A apresentação no Armazém Garagem marcará uma pausa nas atividades de um dos mais tradicionais nomes do Punk Rock brasileiro
A banda curitibana No Milk Today está completando 30 anos de trajetória mas, o que seria um momento de comemoração, também marcará o início de uma nova fase na trajetória do grupo.
Ela começa nesta quarta-feira (15), no show que a banda fará no Armazém Garagem, em Curitiba, ao lado dos Inocentes e dos Magaivers. De certa maneira, a apresentação será um ponto final e, ao mesmo tempo, um pontapé inicial em uma nova trilha que será desbravada daqui em diante.
Afinal, durante os próximos dois anos, aproximadamente, Rodrigo “Minduim” (guitarra e vocal), Neto (guitarra), Mauricio Singer (baixo e vocal), e Maurício “Cabelo” (bateria) vão se dedicar exclusivamente à composição e gravação de um novo álbum. “Nós não temos a certeza do resultado, mas essa manobra é necessária. Todos da banda têm um ritmo maluco de trabalho e outras atividades, por isso, o tempo que temos para o No Milk será devidamente utilizado para compor, tentar novas sonoridades e experiências que nos tragam o prazer de fazer música, que é uma das coisas mais importantes de nossas vidas”, explica Rodrigo “Minduim”.
Para gravar o novo álbum, o grupo tomou essa decisão quase radical de interromper todas as atividades para se dedicar exclusivamente ao novo trabalho pois, na concepção do grupo ,esse é o nível de comprometimento que eles precisam ter para chegar a um resultado satisfatório. “A música salva, ajuda, alivia em todos os aspectos! Eu não consigo seguir sem ela! Da forma que está, todo ensaio é para um determinado show e não conseguimos olhar para o lado. Depois de 30 anos, ter somente três álbuns é pouco. Nós e todos que gostam do No Milk Today merecemos mais. Não será um processo rápido, por isso, nos despedimos sem a certeza de sucesso nessa escolha”, complementa.
De uma coisa, a banda tem certeza: o trabalho será grande porque eles ainda não têm nenhuma composição para o álbum, o que é uma garantia de que todos precisarão de muito esforço para criar um álbum que justifique a parada nas atividades.
Basicamente, a banda vai partir do zero, como se tivesse acabado de ser formada. “Vamos chegar ao estúdio, nos apresentar e dizer qual instrumento cada um de nós toca. Será como se fossemos estranhos iniciando um novo projeto”, revela “Minduim”.
As mudanças dos últimos 30 anos
O No Milk Today foi formado em 1993, em uma época na qual a cena musical curitibana estava em evidência no Brasil, pois a cidade tinha grupos dos mais variados estilos musicais e boa parte deles estava conseguindo um espaço no cenário underground nacional.
Atualmente, três décadas após aquele início despretensioso, muita coisa mudou em Curitiba, principalmente, na questão estrutural. “O respeito aumentou. A música autoral não é mais uma aposta na cidade, pois existe uma cena. Ela ainda é deficiente, é verdade, mas existem espaços permanentes em bares e casas”, analisa.
Uma das principais mudanças foi em relação a quantidade de locais que abrem espaço para as bandas autorais, o que é um grande contraste com a realidade dos anos 1990. “Muitos são temporários e outros são resistentes e devem ser sempre incentivados, como o 92 graus, o Jokers e o Lado B. Alguns têm mais estrutura, outros têm mais respeito, e assim vamos sobrevivendo sempre com o tempero do ‘faça você mesmo’. Existem outras casas que também estão se consolidando, como o Belvedere e o Armazém Garagem. Nós não podemos reclamar de Curitiba!”, complementa.
Irmãos de palco
Para participar do show desta quarta-feira (15), o No Milk Today escolheu duas bandas que têm uma relação intrínseca com o quarteto curitibano.
A primeira é o quarteto paulista Inocentes, um dos pilares do Punk Rock Brasileiro que está completando 42 anos de estrada. “Eles são uma escola para nós! Eles têm letras atemporais que podem ser digeridas por todas as faixas etárias, levando a atitude e o comportamento contestador do Punk brasileiro em busca de justiça social. É uma aula de como tocar, se portar, e escrever”, diz.
A segunda é o trio curitibano Magaivers, banda que construiu uma história que se confunde com a própria trajetória do No Milk, afinal, os dois grupos dividiram o palco muitas vezes nos confins do underground curitibano. “Eles são parte da família do Punk Rock da cidade. São nossos irmãos que desde sempre estiveram e estão por perto. É uma das bandas que mais produz, grava, faz shows e leva o seu som para todos os cantos. Temos uma inveja boa deles, pois adoramos os Magaivers!”, complementa “Minduim”.
Poesia e contestação, a cara do Punk curitibano
Desde o início, o No Milk carrega uma das grandes características do Punk Rock curitibano, e que também está presente em outros estilos musicais da capital paranaense: ter letras muito bem elaboradas e que sempre carregam um pouco da presença dos poetas da capital paranaense. “Uma das coisas mais bacanas de Curitiba são os nomes das bandas e a poesia dentro do Rock. Eu acho que é uma característica da cidade. No nosso caso, não somos grandes músicos e nossas composições são de baixa complexidade dentro da técnica musical, mas a banda cresceu e foi reconhecida quando paramos de compor em inglês e começamos a cantar em português”, explica.
Aliás, a identificação do público com o No Milk Today vem muito dessa questão lírica, da preocupação em passar uma mensagem que chegue realmente ao fã. “De todos os nossos ‘poderes’, eu acho que a palavra é o maior, seguido da sonoridade simples que permite que todos cantem e entrem no ritmo já na primeira audição. A palavra tem uma grande força e daí também vem a responsabilidade. O nosso último disco, quando foi escrito, já foi pensando que os pais poderiam escutar com seus filhos, e deu certo. O Cólera, os Inocentes e os Flicts também são assim. Essa talvez seja uma lição que aprendemos com estes professores que o Rock nos deu e que hoje podemos chamar de amigos”, analisa.
Um dos grandes exemplos dessa preocupação com as letras, e com os ideais do estilo ao qual os integrantes do No Milk estão conectados, é a música “Punk Rock do Brasil”.
Aliás, não é nenhum exagero afirmar que essa canção é um dos grandes hinos do Punk curitibano, e a reação do público quando o grupo toca essa música nos shows é a grande prova disso. “Como sempre diz o nosso incentivador e exótico amigo Dudu, baterista da extinta banda/fenômeno Pinheads, essa música é ‘um creme’. A ‘Punk Rock do Brasil’ levou o No Milk a rincões nunca antes alcançados”, conta.
“Punk Rock do Brasil” é uma grande sacada porque foi construída por meio de uma junção de várias partes de letras de grandes clássicos do Punk brasileiro que qualquer fã do estilo sabe de cor. “Os Replicantes nos iniciaram com a ‘Festa Punk’, citando diversas bandas que a gente amava ou que corremos atrás depois de ouvir aquela música para descobrir o que era. A ‘Punk Rock do Brasil’ segue a ideia dos mestres, mas citando trechos de músicas de bandas Punks brasileiras. É uma delícia cantar essa música, algumas partes são frases nossas, completando para que faça algum sentido”, explica.
Com tantas histórias que se confundem com a própria construção da cena musical curitibana, a preparação para esse show está sendo muito diferente para o No Milk, pois não dá para negar que existe uma ansiedade para encarar os fãs pela última vez. “O coração já está apertado! Será difícil viver sem a troca de energia de quem vai aos nossos shows”, diz.
Realmente, para uma banda que está acostumada a ter uma grande conexão com o público, ficar longe desse ambiente não será uma situação nada confortável.
Nos últimos anos, por exemplo, o grupo vivenciou essa relação muito de perto, pois eles fizeram diversos shows em bairros afastados do Centro de Curitiba, fugindo dos locais mais “tradicionais”.
Nessa “peregrinação”, eles viveram muitas situações marcantes. “Encontramos pessoas que, por diferentes motivos, vinham agradecer a influência das nossas músicas em suas vidas. Isso é uma baita surpresa e, também, uma grande responsabilidade. A música tem um poder muito grande e nada supera o Rock ao vivo”, afirma.
Nesta quarta-feira (15), o No Milk Today coloca um ponto “final” nessas três décadas que foram regadas a muito Punk Rock, entusiasmo e amor à música e à cidade de Curitiba. “Ainda sentimos um frio na barriga, da mesma maneira que aquela banda adolescente, um dia, subiu no palco do 92 Graus! Hoje, 30 anos depois, como as barrigas estão maiores, a sensação é mais intensa!”, finaliza Rodrigo “Minduim”.
Para a banda, fica a expectativa do que eles esperam que seja um simples “até logo”. Para os fãs e para qualquer pessoa que goste e valorize a cena cultural curitibana, fica um vácuo de qualidade e perseverança, duas características muito fortes no trabalho do No Milk Today.
Afinal, poucas bandas retrataram (e esperamos que continue a retratar) tão bem a realidade social e cotidiana dos jovens de Curitiba.
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