Texto: Marcos Anubis
Tradução e revisão: Pri Oliveira
Fotos: Reprodução/Facebook The Mission

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O The Mission, com Wayne Hussey à frente (Foto – Reprodução/Facebook The Mission)

Todo estilo musical possui bandas que se transformam em alicerces, sustentando o que vem depois delas. É o caso do The Mission. Com quase três décadas de estrada, o grupo inglês continua sendo uma das principais referências do som dark/gótico. O vocalista, guitarrista e membro fundador da banda, Wayne Hussey, conversou com o Cwb Live sobre o recém lançado álbum “The Brightest Light”, sua experiência morando no Brasil e sobre a influência que o Mission exerce, até hoje, nas novas gerações.

A história

A trajetória do The Mission começa no final de 1985, quando o vocalista e guitarrista Wayne Hussey e o seu fiel escudeiro, o baixista Craig Adams, ainda faziam parte do Sisters Of Mercy. Após o lançamento do excepcional “First And Last And Always”, a dupla resolveu deixar a banda e montar um novo projeto. Para isso foram recrutados o baterista Mick Brown e o guitarrista Simon Hinkler.

Já no início do ano seguinte o quarteto iniciou a sua primeira turnê pela Europa, abrindo para o The Cult. Após lançar dois EPs de forma independente, “Serpents Kiss” e “Like a Hurricane/Garden of Delight”, a banda despertou a atenção das gravadoras e acabou assinando um contrato com a Phonogram, que hoje é a Universal. O primeiro single gravado para o novo selo, “Stay With Me”, ficou em 30º lugar no Reino Unido, abrindo caminho para o álbum de estreia, “God’s Own Medicine”, lançado em 20 de dezembro de 1986. As canções “Severina”, “Wasteland” e “Sacrilege” se tornaram sucessos instantaneamente e apresentaram o Mission ao mundo.

Em 1987 veio o segundo álbum, “The First Chapter”, mas foi com o disco seguinte, “Children” (1988), que a banda se consolidou como um dos mais importantes e influentes grupos da década de 1980. A produção foi do baixista do Led Zeppelin, John Paul Jones. O relacionamento do quarteto com o produtor é, até hoje, elogiado por Hussey. “Foi magnífico, como trabalhar com um adorável tio conhecedor do mundo, o Tio John”, relembra.

Hoje, quando falamos sobre os anos 80, “God’s Own Medicine” e “Children” são citados entre os álbuns mais importantes da década. Wayne acredita que os dois discos definiram, artisticamente, o som do The Mission, mas sem desmerecer o resto da discografia do grupo. “Bem, os primeiros álbuns que são bem-sucedidos sempre definem uma banda, não definem? Mas eu diria que fizemos alguns bons álbuns desde então, também. O grupo, para sobreviver artisticamente, tem que mudar e evoluir, e é o que nós temos feito”, opina. Realmente, nos anos seguintes a banda continuou lançando bons trabalhos, como o enigmático “Aura” (2001), e colecionando sucessos como “Butterfly On A Wheel” e “Deliverance”.

Toda a obra do Mission conferiu à banda um som muito particular, original, que justifica o status de ser reconhecida como uma das referências em seu estilo. Mas se hoje isso é perceptível, no começo do grupo Wayne e seus companheiros não tinham noção do que construiriam ao longo dessas quase três décadas. “Não, realmente não. Nós só fizemos, e ainda fazemos o que parece natural para nós. Não havia e não há nada planejado sobre o nosso som”, afirma.

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Capa do novo álbum do Mission, “The Brightest Light” (Foto – Reprodução/Facebook The Mission)

O novo álbum

A banda acaba de lançar “The Brightest Light”, seu 13º trabalho de estúdio. A formação atual do Mission tem Wayne Hussey no vocal e guitarra, Craig Adams no baixo, Simon Hinkler na guitarra e Mike Kelly na bateria. De acordo com Wayne, o disco é uma representação das influências que o grupo absorve. “Bem, como qualquer disco, ele é a soma de suas partes e representa onde nós estamos, tanto musicalmente quanto pessoalmente, no momento de sua escrita e gravação. Todos nós mudamos com o tempo e isto é, sem dúvida, manifestado na música”, diz. A gravação foi realizada nos dois países “adotados” por Hussey. “As faixas básicas foram gravadas com a banda na Inglaterra. Minhas guitarras e vocais foram gravados aqui no Brasil e, em seguida, o álbum foi mixado em Londres”, conta.

Algumas canções do disco, como “Swan Song” e “Sometimes The Brightest Light Comes From The Darkest Place”, soam mais pesadas, com guitarras mais distorcidas do que nos outros álbuns do Mission, que traziam mais ambiências, delays e reverbs. Wayne revela que essa concepção foi proposital. “Todos nós sentamos e conversamos sobre o tipo de álbum que queríamos fazer. Chegamos à conclusão de que queríamos fazer um disco que soasse como se nós estivéssemos tocando juntos em uma sala, muito cru e sem adornos, se comparado aos álbuns anteriores”, explica. O produtor do álbum, David Allen, participou dessas reuniões e foi um elo entre o que a banda esperava criar e o resultado final das gravações. “Dave estava lá enquanto estas conversas aconteceram. Ele entendeu totalmente o que estávamos tentando alcançar e nos ajudou a atingir o nosso objetivo”, diz.

“The Brightest Light” está sendo distribuído digitalmente no Brasil pela Blast Stage Records e pode ser adquirido neste link. “A parceria surgiu por meio de um amigo em comum, o Celso Cardoso, que sabia que eu estava procurando alguém para lançar o álbum aqui na América do Sul. Ele conhecia o André, da Blast, que é fã do Mission e estaria interessado em lançá-lo. O encontro foi arranjado e o resto é história”, conta.

O novo álbum é o primeiro trabalho de Wayne, Adams e Simon Hinkler desde “Carved In Sand”, de 1990. Aliás, a parceria com o baixista, membro fundador do Mission, parece ser essencial para o som da banda. “Nós dois temos muitos trabalhos louváveis um sem o outro, mas parece que desfrutamos de uma telepatia quando tocamos juntos”, analisa.

A ligação com o Brasil

O Brasil é, desde os anos 80, um dos países onde o Mission tem mais fãs. E a ligação da banda com o solo tupiniquim vai além disso. Wayne Hussey é casado com uma brasileira e tem uma casa perto do município de Águas de São Pedro, no interior de São Paulo, onde passa boa parte do seu tempo quando não está em turnê. “Eu amo isso aqui. Adoro as pessoas, a cultura, o estilo de vida. É claro que é muito diferente da Inglaterra, pelo menos. Alguns países do sul da Europa talvez sejam um pouco mais semelhantes. São Paulo é uma cidade muito cultural e há sempre alguma coisa interessante lá, como provavelmente é na maioria das grandes cidades brasileiras. Esta é a minha casa, agora”, afirma.

E a recíproca desse carinho pelo país é verdadeira. As turnês do Mission sempre foram muito bem recebidas por aqui, desde o histórico show no Canecão, na cidade do Rio de Janeiro, em 1988. “Nós sempre tivemos uma relação especial com o nosso público da América Latina e o Brasil não é exceção. Eu vivo aqui, então sei como as pessoas se sentem sobre a banda”, diz o músico.

O Mission deve fazer uma tour pelo Brasil, provavelmente no próximo mês de agosto. Existe a possibilidade de o grupo tocar em Curitiba, pela segunda vez. A primeira foi no dia 22 de junho do ano 2000, na antiga Fórum, onde hoje fica o Master Hall.

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Wayne Hussey (Foto – Reprodução/Facebook The Mission)

A realidade brasileira

No próximo mês de junho o Brasil sediará a Copa do Mundo. O evento vem sendo cercado de polêmica por conta dos gastos excessivos com estádios, principalmente, e em função do legado quase nulo que o Mundial vai proporcionar para a população do país. Como mora no Brasil, Wayne pôde acompanhar de perto os protestos do ano passado, durante a Copa das Confederações. Apesar de gostar do esporte, como um bom cidadão inglês, o músico tem sua opinião sobre a forma com que a organização do Mundial foi conduzida no país. “Sim, eu amo futebol, o jogo. Mas eu odeio a política do futebol e ter a Copa do Mundo no Brasil é tudo sobre política e dinheiro”, critica.

A dimensão e os reais motivos da revolta da população brasileira contra a realidade do país parecem estar sendo minimizados pelo governo pois, apesar das promessas, não houve nenhuma mudança significativa desde então. Hussey, com uma visão de quem conhece outras realidades pelo mundo, consegue entender esse contexto muito melhor do que a classe política brasileira. “Compreendi totalmente os protestos no ano passado e sou totalmente favorável a eles. A Copa do Mundo deve ser jogada em um país, ou países, que têm a infraestrutura interna já em vigor para lidar com isso, em vez de gastar bilhões em novos estádios quando esse dinheiro poderia e deveria ser usado para ajudar o povo do país”, opina.

Mesmo não concordando com os gastos, por achar que o dinheiro investido deveria ter sido usado para melhorar a educação, saúde e outros quesitos básicos para qualquer sociedade, Wayne afirma que estará ao lado do English Team. “Ainda assim, quando a Copa do Mundo começar eu estarei assistindo e espero acompanhar um jogo ou dois. Claro que vou torcer pela Inglaterra, mas eu não tenho absolutamente nenhuma expectativa para qualquer sucesso”, diz.

A aura “sombria”

Os rótulos sempre fizeram parte do mundo musical, e da mídia que o acompanha. Nos anos 1980, o som que o The Mission fazia era chamado de “dark”, que hoje seria o termo “gótico”. Ainda hoje o grupo é citado como influência por várias bandas do gênero. Será que as duas nomenclaturas possuem algum ponto em comum? “Eu não tenho ideia. Não é algo que eu acompanhe. Basicamente, é tudo apenas música e eu não entendo essa necessidade e desejo de classificar tudo. É música e, se você gosta dela, então é boa. Não deve haver outros critérios”, explica.

As novas tecnologias

Tecnologicamente, as bandas da geração 80 dispunham de menos recursos de gravação e produção, mas mostravam mais criatividade em seus trabalhos. Hussey acredita que essas facilidades deixaram os músicos atuais mais “preguiçosos”, pois tudo pode ser corrigido pelos milagrosos softwares. “Sim, há muito recortar, copiar e colar, tocar novamente e tocar diferente a cada vez. Eu acho que o padrão de musicalidade tem sofrido, como resultado. O Pro Tools tem muito a responder por isso”, analisa.

É quase um consenso, tanto entre consumidores de música quanto na indústria fonográfica, que a internet mudou muito a relação das bandas com as gravadoras. Hoje, com a popularização dos home studios, é mais “fácil” gravar um álbum e distribuí-lo via internet. Segundo Wayne, apesar de todas essas facilidades, é a alma do músico e a sua criatividade que ainda falam mais alto. “Sim, eu diria que sim. Qualquer pessoa com acesso a um computador pode fazer música e tê-la disponível na internet, poucos segundos após terminá-la. Isso é um pensamento tão assustador. Mas a melhor música ainda precisa de imaginação, criatividade, algo único e pessoal para ‘tocar’ as pessoas. Nenhuma quantidade de software pode fazer isso por você”, afirma.

Com quase 30 anos de história, o The Mission é uma prova de que a arte pode estar acima do mercantilismo. O novo álbum “The Brightest Light” atesta que ainda existe fôlego para continuar e que a fonte criativa de Wayne Hussey e sua banda ainda não secou. “Eu diria que é tudo pelo amor de fazer música e esperar que as pessoas possam ouvir e se identificar com isso. Eu amo o meu trabalho, é um dos melhores no mundo”, finaliza.

Confira dois clipes do mais recente álbum do The Mission, “Swan Song” e “Sometimes Brightest Light Comes From The Darkest Place” . Veja também o histórico show da banda no Canecão, no Rio de Janeiro, em 1988, e um vídeo da canção “Like A Child Again”, da apresentação que Wayne Hussey fez em Curitiba, no Jokers Pub, em 2008.