Texto e fotos: Marcos Anubis
Revisão: Pri Oliveira

ruído/mm. (Foto - Marcos Anubis/Cwb Live)

24 anos abrindo espaço para a música autoral curitibana sem se preocupar com o vil metal que domina cada vez mais o orbe terrestre. Esse é o legado do 92 Graus e de seu idealizador, o músico e produtor J.R Ferreira. Em um mundo ideal isso seria motivo para receber o apoio e reconhecimento de todos, mas atualmente o 92º vive o seu maior desafio: sobreviver.

Os proprietários do local decidiram vender o imóvel e deram um ultimato para que J.R o compre. Diante do desafio, esse outsider da música local decidiu pedir auxílio aos que ele sempre ajudou. Foi criada então uma campanha de financiamento coletivo no site Kickante batizada de “Espaço Cultural 92 Graus, o show não pode parar”.

Nela as pessoas podem contribuir com diversas formas e valores a partir de R$ 20. O objetivo? Arrecadar R$ 523 mil. O valor restante para completar os R$ 800 mil pedidos pelos proprietários do imóvel será conseguido por meio de empréstimos em bancos. Como se vê, a luta não será fácil. Mas J.R não está sozinho nela. Na última quinta-feira (25) as bandas AAAAAA Malencarada e ruído/mm, (com letras minúsculas), se reuniram para dar a sua contribuição à causa.

AAAAAA Malencarada. (Foto - Marcos Anubis/Cwb Live)

AAAAAA Malencarada

Com a casa lotada, coube aos veteranos Coelho (baixo), Norberto (guitarra) e Cris (vocal), reforçados pelo baterista Pedrinho Pacheco, abrirem a noite literalmente chutando a porta do barraco. Levando o Punk Rock ao pé da letra e incorporando influências também do Pós Punk inglês, a banda relembrou músicas que fazem parte do inconsciente coletivo de uma geração de curitibanos, como “Rádios”, “Apocalipse” e “Batida De Canela”.

O grupo não se reunia há mais ou menos 15 anos e teve essa iniciativa justamente por reconhecer a importância do 92 Graus na carreira da banda e na música curitibana em geral. “Eu estava em casa com o André Ramiro (guitarrista do ruído/mm) e depois de umas cervejas estávamos confabulando sobre a plataforma Kickante. Então decidimos tocar juntos nesse palco histórico da nossa cidade”, conta Cris. “O ruído/mm está sempre na ativa e tem um público massa que já garantia uns ingressos para o J.R. Então eu mandei uma mensagem para o Beto e para o Coelho dizendo para a gente fazer um show da Malencarada, que já estava parada há uns 15 anos, e eles toparam na hora”, complementa Cris.

Uma característica do 92 é que seus frequentadores não só o reconhecem como uma espaço cultural importante para as suas bandas, mas também como um dos únicos lugares na cidade onde sempre foi possível ver grupos que não se encaixavam no mainstream vigente. “Nós fazemos parte dos tempos remotos da casa, sempre estivemos ali dentro. Eu praticamente cresci vendo shows e tocando no 92º. Nós participamos de festivais e assistimos bandas memoráveis lá dentro, então dessa forma fica difícil não chamar isso tudo de família”, avalia Cris.

O show da AAAAAA Malencarada foi uma grande celebração do “do it yourself” e uma homenagem à J.R e sua criação. Afinal, pode existir uma atitude mais Punk Rock do que se manter em atividade durante mais de 20 anos remando contra não só uma, mas todas as marés comerciais que nasceram e morreram durante todo esse tempo? “O espaço deve permanecer! De lá saíram muitas bandas boas. A cena independente de Curitiba não seria tão forte sem o Ninety Two Deegres. Só o National Garage, o festival maluco do J.R, reuniu 100 bandas em 10 dias. Essa cena underground não pode morrer, essa história não pode acabar agora”, arremata.

ruído/mm

Para fechar a noite veio o ruído/mm. Uma palavra resume o trabalho desses caras: genial. A atmosfera criada pelas três guitarras é indescritível. Os músicos parecem caminhar em estradas paralelas, secundárias, onde cada um vai para um lado executando melodias diferentes dentro de uma harmonia maior. De repente todos se encontram na avenida principal, fundindo um som único para em seguida, novamente, seguirem cada um em seu rumo.

As referências musicais do ruído/mm dependem da percepção de cada um. Aos meus ouvidos saltam Pink Floyd, Sonic Youth, Radiohead, Jesus And Mary Chain, Ride, Loop… André Ramiro, Ricardo Pill e Felipe Ayres (guitarras), Rafael Panke (baixo), Alexandre Liblik (piano, teclado e escaleta) e Giovani Farina (bateria) criam climas etéreos e envolventes que realmente proporcionam ao ouvinte uma viagem sensorial, não apenas musical.

E como dez entre dez bandas autorais curitibanas, a história do grupo se confunde com a do 92. “Esta casa de shows fez parte direta de toda a minha trajetória como músico (ou quase isso) e tenho certeza que de praticamente todos os músicos próximos”, diz Ramiro. “Lembro como se fosse ontem de quando eu tocava com minha a primeira banda chamada Gummers (uma espécie de Punk Rock adolescente e despretensioso, lá por 95). A nossa maior motivação era subir no palco do 92 porque ali era o único reduto real da cena alternativa da cidade. Havia outros bares, mas nenhum era do nível do 92”, complementa.

O ruído/mm praticamente nasceu e construiu a sua trajetória dentro do Ninety Two Degrees. “A primeira formação real da banda basicamente se deu por conta do 92. Em 2003, Felipex e Pill acharam o John e ali nasceu tudo. Eu mesmo cheguei a assistir shows do grupo no bar e ali traçar um rumo junto com os caras em 2004. Ao mesmo tempo Panke, Giva, Liblik e Ayres também estavam com seus projetos e concertos na casa. Ou seja, o 92 era e sempre foi o ponto focal de toda a história do ruído/mm”, conta.

Diante de todo esse envolvimento e dos laços que unem o local aos seus frequentadores, a mobilização para manter vivo o 92º tem cada vez mais adeptos. “Foi por isso que criamos esta festa, repassando toda a renda para o J.R. Para que este sonho, iniciado nos anos 1990, não acabe nunca. Para que as novas bandas entendam a importância de uma pessoa como o J.R e como o 92 é importante para eles. Para que a cidade mantenha aberta as portas do seu CBGB e que continue sendo a casa mais democrática da cidade. E que as novas bandas venham a ser criadas na casa, assim como os festivais malucos do Jota e toda a motivação que faz do nosso amadorismo uma realidade profissional para o Lado B das nossas vidas”, finaliza Ramiro.

A campanha #Salve92 continua até o dia 28 de julho. Você pode dar a sua contribuição por meio deste link.

Veja cinco vídeos dos shows: “Sereníssima” e “Eletroestática” com o ruído/mm e “Atropelabba”, “Rádios Amadores” e “Apocalipse” com a AAAAAA Malencarada.