Texto: Marcos Anubis
Fotos: Caio Duran

O show marcou a retomada dos grandes eventos na Pedreira Paulo Leminski após mais de dois anos de incertezas



A música me salvou! Quantas vezes você já ouviu alguém dizer essa frase e, ou não entendeu, ou não levou a sério o que ela significa? Pois bem, em poucos momentos da história da humanidade, essas palavras fizeram tanto sentido, afinal, nenhum ser humano no mundo saiu ileso da pandemia (que ainda não acabou). Na verdade, para muitas pessoas, após dois anos de perdas afetivas e financeiras, o peso emocional que a Covid-19 impôs foi quase impossível de suportar.

Nessa quinta-feira (28), a banda estadunidense Kiss fez com que as mais de 20 mil pessoas que lotaram a Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, pudessem expurgar um pouco desse peso terrível.

Junte a isso o fato da “End of The Road World Tour”, teoricamente, ser a despedida do grupo após 49 anos de uma trajetória que faz parte de qualquer fã de Rock e você terá uma daquelas noites realmente inesquecíveis.



God gave Rock’n’roll to everyone

Perto das 21h30, quando a imagem dos integrantes do Kiss se movimentando nos bastidores surgiu no telão, os fãs da banda sentiram um alento no coração. Afinal, esse reencontro com o grupo estava sendo aguardado desde 2015, quando eles se apresentaram pela última vez na capital paranaense.

Além disso, desde 2020, o show foi adiado em duas ocasiões por causa da pandemia, o que fez com que muitos fãs chegassem a perder as esperanças de que o grupo voltaria ao Brasil. Enfim, esse dia chegou e cada minuto de espera acabou valendo a pena!

Antes de pisarem no sagrado palco da Pedreira, Paul Stanley (guitarra e vocal), Gene Simmons (baixo e vocal), Tommy Thayer (guitarra), e Eric Singer (bateria) foram anunciados com a tradicional frase: “you wanted the best, you got the best, the hottest band in the world, Kiss”!

Na sequência, após a retirada da gigantesca bandeira com o nome da banda, que fechava toda a frente do palco, o grupo iniciou o show com o clássico “Detroit Rock city”, seguido por “Shout it loud”.

Entre o público, o clima era de contemplação total porque todos estavam vivenciando algo que não fazia parte do cotidiano das pessoas desde o início de 2020. A partir desse momento, os fãs foram levados a uma viagem pelos quase 50 anos de vida do Kiss, embalados por músicas que marcaram essa história.

Na sequência do show, Gene Simmons assumiu o vocal para cantar “Deuce” e “War machine”, na qual uma animação elaboradíssima foi mostrada no telão.

“Heavens on fire”, que tem um dos clipes que melhor representa o Rock dos anos 1980, veio em seguida. Qualquer fã que se preze lembra perfeitamente do início do vídeo, no qual os dedos de Paul Stanley estão pegando fogo e ele solta um de seus gritinhos inconfundíveis.

Depois, a banda tocou “Psycho circus”, um dos destaques do repertório do grupo no final dos anos 1990. No telão, uma animação gráfica fazia alusão ao clipe da canção e colocava o quarteto literalmente dentro de uma arena de circo.

Um dos momentos mais aplaudidos do show foi a tradicional encenação na qual o personagem “The Demon”, encarnado por Simmons, cospe sangue antes de “God of thunder”. Durante a música, uma plataforma ergueu o baixista até o teto do palco, em meio a muita fumaça e raios surgindo no telão.

Depois da cena sanguinária protagonizada por Gene, foi a vez de Paul Stanley subir em uma tirolesa que foi levada até o palco e viajar por cima da área VIP. Depois do rápido passeio, no qual ele foi parar em uma plataforma montada ao lado da torre de som e luz, em meio aos fãs, Stanley cantou “Love gun” e “I was made for lovin’ you”.



Clássicos, pirotecnia e um show de luzes no “maior espetáculo da Terra”

A alcunha de “maior espetáculo da Terra”, afirmada aos quatro ventos pelo Kiss, fica realmente muito perto da realidade. Afinal, a produção dos shows da banda é algo que impressiona os fãs e muda a cada turnê.

Obviamente, nas apresentações que podem ser as últimas da história da banda, essa parafernália não poderia ficar de fora. Um desses recursos, talvez o que mais chame a atenção, eram as labaredas gigantescas se erguiam no palco e marcavam o andamento de algumas canções. Quando elas eram usadas, aliás, a onda de calor era tão forte que chegava até ao público que estava no fim da área VIP.

Outros artifícios usados para para compor o clima do show foram os fogos e as luzes, incluindo o raio laser.

Para transportar os equipamentos nos shows pelo Brasil, estão sendo usados aproximadamente 70 caminhões, sendo 30 só para o palco e 40 para som, luz, telões, camarins e tendas.

No palco, que varia de tamanhanho de acordo com cada espaço, 60 elevadores fazem o trabalho pesado de erguer e baixar as plataformas que cada um dos quatro músicos utiliza durante a apresentação. Para cuidar de toda essa estrutura, a banda conta com um staff de aproximadamente 100 profissionais.

Ou seja, o Kiss não economiza na hora de oferecer o melhor experiência possível aos fãs.



Eric Singer e Tommy Thayer

Naturalmente, por serem os fundadores da banda, o protagonismo nos shows do Kiss recai sobre Paul Stanley e Gene Simmons. Porém, é impossível não notar o quanto Eric Singer e Tommy Thayer contribuem musicalmente nas apresentações e nos discos.

Apesar de se mostrarem mais discretos em uma comparação com Paul e Gene, os dois se destacam em todas as canções, cada um a sua maneira: Thayer com solos cheios de melodia e riffs marcantes e Singer com a batida hipnótica que tanto caracteriza o som do Kiss.

A qualidade dos dois fez, inclusive, com que eles conquistassem o direito de protagonismo em dois dos três espaços do show dedicados aos solos (o outro é de Gene Simmons). No momento de Thayer brilhar, ele utiliza um efeito no qual a guitarra “atira” e acerta uma das plataformas que ficam posicionadas acima da banda. Já o solo de Eric Singer tem direito até a um voo, pois a base na qual a bateria fica localizada é elevada quase até o teto do palco.



Gerações de fãs de todas as partes do país

No setlist do show na Pedreira, os fãs mais fervorosos foram presenteados com cinco músicas old school, aquelas que só os que realmente acompanham de perto o trabalho do grupo conhecem: “Cold gin” e “100,000 years”, do autointitulado álbum de estreia da banda, lançado em 1974, “Say yeah”, que faz parte do disco ao vivo “Sonic Boom” (2009), “Calling dr. love”, do álbum “Rock and Roll Over” (1976), e “Tears are falling”, do álbum “Asylum” (1985).

Na Pedreira, estavam presentes fãs de diversas faixas etárias, de casais de idosos a jovens. Entretanto, o número de crianças acompanhadas dos pais era impressionante, o que mostra que a paixão pelo Kiss continua sendo passada de geração a geração.

Um desses fãs de carteirinha era o baterista da banda carioca Gangrena Gasosa, Alex Porto, que veio do Rio de Janeiro só para assistir a despedida do Kiss.

O primeiro show do grupo estadunidense que Alex presenciou foi no festival Monsters of Rock, que foi realizado em 1994 no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Dali em diante, ele esteve presente em sete apresentações do Kiss no Brasil, contando com a dessa quinta-feira, em Curitiba.

Alex, inclusive, também toca em uma banda tributo aos ídolos, a Dressed To Kiss. Assim, com toda essa ligação afetiva com o grupo criado por Gene Simmons e Paul Stanley, o baterista teve a chance de vivenciar vários momentos que ficaram marcados na memória.

Porém, ele confessa que acompanhar esse show de despedida foi uma ocasião mais do que especial e gerou emoções bem antagônicas. “Fiquei muito feliz por ver mais uma vez minha banda favorita, que deu início a todo o amor que sinto pela música e fez com que eu me tornasse músico. Porém, rolou um pouco de tristeza no final do show quando eu percebi que ali estava se encerrando um ciclo”, diz Alex Porto.



O adeus

Na parte final do show, Eric assumiu os vocais para cantar (e muito bem) a clássica “Black diamond”. Em seguida, ele deixou a bateria para tocar piano (sozinho no palco) e interpretar a belíssima balada “Beth”, do álbum “Destroyer” (1976).

Então, para preparar o grand finale, e já com todos os integrantes de volta ao palco, o grupo tocou “Do you love me”. Durante a música, alguns integrantes do staff da banda jogaram várias bolas gigantescas para que o público se divertisse.

Então, veio o momento esperado por todos os fãs: a grande festa ao som de “Rock’n’roll all night” em meio a um mar de papéis brancos e vermelhos que eram jogados em cima do público por vários canhões de ar posicionados em torno da área VIP.

Parecia que a banda realmente entendia que o momento merecia uma grande celebração da vida e da relação inquebrável com o público que sempre apoiou o grupo.

Assim, após ver a plateia dançar, pular, cantar e agradecer ao Kiss pelo quase meio século de serviços prestados ao Rock’n’roll, Paul Stanley se despediu brevemente do público dizendo “nós amamos você, Curitiba”!

Em seguida, as luzes foram apagadas e, quando reacenderam, a banda não estava mais no palco. Na penumbra, uma gigantesca mensagem mostrando a frase “Kiss loves you Curitiba” apareceu no telão, com a belíssima “God gave Rock’n’roll to you II”, tocando no sistema de som. Nesse momento, não existia uma viva alma dentro da Pedreira que não estivesse derramando lágrimas.

Esse misto de tristeza e alegria era perfeitamente compreensível porque uma pergunta ficou no ar: será que os fãs realmente nunca mais terão a oportunidade de estar ao lado do Kiss? “Os próprios integrantes do grupo costumam dizer que os personagens Starchild, The Demon, Catman e o Spaceman são eternos e, enquanto existir a Kiss Army, a obra da banda jamais será esquecida!”, afirma Alex Porto.

Uma coisa é certa: o show do Kiss em Curitiba foi mais do que um grande espetáculo de Rock’n’roll protagonizado por um dos ícones do estilo, que está se despedindo dos palcos. Ele serviu para trazer os fãs de volta a uma realidade que parecia distante e quase irrecuperável.

Afinal, se as mazelas da pandemia ainda ressoam entre nós, a música foi capaz de provar mais uma vez que ela faz toda a diferença na vida das pessoas.

Confira os vídeos das músicas “Rock’n’roll all night”, “Lick it up” e “Detroit Rock city”, gravadas ao vivo no show do Kiss na Pedreira Paulo Leminski.

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