também encontramos algumas com atitudes machistas. Mas vejo que cada vez mais esse tipo de atitude tem sido considerada inaceitável e as pessoas que fazem isso são cobradas pelos seus atos”, diz.

O som da Dopamina tem uma pegada bem Punk anos 90 (com influências de bandas como Bad Religion, Cólera e Garotos Podres) e pitadas de Grunge e de Heavy Metal. A banda já participou das coletâneas “Divulgação Underground em Massa” (2018), “Lets Go Grrls” (2019) e “À Beira do Caos”, que deve ser lançado em breve. A ideia do grupo é lançar o primeiro full length ainda neste ano.

Já a questão da mensagem que é passada nas músicas também é levada em conta. Afinal, historicamente, as bandas de Punk/Hardcore sempre tiveram letras incisivas abordando questões sociais e essa também é uma preocupação do trio curitibano. “Acreditamos que além de diversão, a música é uma importante ferramenta pra espalhar uma mensagem e questionar injustiças. Muitas das nossas músicas abordam esse tipo de tema”, diz.

Conscientes da mudança que a presença das mulheres provoca em qualquer contexto social, o trio Dopamina também ressalta a relevância de festivais como o Saia Justa. “Acho esse tipo de iniciativa muito importante, principalmente para incentivar outras mulheres a seguirem o mesmo caminho. Ficamos muito felizes em fazer parte disso. A primeira vez que eu subi em um palco foi em um festival como esse e para mim foi muito simbólico. É importante formar uma rede de apoio e empoderamento para que vejamos cada vez mais bandas com mulheres na cena curitibana e brasileira de modo geral”, finaliza Shá.