Texto: Marcos Anubis
Revisão e fotos: Pri Oliveira

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Existem bandas que criam gêneros musicais e definem quais serão os rumos que esses estilos irão tomar. Há mais de 30 anos, Andrew Eldritch e o The Sisters of Mercy deram os primeiros passos do que, nas décadas seguintes, seria chamado de som gótico. Dark, na época.

A formação inicial do Sisters também acabou permitindo que outro ícone desse estilo fosse criado. Após o primeiro álbum do grupo, “First and Last and Always” (1985), Wayne Hussey (vocal e guitarra) e Craig Adams (baixo) saíram para criar o The Mission, banda que também se tornaria uma referência da música sombria.

No último sábado (17), o The Sisters of Mercy mostrou na Ópera de Arame em Curitiba que, mesmo 26 anos após o lançamento de seu último álbum, eles ainda são capazes de fazer shows memoráveis.

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Girl power

Numa iniciativa que deveria ser tomada em todos os shows que acontecem na cidade, a noite teve duas bandas locais fazendo a abertura. A primeira foi a Punkake, e as meninas curitibanas impressionaram pela ferocidade de seu som. Bacabí (vocal), Ingrid Richter (baixo), Lívia Calil (guitarra) e Carol Steiner (bateria) misturam Punk, Rock e até pitadas de New Wave em composições muito criativas.

Devido à equalização (extremamente bem-feita) e à nova acústica da Ópera, os sons mais graves dos instrumentos, como o baixo e o bumbo da bateria, soavam de forma intensa. Essa peculiaridade dava ainda mais peso às músicas e podia ser sentida mesmo nos locais mais distantes do palco.

A mistura do vocal de Bacabí (que tem o punch do Rock’n’roll, mas também lembra grandes vocalistas de R&B e Soul), a guitarra de Lívia (cheia de levadas, distorção e melodia) e a fusão do baixo de Ingrid com a bateria de Carol (responsável pelo peso das canções) surpreendeu quem não conhecia o grupo.

Punkake - Ópera de Arame - 17/09/2016

Uma parceria de peso

A banda apresentou músicas que estarão em seu primeiro álbum, ainda sem nome definido, entre elas “I will never” e “A kiss to the fashion”. O CD foi produzido por Roy Z, guitarrista e produtor de dois CDs do vocalista do Iron Maiden, Bruce Dickinson: a obra-prima “The Chemical Wedding” (1998) e o não menos inspirado “Tyranny of Souls” (2005).

Ele será lançado no ano que vem. “Tivemos alguns contratempos com a mixagem, mas agora as coisas estão bem encaminhadas. Pretendemos lançar um single agora, em outubro, só para já ir dando um petisquinho para a galera que está ansiosa pelos nossos novos sons”, conta Bacabí”. A impressão deixada pela Punkake foi a melhor possível.

Seguras e com uma musicalidade invejável, as meninas do grupo deixaram no ar a expectativa de que um grande álbum deve estar vindo por aí. “A princípio, nós ficamos muito nervosas, com medo da reação do público. Isso por sermos uma banda de abertura e também porque o nosso estilo musical é bastante diferente do The Sisters of Mercy. Mas o palco da Ópera é mágico! Tinha uma energia muito boa, logo na primeira música já nos soltamos e nos sentimos em casa”, diz a vocalista. “A reação do público foi sensacional, muito positiva. Até aplaudiram (risos). O palco era muito grande. Acabamos por não explorá-lo totalmente. Mas eu quero muito mais palcos como esse nas nossas vidas”, complementa. Assista a um vídeo do show, “My beat”.

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Relespública

Na manhã desse domingo (18), em seu perfil no Facebook, o vocalista e guitarrista Fabio Elias revelou como a Relespública começou o seu show na Ópera de Arame. “Chegamos lá e eu disse à produção do show: ‘Não vamos passar o som’. Eles responderam: ‘Não? E os pedais e efeitos?’ Complementei: ‘Não temos. É só plugar e tocar’. Sabe o Rock? Então… é isso!”, disse.

Nesse espírito, indo direto ao ponto, Fabio Elias (vocal e guitarra), Emanuel Moon (bateria) e Ricardo Bastos (baixo) enfileiraram canções que fazem parte da história do rock curitibano, como “Dê uma chance pro amor” e “Garoa e solidão”.

Não foi a primeira vez que a Reles se apresentou na nova Ópera, mas essa parece ter sido uma ocasião especial. “Foi muito bom tocar naquele palco. Chegamos às 18h30 (horário da passagem de som) e não quisemos passar. O som era tão bom que era só plugar a guita e tocar. A Reles, depois desses anos todos, não ensaia nem passa som mais (risos), diz Fabio.

Relespública - Ópera de Arame - 17/09/2016

As manhas da estrada

Realmente, a equalização do som estava muito boa. Todos os instrumentos, nos três shows da noite, puderam ser ouvidos de forma nítida. “Tem um segredo que vou contar para os novatos: chegue no local do show, vá na house mix e troque uma ideia com o técnico de som e iluminação. Leve uma Coca-Cola ou lanche pro cara que está lá desde cedo. Isso funciona! Na hora do show, seu som vai estar redondo e até a crítica vai elogiar”, complementa Fabio.

Os 27 anos de história da Relespública estão sendo reunidos em uma biografia escrita pelo jornalista Sandro Moser. Também está sendo produzido um documentário, dirigido pelo documentarista Frederico Neto, que contará a carreira do grupo. A data de lançamento dos dois trabalhos ainda está sendo definida.

Vale ressaltar o respeito que o público teve com as duas bandas curitibanas. Apesar de terem estilos completamente diferentes da atração principal, os fãs do Sisters entenderam que a iniciativa de ter artistas locais abrindo o show precisa que ser valorizada. Assista a um vídeo da apresentação, “Dê uma chance pro amor”.

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O cair das trevas

Perto das 22h, o clima sombrio já dominava a Ópera de Arame. Gelo seco e fumaça cobriam cada centímetro do palco. Quando o teclado pré-gravado de “More”, começou a soar, as silhuetas fantasmagóricas de Andrew Eldritch (vocal), Chris Catalyst e Ben Christo (guitarras) surgiram perante seus súditos.

Nos shows, a banda ainda conta com uma “entidade” muito especial ao seu lado. Afinal, se o Iron Maiden tem Eddie e se o Megadeth tem Vic Rattlehead, o Sisters também tem o seu “mascote”: Doktor Avalanche, uma bateria eletrônica Oberheim DMX que acompanha a banda desde o seu início. Além dos ritmos, de quebra, o Doutor ainda faz as linhas de baixo.

Na penumbra do palco, luzes vermelhas, azuis e verdes vindas do fundo desenhavam as silhuetas dos músicos. Desde o início, era impressionante presenciar o respeito – na verdade, a veneração demonstrada pelos fãs do Sisters. O setlist teve tanto músicas meio Lado B, como “Amphetamine logic” e “Crash and burn”, quanto grandes clássicos dos anos 1980, como “No time to cry” e “Marian”.

Eldritch se comunicou com o público em pouquíssimas ocasiões. Aliás, toda a fumaça que praticamente encobria os músicos dava a entender que, propositadamente, a banda direcionava o foco do público para a música. A experiência sensorial deveria estar voltada para os climas fantásticos criados pelas guitarras cheias de delay e ambiências de Catalyst e Christo, para as batidas hipnóticas de Doktor Avalanche e, obviamente, para o vocal sinistro de Andrew Eldritch.

Durante a apresentação, ficou claro que a voz de Andrew já não demonstra o mesmo tom grave que sempre a caracterizou. Em alguns momentos ela perdia a força, mas o vocalista aprendeu a recriar certas passagens das canções cantando-as de forma menos empostada.

The Sisters of Mercy - Ópera de Arame - 17/09/2016

Originalidade

Normalmente, o uso de baterias eletrônicas deixa as músicas de uma banda menos orgânicas. No caso do Sisters, essa característica faz parte do som do grupo. A timbragem de Doktor Avalanche é responsável pela batida mântrica que, de certa forma, hipnotiza quem gosta do som do grupo. Sem dúvida nenhuma, o som do Sisters não seria o mesmo sem ele.

Após “Flood II”, a banda saiu brevemente do palco. No retorno, eles tocaram a bela “Something fast” e os clássicos “Lucretia my reflection” e “Vision thing”. Na sequência, o grupo se retirou pela segunda vez e, poucos minutos depois, voltou para encerrar a apresentação com “First and last and always”, “Temple of love” e “This corrosion”.

Quando Eldritch, Catalyst e Christo saíram do palco agradecendo silenciosamente os fãs, o sentimento era de que o show do The Sisters of Mercy em Curitiba havia sido um acontecimento inesperado. “O show foi fantástico e teve um setlist sensacional. A voz do Eldritch continua especial e me arrepiei com ‘No Time to cry’, ‘Marian’, ‘First and last and always’ e, a que eu mais queria ver, ‘Temple of love’. Mas para ser perfeito mesmo, a voz poderia estar um pouquinho mais alta e ter menos, muito menos fumaça. Em vários momentos eu não consegui enxergar ele no palco. Mas me senti realizado!”, disse o administrador Joel Zolnier.

Com apenas três álbuns lançados, “First and Last and Always” (1985), “Floodland” (1987) e “Vision Thing” (1990), o Sisters fez o suficiente para marcar o próprio nome na história da música. A prova disso é que a influência do grupo é sentida até hoje, inclusive em outros estilos como o Heavy Metal. Bandas como o Paradise Lost (que chegou até a gravar uma versão de “Walk away”) declaradamente incorporaram elementos criados por Eldritch.

Duas músicas fizeram falta no setlist: “Black planet” e “Walk away”. No entanto, a essa altura do campeonato, ninguém esperava ver em solo curitibano uma das bandas mais importantes dos anos 1980. Talvez essa tenha sido uma oportunidade única.

Assista a quatro músicas do show: “Dominion/Mother Russia”, “This Corrosion”, “No time to cry” e “Marian”.