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Clemente, meio século de postura e opiniões fortes (Foto – Facebook Clemente Nascimento)

Meio século de vida. Essa é uma idade vista como um divisor de águas na vida de um homem. O vocalista e guitarrista do Inocentes e da Plebe RudeClemente Nascimento, está completando 50 anos de uma existência voltada, principalmente, ao punk rock. Em entrevista exclusiva para o Cwb Live, Clemente fala sobre a sua vida, dentro e fora do rock.

O começo do fim do mundo

Início dos anos 1980. O Brasil vivia os últimos suspiros de um regime militar que atrasou o país em todos os sentidos. Em São Paulo, um jovem punk começava a mostrar o seu talento para música. Depois de passar pelos grupos Restos de Nada e Condutores de Cadáver, Clemente Tadeu Nascimento encontrava a banda que, mais do que um canal para expressar as suas ideias, se tornaria parte de sua vida, o Inocentes.

O quarteto atual do grupo, composto por Clemente na guitarra e voz, Ronaldo Passos na guitarra, Anselmo Monstro no baixo e Nonô na bateria, está junto desde 1995. “Cara, essa é a nossa formação mais duradoura. Estamos a 18 anos juntos, é bastante tempo. Gravamos bons discos reconhecidos pelo público da banda, viajamos bastante, passamos por muitos problemas e isso nos fez amadurecer juntos. Estamos em uma grande fase e isso tudo se deve a amizade que temos”, analisa.

Como todo artista brasileiro que não se entrega ao “showbizz”, o Inocentes teve muitas dificuldades para se manter na ativa durante esses mais de 30 anos de estrada. O guitarrista Ronaldo Passos ressalta a postura de Clemente nos momentos mais difíceis que o grupo enfrentou. “Muitas coisas da banda só aconteceram porque ele foi atrás, por isso eu tiro o chapéu para ele. O legal é que ainda tocamos juntos e passamos por um momento bom, a vibração de todos é muito bacana”, conta Ronaldo.

O espírito contestador

A personalidade de Clemente talvez seja a característica que mais chama a atenção no músico. Sem papas na língua, ele não deixa de expressar a sua opinião mesmo sobre assuntos menos confortáveis, mas também sabe ser bem humorado e engraçado.

Alguns segmentos punks, incrivelmente, consideram Clemente, assim como o vocalista do Ratos de Porão, João Gordo, como “traidores do movimento”. Na visão dessas pessoas, os dois teriam se desviado do idealismo e da própria temática musical do estilo. “Ele foi injustiçado por algumas pessoas carentes de sua atenção que o chamam de traidor. Constantemente, ele anda para frente deixando para trás essas pessoas estagnadas e com a mente musical limitada, que não conseguem acompanhar o seu ritmo”, afirma o baterista do Inocentes, Nonô.

Musicalmente, Clemente parece se incomodar com o fato de, algumas pessoas, rotularem o punk rock como um estilo “revolucionário”.  Apesar disso, sua visão política é bem definida. “Cara, esse negócio de ideal punk é muito restritivo. Qual é o ideal punk? Meu ideal é o ideal do Brasil. Punk é político, mas não é política. Sempre fui de esquerda, só isso”, esclarece.

A visão dos amigos

Em alguma manhã dos longínquos anos 1980, o baterista Nonô estava indo trabalhar, sem muito ânimo, acompanhado de seu inseparável walkman. O aparelho era um toca fitas com rádio AM-FM. Basicamente, ele tinha a mesma função que MP3 player, atualmente. Quando a rádio sintonizada por Nonô tocou os primeiros acordes de “Rotina”, um dos maiores clássicos do Inocentes, a melodia e a letra da música chamaram a sua atenção.

O baterista afirma que um dos motivos que despertaram o seu interesse pelo grupo foram, justamente, a mensagem que as músicas passavam. “Comecei a admirar o grande compositor Clemente, um cara que sempre lutou pelo rock nacional e que fez desse meio sua sobrevivência, com uma contribuição inesquecível para o estilo”, explica. Nonô conheceu, de fato, seu futuro companheiro de grupo em uma oficina de música realizada na periferia de São Paulo. “Ele apoiava várias bandas de garagem, inclusive a minha e, em pouco tempo, eu estava me juntando ao Inocentes”, conta.

Outro grande parceiro de Clemente é o guitarrista Ronaldo Passos. Os dois são amigos desde a adolescência e o entrosamento da dupla na construção das melodias do grupo é uma extensão dessa amizade. “Acho que conheci o Clemente em um boteco na Vila Palmeiras onde alguns punks se reuniam para beber e depois ir para algum som. Ele sempre foi gente fina e bem humorado”, relembra.

O empresário Cacá Prates, um dos mais experientes do país, trabalha com Clemente no Inocentes e com a Plebe Rude. Sua opinião sobre o “cliente” também é recheada de elogios. “Ele dispensa comentários. É um profissional exemplar, grande músico e amigo. Tenho o maior prazer em trabalhar com as duas bandas”, afirma.

Histórias

Todo artista tem as suas histórias engraçadas, polêmicas ou curiosas. Após mais de 30 anos de estrada, os membros do Inocentes colecionam várias passagens interessantes.

Ronaldo, por exemplo, guarda algumas particularidades da personalidade de Clemente. Quando os dois se encontravam no famoso bar da Vila Palmeiras, a volta para casa sempre se tornava um problema para Clemente, e para quem o acompanhava. “Quando ele enchia a cara ficava em coma alcoólico e só acordava no ponto final, quando sua casa já tinha passado faz tempo”, relembra Ronaldo.

A capital paranaense também rendeu algumas histórias na carreira da banda. Quando o Inocentes tocou pela primeira vez em Curitiba, na metade dos anos 1980, Ronaldo e Clemente resolveram dar uma volta pela cidade, acompanhados de uma garrafa de vinho. “Pegamos um ônibus para ir sei lá onde. Descemos no centro e pela porta da frente. Lembro que o povo estranhou aquela nossa atitude, pois ficaram olhando dois tipos esquisitos saindo sem pagar”, conta Ronaldo. Depois da aventura sem direção, os dois ligaram para os amigos da banda curitibana Beijo Aa Força e foram “resgatados” no Largo da Ordem, no centro da cidade.

Uma ocasião especial marcou a relação de Cacá Prates com o Inocentes. O empresário ajudou a produzir o festival “O fim do mundo, enfim!”, realizado no ano passado no SESC Pompéia, em São Paulo. O evento foi uma reedição do mítico show “O começo do fim do mundo”, realizado em 1982 e que reuniu boa parte do cenário punk da época. Segundo Cacá, esse foi um dos momentos mais representativos da sua história com a banda. “Conseguimos participar do programa Altas Horas onde ele foi entrevistado e tocou com o Inocentes. Esse foi um momento mágico na carreira dele. Percebi a alegria estampada na pessoa do Clemente!”, relembra.

A vida em “duas frentes”

Fazer parte de duas das mais importantes e contestadoras bandas do rock nacional exige muito trabalho. Clemente entrou para a Plebe em 2004. O guitarrista, vocalista e membro fundador do grupo, Philippe Seabra, declarou em um show em Curitiba, no ano passado, que  deve à Clemente a continuação da história da banda. “O Philippe exagera um pouco, mas acho que é pelo fato de eles estarem, (na época), procurando alguém para o lugar do Jander ‘Ameba’. É muito difícil substituir um cara carismático como ele. Eu tenho as mesmas influências, bebi na mesma fonte e foi fácil me encaixar. Sempre fui fã da Plebe”, explica.

O Inocentes, por sua vez, está preparando um novo álbum, ainda sem nome, com previsão de lançamento ainda em 2013. “Estamos ensaiando. Temos umas quatro músicas prontas e algumas regravações, mas não dá para adiantar muita coisa já que ainda estamos na fase de ensaios e não finalizamos nada”, conta.

Depois de comemorar os seus 50 anos, Clemente se prepara para novos desafios. Além de suas duas bandas, o músico está preparando um novo projeto com a baixista e vocalista das Mercenárias, Sandra Coutinho, outro nome histórico dentro do punk rock brasileiro. “Pretendo continuar vivo, já que tantos amigos se foram bem cedo. Tenho dois discos para lançar, o novo da Plebe e o do Inocentes, um projeto com a Sandra chamado Jack & Fancy, tenho que terminar meu livro enfim, tenho um monte de coisas pra fazer, ainda”, revela.

A reflexão que Clemente faz desse meio século de vida é positiva. “Acho que eu vivi mais alegrias do que tristezas. Não esperava chegar aonde cheguei, gravar tantos discos, tocar na Plebe Rude e no Inocentes, ter virado apresentador e ter três filhos maravilhosos. Dá trabalho mas é bacana”, finaliza.