O grupo de Brasília se apresenta neste sábado na Pedreira Paulo Leminski, ao lado de outros gigantes do Rock brasileiro

“Nós temos um compromisso com o Rock brasileiro e com a música. Ela é a minha vida, eu não me vejo fazendo outra coisa”, afirma o baterista do Capital Inicial, Fê Lemos, que conversou gentilmente com o Cwb Live antes do show que banda fará neste fim de semana em Curitiba.

Esse ânimo que parece inacabável faz todo sentido, afinal, quantas bandas no mundo conseguiram chegar aos 40 anos de trajetória se mantendo criativas e produzindo material novo? Pouquíssimas, em qualquer gênero.

A explicação para o que, normalmente, significa um curto prazo de validade envolve muitos fatores que afetam a história de qualquer grupo, entre eles, as brigas internas, as mudanças na formação, o declínio criativo ou mesmo as mortes dos integrantes.

Neste sábado (26), o Capital Inicial vai celebrar em Curitiba essas quatro décadas de vida, pois a banda fará parte da esperada volta do festival Prime Rock Brasil, na Pedreira Paulo Leminski.

Criado em 2018 pela produtora curitibana Prime, o evento surgiu com o propósito de valorizar a geração de bandas que, nos anos 1980, transformou o Rock brasileiro em um produto popular e viável comercialmente.

A expectativa é muito grande porque essa é a volta do Prime Rock à Curitiba após dois anos de restrições por causa da fase mais pesada da pandemia.

Por esse motivo, a ansiedade dos fãs e das próprias bandas e artistas que farão parte do evento é imensa. “O Prime Rock Brasil é a maior iniciativa que une exclusivamente bandas de Rock brasileiro. Existem outros festivais pelo Brasil, mas nenhum tem o porte e a ambição do Prime. É um privilégio ter a chance de participar de uma iniciativa dessas!”, diz.

Além do Capital Inicial, outras seis atrações também farão parte do lineup: Nando Reis, Paula Toller, Titãs, Jota Quest, Blitz e Humberto Gessinger. A abertura será do trio paulista Colomy.

O disco de estreia, um marco do Rock brasileiro

Formado em 1982 na cidade de Brasília pelos irmãos Fê (bateria) e Flávio Lemos (baixo) e pelo guitarrista Loro Jones, o Capital Inicial alcançou o sucesso logo no primeiro álbum, quando a banda já contava com o vocalista Dinho Ouro Preto.

O disco, autointitulado, foi lançado em 1986 e trazia canções que até hoje são referências quando o assunto é o Rock brasileiro.

Entre elas, estão “Música urbana II”, “Fátima” e “Veraneio vascaína” (canções do Aborto Elétrico, banda da qual Fê Lemos fazia parte antes do início do Capital, ao lado de Renato Russo e do guitarrista sul-africano André Pretorius).

Quarenta anos depois, essas três músicas continuam fazendo parte do repertório dos shows do grupo e são algumas das preferidas dos fãs. “Em minha opinião, ele é o nosso melhor momento. Nós estávamos trabalhando naquele repertório desde o início da banda e só fomos gravar em 1986. Foram quatro anos de ensaio e de preparação”, conta.

Além do destaque que o álbum proporcionou ao grupo, ele também seria o responsável por uma mudança na formação do Capital.

Ela aconteceu porque o tecladista Bozzo Barretti, que assinou a produção musical do disco, passou a fazer parte da formação da banda no ano seguinte.

Outro figura importante naquele debut do Capital foi o produtor Marcus Vinícius, que atuou como uma espécie de mediador entre o som que o grupo queria e o que poderia ser alcançado no estúdio. “Ele conseguiu transformar aquela sonoridade de um quarteto Pós-Punk de Brasília em um disco único. Esse álbum tem canções belíssimas, letras inteligentes, é um retrato de uma época do Brasil. Nós conseguimos alcançar uma sonoridade que ultrapassou até os limites que a gente tinha”, analisa.

Nos anos seguintes, o Capital lançou outros álbuns que foram importantes na trajetória da banda, entre eles, “Independência” (1987) e “Eletricidade “(1991).

Entretanto, o disco de estreia não perdeu o brilho e permanece como um dos mais importantes na história do grupo. “Eu acho que nós conseguimos a melhor alquimia. Eu sou suspeito para falar, mas acho que ele é um marco do Rock brasileiro”, afirma.

Neste fim de 2022, a banda não tem nenhum material novo para ser lançado, mas a possibilidade de um novo disco sempre está no radar do grupo.

Música, amizade e respeito aos fãs

Depois daqueles mágicos momentos de 1986, para se manter na ativa, o Capital precisou superar inúmeros obstáculos, entre eles, algumas mudanças na formação. As mais traumáticas foram as saídas de Dinho Ouro Preto, em 1993, e de Loro Jones, 2001.

Dinho voltaria para a banda em 1998 e Loro foi substituído pelo ex-guitarrista do Viper, Ives Passarell, que manteve no Pop Rock do Capital a mesma qualidade técnica que apresentava no Heavy Metal.

Entre os motivos que fazem o Capital chegar às quatro décadas de vida está a clara percepção que todos os integrantes demonstram, no sentido de entender o quanto essa situação é rara e precisa ser valorizada. “Eu tenho o privilégio de ter formado uma banda e conseguido sucesso com ela e isso é motivo de muito orgulho! É algo muito precioso que eu tenho que cuidar de todas as maneiras. Eu acho que esse compromisso se reflete em todos os integrantes do Capital. Nós temos amor pelo que a gente faz”, diz.

Essa conexão com o público certamente tem muito a ver com uma das maiores características da geração de bandas brasileiras dos anos 1980: a forte preocupação com as letras das canções. “Uma das características da geração de Brasília é procurar escrever canções nas quais a letra não seja só algo para o cantor cantar (risos), mas que tenha conteúdo, um sentido, uma percepção sobre o mundo ou uma crítica. Isso não é restrito ao Rock de Brasília. Você também vê no Rock de São Paulo e do Sul do Brasil”, avalia.

Naquela época, de maneira geral, era muito raro ver um grupo que não tivesse alguma mensagem no texto das músicas e o Capital Inicial não fugia a essa quase regra. “A letra é muito importante no Rock brasileiro e eu acredito que os fãs prestam atenção no que estamos dizendo. Não é uma música só para você dançar e pular, mas também para pensar. Eu acho que isso aproxima os fãs da banda”, afirma.

O baterista sabe bem o que está falando porque, além de cuidar do ritmo do Capital Inicial, Fê ainda compôs as letras de algumas das músicas mais emblemáticas do Capital. Entre elas, estão “Independência”, “Leve desespero”, “Gritos”, “Autoridades” e “Descendo o Rio Nilo”.

Um dos motivos que podem explicar essa preocupação com as letras vem da influência muito grande que a cena brasileira recebia do Punk Rock de bandas como o The Clash, os Sex Pistols e os Ramones. “Era uma música de contestação, de crítica à sociedade, a valores estabelecidos que deveriam ser questionados. Nós nunca largamos essa pegada. É claro que, com o passar do tempo, você diversifica e pode tomar rumos mais ousados ou conservadores, como escrever uma canção de amor, por exemplo”, diz.

A paixão pelo palco e a celebração da longevidade

O show na Pedreira faz parte da turnê “4.0” que celebra, justamente, as quatro décadas de vida do Capital Inicial.

O conceito dessa tour começou a ser formatado em 2018, quando a banda estava trabalhando em um projeto que deveria ser uma comemoração dos 20 anos de lançamento do álbum “Acústico MTV” (2000).

Esse disco foi um divisor de águas na vida do grupo e recolocou o Capital no cenário musical brasileiro após alguns anos de pouco protagonismo. “Os anos 1990 foram uma década particularmente difícil pra gente”, diz.

Entretanto, a banda foi obrigada a deixar de lado a ideia inicial por causa do início da pandemia. Já em 2022, com a volta dos eventos no setor cultural (que coincidiram com o aniversário de 40 anos do grupo) eles resolveram retomar o projeto, mas seguir em um novo rumo.

A partir dessa mudança, o novo show passou a ser uma retrospectiva de toda a trajetória do Capital, o que gerou um setlist composto inclusive por algumas músicas que a banda não tocava há muito tempo ou que nunca tinham sido executadas ao vivo. “É um momento de olhar pelo retrovisor para grandes músicas que a gente compôs, mas que ficaram esquecidas. Ao mesmo tempo, nós precisamos ter um compromisso porque não podemos deixar de tocar os grandes clássicos da banda que o pessoal que vai aos shows gosta de ouvir”, diz.

Essa olhada para o passado fez com que a a banda percebesse que tem um vasto material que pode ser revisitado com mais frequência, inclusive em outros projetos especiais que podem vir a tona posteriormente.

A turnê “4.0” tem direção musical de Dudu Marote (que também dividiu os arranjos das músicas com a banda), produção executiva de Fernando Tidi, direção geral de Luiz Oscar Niemeyer e direção executiva de Luiz Guilherme Niemeyer.

Já a direção de arte é assinada por Batman Zavareze, com o projeto de iluminação ficando a cargo de Cesio Lima. A direção de animação foi de Eduardo Souza e a de fotografia foi de Márcio Zavareze.

Porém, se a banda mudou os rumos do projeto que tinha sido pensado originalmente, uma coisa continua igual: a paixão que o Capital demonstra em cada apresentação. “Quando a gente entrega um show, é com o coração”, diz.

Isso estabelece uma conexão forte com os fãs e fica muito claro quando se faz um paralelo entre as apresentações em festivais gigantes, como será na Pedreira, em relação a eventos em lugares menores.

Afinal, nas duas situações, a intensidade da banda é a mesma. “Eu acho que essa energia e esse comprometimento do Capital, principalmente com os shows ao vivo, é a chave que explica a nossa longevidade e como a gente consegue agradar uma 3ª geração de fãs que nós já estamos encontrando agora pela estrada”, diz.

Essa será a terceira vez que o Capital se apresentará no festival Prime Rock Brasil e, assim como acontece com a maioria das bandas e artistas brasileiros, a Pedreira Paulo Leminski também é um dos locais preferidos do grupo de Brasília. “A Pedreira é um dos lugares mais bacanas nos quais o Capital se apresenta no Brasil! É um lugar histórico, mágico para o Rock brasileiro!”, elogia.

O show em Curitiba também será especial porque marca a volta do Capital à Pedreira depois de todo o período de restrições causadas pela fase mais pesada da pandemia.

Isso traz uma carga emocional ainda maior para a banda, pois o público tem participado intensamente de todas as apresentações que o grupo tem feito durante este ano. “Eu acho que isso tem a ver com esse período no qual todos nós tivemos que alterar a rotina por causa da pandemia”, diz.

Entretanto, apesar da melhora significativa causada pela vacinação, o show em Curitiba acontece em um momento no qual a quatidade de casos de Covid está subindo novamente, principalmente por causa da baixa procura pelas doses de reforço.

Essa realidade não passa despercebida pelo grupo e os integrantes fazem questão de mostrar o quanto é importante que os fãs continuem se protejendo, da mesma forma que a própria banda está fazendo. “Quando nós tomamos as doses da vacina, a gente postou nas nossas redes sociais. Sempre que podemos, nós reforçamos a importância da vacinação e de seguir os protocolos de saúde relativos à pandemia. O Capital Inicial apoia a ciência”, afirma.

A catarse coletiva de “Primeiros erros (chove)”

O álbum de estreia do cantor, músico e compositor Kiko Zambianchi, “Choque” (1985), trazia três músicas que tocaram muito nas rádios da época: a faixa-título, “Rolam as pedras” e “Primeiros erros (chove)”.

Na esteira do boom de lançamentos que estavam começando a tomar conta do país, o disco também fez com que Kiko se tornasse parte daquela geração que mudaria o Rock brasileiro dali em diante.

Quinze anos depois, quando o Capital Inicial foi gravar o projeto “Acústivo MTV”, Kiko foi convidado a reforçar a formação do grupo na gravação do CD/DVD.

Além disso, eles decidiram regravar “Primeiros erros (chove)”, mas não imaginavam que essa decisão mudaria o futuro das duas partes envolvidas no projeto.

Quando o especial foi lançado, para surpresa de todos, a música se tornou um estrondoso sucesso e recolocou não só o Capital, mas também o próprio Kiko Zambianchi novamente sob os olhares do público e da mídia em todo o país.

De lá para cá, a canção se tornou a queridinha dos fãs e ganhou o status de intocável no repertório dos shows do grupo. “É uma música que até as pessoas que não gostam de Rock ou não curtem o Capital também cantam”, diz.

Nas duas edições anteriores do festival Prime Rock Brasil, por exemplo, quando o Capital tocou “Primeiros erros (chove)”, os fãs curitibanos protagonizaram uma das maiores conexões que a banda já sentiu nos shows nessas quatro décadas de história. “Ela é um momento mágico. Mesmo da bateria, eu gosto de olhar para o público quando a gente toca essa canção porque eu não vejo sequer uma boca fechada. É muito especial quando acontece um envolvimento do público, como é com essa música. Isso emociona a gente, realmente, e essa emoção sempre se renova”, diz.

O tempo mostrou que, naquela despretensiosa decisão do ano 2000, tanto o Capital quanto Kiko Zambianchi estavam abrindo portas que mudariam o futuro de ambas as partes. “Mérito para o Kiko, que compôs uma música extraordinária, e para o Capital, que criou a versão definitiva dessa canção”, afirma.

Essa emoção que o Capital demonstra em cada atitude da banda também se manifesta em situações mais pesadas e que causam uma reflexão por parte dos integrantes.

O mês de novembro, por exemplo, foi particularmente muito triste para a música brasileira, com as mortes de Gal Costa e de Erasmo Carlos, além da decisão tomada por Milton Nascimento no sentido de se despedir dos palcos.

Isso causa um impacto no lado psicológico de toda a classe artística, afinal, a marcha do tempo é implacável mesmo com os mais talentosos. “Nesses 40 anos, nós perdemos muitos amigos pessoais. A minha geração está envelhecendo, a que veio antes de nós já está chegando aos 80 anos de idade, e isso faz a gente pensar no quanto nós somos privilegiados por chegar até aqui com o reconhecimento do público e da crítica”, diz.

Fica muito claro que essas perdas influenciam a parte psicológica das bandas e artistas, muito mais do que os fãs ou o público em geral podem imaginar. “Isso faz a gente olhar para o nosso trabalho e para os nossos shows com mais cuidado e carinho ainda porque sabemos que tudo poderia desaparecer em um momento qualquer”, finaliza Fê Lemos.

Confira todas as informações sobre o festival Prime Rock Brasil (valores dos ingressos, pontos de venda, horários dos shows) neste link.

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