Texto: Marcos Anubis
Fotos: Ivan Shupikov, Facebook Pin Ups e Facebook Tods

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Barulho, microfonia, melodia, doçura e acidez. Todos esses elementos faziam parte da cena Guitar/Shoegaze do final dos anos 1980, começo dos 1990 em todo o mundo. No Brasil, mesmo em um período pré-internet, algumas bandas já estavam conectadas com o que era produzido dentro desses dois estilos, essencialmente com os grupos que estavam surgindo no Reino Unido.

Uma delas era o Pin Ups que, na sexta-feira (4), se apresenta no Jokers ao lado dos curitibanos Tods e Electric Heaven, que também pertencem a essa fantástica geração Guitar brasileira dos anos 1990. Ale Briganti (baixo e vocal), Zé Antonio e Bruno Palma (guitarras) e Flavio Cavichioli (bateria) acabam de lançar um novo álbum, o primeiro desde 1999, e vêm a Curitiba justamente para mostrar as faixas de “Long Time No See” ao público curitibano.

Eliane, Zé Antonio e Ale em uma das formações do Pin Ups

Eliane, Zé Antonio e Ale em uma das formações do Pin Ups

Os primórdios

O Pin Ups foi criado em 1988 por Zé Antonio (guitarra), Luiz Gustavo (baixo), André Benevides (vocal) e Alexandre Kail (bateria). O primeiro show aconteceu no mesmo ano em uma festa da revista Monga na lendária casa de shows Madame Satã, em São Paulo. Na ocasião, a atração principal era o Ratos de Porão.

Quando o Pin Ups surgiu, a questão técnica para fazer algo na linha das bandas que despontavam como as pioneiras no estilo, entre elas o The Jesus and Mary Chain, não era nem um pouco favorável, digamos assim. Afinal, os pedais e outros equipamentos que existiam no Brasil ainda não eram tão bons quanto são hoje e a própria importação desses aparelhos era complicada.

Dessa maneira, tecnicamente, o grupo enfrentou dificuldades para construir o “wall of sound”, uma das características fundamentais do som do Pin Ups e de qualquer banda Guitar. “Equipamento, naquela época, era luxo (risos). Por sorte, consegui um Guv’Nor da Marshall que ajudou a determinar o som do Pin Ups. Mas era tudo feito de maneira intuitiva, nunca paramos para pensar como um instrumento deveria soar. Primeiro porque não tínhamos como comprar o que a gente queria e também por perceber rapidamente que mesmo que eu tivesse uma guitarra igual a do Jim Reid, por exemplo, e o mesmo pedal Shin-Ei, eu jamais soaria igual. Isso tem a ver com o jeito de tocar, com a composição, com a sonoridade dos outros músicos da banda, etc. Então, embora todas as influências já estivessem lá, não procurávamos soar igual a uma banda específica”, explica Zé Antonio.

O álbum de estreia do grupo, “Time Will Burn”, foi lançado em 1989 e se tornou um dos clássicos do movimento Guitar brasileiro. Logo na sequência, Ale Briganti (baixo e vocal) foi incorporada ao grupo. Nos anos seguintes, o quarteto lançou os álbuns “Gash” (1992), “Scrabby?” (1993), “Jodie Foster” (1995), “Lee Marvin” (1997) e “Bruce Lee” (1999). No início dos anos 2000, a banda encerrou as atividades e só fez alguns shows pontuais em algumas ocasiões.

O retorno aos palcos

Em 2015, O Pin Ups resolveu fazer um show de despedida no SESC Pompeia, em São Paulo. Na mesma época, os diretores Marko Panayotis e Otavio Sousa estavam trabalhando no documentário “Time Will Burn” (2016) e o diretor Caio Augusto Braga estava começando a gravar o documentário “Guitar Days – An Unlikely Story of Brazilian Music” (2019). Os dois filmes retratam o período de ouro das Guitar bands brasileiras e, obviamente, trazem o Pin Ups como um dos personagens principais.

Com todo esse interesse na história da geração Guitar brasileira, o que era para ser um show de adeus acabou virando a volta do Pin Ups. “Pela primeira vez, aquela cena da qual fizemos parte foi documentada e isso fez com que diversas bandas voltassem à ativa. Em uma conversa, eu e a Alê decidimos que o Pin Ups não voltaria, mas que deveríamos fazer um show de despedida em agradecimento a esse reconhecimento. Conseguimos uma data no SESC Pompeia, em São Paulo, e felizmente foi sold out. Para a nossa surpresa, a maior parte da plateia era de gente jovem que só nos conhecia pela internet. Foi o melhor show que fizemos e ainda no palco surgiu a ideia de repetirmos o show em cidades importantes para nós, entre elas Curitiba e Belo Horizonte”, revela.

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O novo álbum

Pouco tempo depois dessa decisão, o diretor do documentário Guitar Days pediu ao grupo para gravar uma faixa inédita para a trilha sonora do filme. “Eu fui um pouco resistente porque sabia que teríamos que compor, ensaiar, gravar, mixar, e que isso também teria um custo. Mas ele conseguiu um horário no estúdio Aurora, em São Paulo, e nós gravamos a música ‘First time’. Enquanto estávamos mixando, eu comentei com os donos do estúdio que aquela música parecia um out take de um disco antigo nosso e que se o Pin Ups fizesse um álbum novo teria que ser bem diferente daquilo. Logo, o Carlos e o Aécio do Aurora disseram que adorariam ouvir esse disco e colocaram o estúdio à nossa disposição”, conta.

Estava lançada a semente para a gravação do novo álbum e, em 2018, a banda começou a trabalhar em “Long Time No See” que, sem dúvida nenhuma, é o álbum mais bem produzido do Pin Ups. “Pela primeira vez tivemos o tempo necessário para lapidar as ideias, escolher os timbres, os arranjos, etc. Queríamos trazer alguns elementos novos, por isso, convidamos o Pedro Pelotas do Cachorro Grande para gravar os teclados, o Antiprisma para fazer os backings em duas músicas e a Amanda Buttler do Sky Down para cantar em outras duas. Para fechar, o Jim Wilbur do Superchunk gravou uma guitarra para a faixa ‘Mexican tale’ e até a Eliane, que foi nossa guitarrista, veio de Londres para fazer uma participação”, complementa.

O resultado foi um álbum que retrata todas as influências do Pin Ups, e elas vão além das Guitar bands. “Foi realmente um desafio gravar esse disco novo, mas foi a nossa melhor experiência em estúdio. O Aurora nos acolheu de uma forma muito carinhosa e pela primeira vez terminamos um disco plenamente satisfeitos. Arriscamos em vários aspectos, mas é isso que tornou tudo tão interessante. A produção foi dividida entre eu e o Adriano Cintra (ex-guitarrista do Pin Ups que acabou de se mudar para Portugal, dando lugar a Bruno Palma), que fez um trabalho incrível na pós-produção e durante todo o processo, o que nos deu a certeza de que estávamos no caminho certo”, diz. “Mais duas pessoas foram fundamentais para que esse disco existisse: o primeiro é o Laurindo Feliciano, responsável por todo o projeto gráfico do disco e que nos apresentou ao Bruno Orsini, da Fleeting Music. A segunda é o Rodrigo Lariú, do Midsummer Madness, que sempre é um grande parceiro da banda e um verdadeiro herói da cena alternativa”, complementa.

Com o álbum em mãos, faltava um selo para lançá-lo no mercado. A solução foi uma parceria da Fleeting Music com a Midsummer Madness. “Long Time No See” está sendo lançado virtualmente nas plataformas de música digital, em CD e em vinil. Esse novo formato de distribuição, aliás, também é uma particularidade com a qual o Pin Ups teve que lidar nessa volta aos palcos.

Afinal, a maneira de se relacionar com o público, em uma era na qual as bandas não precisam estar necessariamente amarradas a uma gravadora, é bem diferente dos anos 1990. “Mudou muita coisa. Hoje, existem ferramentas que permitem que as próprias bandas divulguem os trabalhos, como as plataformas digitais, redes sociais, etc. Mas é importante saber como fazer um bom uso de tudo isso. Apenas colocar em streaming não significa que o seu trabalho seja ouvido. O Pin Ups sempre foi uma banda independente, assim, quase sempre nós mesmos divulgamos e distribuímos os nosso trabalhos, com uma enorme ajuda do Lariú do Midsummer Madness. Então, essa mudança em relação às gravadoras não nos afetou diretamente”, avalia.

Os integrantes do Pin Ups em Curitiba, na década de 1990, com a banda Tods e outros personagens da cena musical curitibana da época

Os integrantes do Pin Ups em Curitiba, na década de 1990, com a banda Tods e outros personagens da cena musical curitibana da época

A relação com Curitiba

Desde o início do grupo, o Pin Ups criou uma conexão muito forte com a cidade de Curitiba. Um dos motivos é que muitas bandas da cena musical da capital paranaense, inclusive o Tods e o Electric Heaven, são contemporâneos do grupo paulista. “Curitiba sempre foi um lugar especial! A cena alternativa daí sempre teve força e a cidade tem bandas muito boas nos mais diversos estilos. Definitivamente, é uma cidade musical. Acho que foi a cidade na qual mais fizemos shows fora de São Paulo. Temos muitos amigos por aí com os quais mantemos contato até hoje. Será um prazer tocar aí novamente e poder reencontrar tanta gente querida. Temos certeza de que será muito divertido!”, elogia.

A conexão também se estabeleceu porque, para a cidade de Curitiba, o movimento Guitar foi importantíssimo. Afinal, naquele período, assim como em outras cidades do Brasil, surgiram inúmeras bandas na capital paranaense inspiradas por esse estilo.

Em uma daquelas coincidências que marcam uma cena cultural, em 1991, foi inaugurado o bar 92 Graus, um dos templos do underground  brasileiro até hoje. Na história do Pin Ups, o 92 também foi um palco importantíssimo para que o grupo se consolidasse como um dos principais daquela geração. “Acho que quase todos os shows em Curitiba foram muito bons, sempre intensos, barulhentos e com muita proximidade com a plateia. Tivemos ótimos shows no 92, no Cabaret Pagliacci, no Aeroanta e sempre contamos com o apoio de pessoas muito queridas, entre elas o Abonico (Mondo Bacana), o Neri Rosa (Mofonovo), o J.R. (92 Graus) e o Fabio Elias (Relespública). Sempre nos sentimos acolhidos, Curitiba é a nossa segunda cidade”, afirma.

O legado das Guitar bands brasileiras

Sobre a relevância do movimento Guitar para a cena musical brasileira da época e a ressonância que ela tem ainda hoje, Zé Antonio é ponderado. “Eu adoraria dizer que a cena das Guitar Bands teve uma grande influência na cena musical brasileira. Mas sendo realista, acho que só fomos realmente relevantes para a própria cena alternativa, o que já é um grande feito se pensarmos que estamos falando de uma era pré-internet. É claro que ainda hoje me surpreendo quando algum músico de banda grande cita a gente como influência, mas normalmente é alguém que passou pela cena underground”, avalia.

Uma das grandes vitórias daquela geração certamente foi mostrar aos meios de comunicação em geral que as bandas independentes não deviam nada para as que eram apoiadas pelo mainstream. “Os anos 1990 foram marcados pelo sucesso do Nirvana, do movimento Grunge, que mostrou que bandas menores poderiam ser viáveis em uma rádio, por exemplo”, diz.

Porém, na visão do guitarrista do Pin Ups, o impacto desse boom de bandas independentes acabou sendo momentâneo. “Por um período, houve uma certa atenção para a cena alternativa, mas esse interesse logo passou. Aí, para conseguir alguma relevância, era necessário fazer concessões como cantar em português e seguir algumas regras do mercado, coisas que as bandas alternativas nem saberiam como fazer”, relembra.

Mesmo assim, as Guitar bands continuam sendo respeitadas e permanecem na lembrança de que acompanha o cenário musical brasileiro com mais atenção. “Acredito que, fora do mainstream, a influência daquela cena foi bem marcante. Existiam muitas bandas e artistas interessantes, criativos e inovadores. Espero que a gente possa ter contribuído de alguma maneira”, finaliza Zé Antônio.

Serviço

Os ingressos para os shows do Pin Ups, do Tods e do Electric Heaven no Jokers, que acontece no dia 4 de outubro (sexta-feira), podem ser adquiridos no site Sympla (onde existe a cobrança da taxa de serviço da empresa no valor de R$ 2,50).

Os bilhetes também podem ser comprados no Jokers Pub, na Sonic Discos da Rua 24 Horas (Rua Comendador Araújo, 143, loja 14, Centro), e nas lojas Lucky dos shoppings Estação, Palladium, Ventura, Jockey, Plaza, Cidade, Polloshop e Portão.

As apresentações começam às 21h. O Jokers fica na Rua São Francisco, 164, no Centro.