O show no Estádio Couto Pereira teve clássicos do Pink Floyd e músicas da carreira solo de Roger, além de todas as críticas sociais e políticas que sempre marcaram a trajetória do artista inglês

Na história do Rock, algumas bandas afirmam que apresentam o “maior espetáculo da Terra”. O Kiss e o Iron Maiden, por exemplo, são conhecidos por apresentações lendárias que ficam marcadas na memória dos fãs. De fato, a grande característica desses shows é a produção gigantesca, incluindo telões e efeitos especiais que vão muito além da música.

Nesse sábado (27), no Estádio Couto Pereira, em Curitiba, Roger Waters mostrou a versão dele para o termo “maior espetáculo da Terra”, e os curitibanos compraram a ideia. Oficialmente, 41.480 pessoas foram ao estádio para assistir ao penúltimo dos oito shows da “Us and Them Tour” no Brasil.

No entorno do estádio e na área que fica atrás das cadeiras sociais, dezenas de caminhões de equipamento estavam estacionados, o que já dava uma pista do que o público presenciaria. Ao entrar no estádio, o impacto causado pelo gigantesco telão de alta definição posicionado na parte de trás do palco era imediato. Com uma imagem limpa e perfeita, ele ia do Setor Pró-Tork da Rua Mauá até as cadeiras sociais do estádio.

Roger Waters (baixo e vocal), Jonathan Wilson e Dave Kilmister (guitarras), Jess Wolfe e Holly Laessig (vocais), Bo Koster (teclado), Jon Carin (violões, backing vocal e teclados), Gus Seyffert (baixo, teclados e backing vocals), Ian Ritchie (sax e baixo) e Joey Waronker (bateria) iniciaram o show com “Speak to me” e “Breathe”, um dos clássicos do Pink Floyd.

Depois vieram “One of these days” e “Time”, com o telão exibindo uma animação que mostrava várias imagens de relógios indo na direção ao público. Após “Great gig in the sky”, com as cantoras Jess Wolfe e Holly Laessig fazendo vocalizações em tom altíssimo, veio “Welcome to the machine”, do álbum “Wish You Were Here” (1975), um dos momentos mais marcantes do show.

Durante toda a música, o telão exibiu imagens do genial clipe criado pelo desenhista inglês Gerald Scarfe. Em uma delas, milhares de mãos surgem de um mar de sangue, erguendo-se em direção ao “monolito” que remete ao filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”. Apesar de a música ser uma crítica à indústria fonográfica que consome os artistas de forma impiedosa, também fica muito clara a referência a religiosos e políticos de qualquer ideologia que se colocam em um pedestal, fora do alcance das pessoas.

A surpresa veio na parte final da música quando, de repente, o telão ficou escuro, várias luzes giratórias vermelhas foram acionadas e sirenes começaram a soar. Na sexta-feira (26), a produção do show recebeu um comunicado da Justiça Eleitoral do Paraná alertando sobre manifestações políticas durante a apresentação. O aviso dizia que Waters só poderia exibir esse conteúdo até as 22h. Depois desse horário, ele poderia ser multado ou até detido.

Faltando dois minutos para as 22h, o telão exibiu a seguinte mensagem: “São 21h58. Nos disseram que não podemos falar sobre a eleição depois das 22h. Temos 30 segundos. Esta é nossa última chance de resistir ao fascismo antes de domingo. Ele não! São 22h. Obedeçam à lei”. Em seguida, a banda retomou a canção. Assim como aconteceu nos outros shows no Brasil, o público se dividiu entre aplausos e vaias.

Além das músicas eternizadas pelo Pink Floyd, o setlist do show também teve canções do mais recente álbum de Waters, “Is This the Life We Really Want?” (2017), como “Déjà vu”, “Picture that” e a belíssima “The last refugee”.




Postura

Roger Waters sempre teve uma postura crítica contra toda e qualquer forma de dominação, segregação e preconceito. Essa característica não surgiu nos shows no Brasil. Em qualquer letra, tanto do Pink Floyd quanto da carreira solo de Waters, é possível encontrar alguma referência a esses assuntos.

Em 1990, por exemplo, após a queda do Muro de Berlim, Roger fez um show histórico diante de 350 mil pessoas em uma área próxima ao Portão de Brandemburgo que ficou conhecida como “terra de ninguém”, justamente por ter sido o local onde ficava o muro.

A apresentação foi registrada no DVD “The Wall Live in Berlin” e contou com a participação de vários convidados, entre eles, a banda alemã Scorpions e a cantora irlandesa Sinéad O’Connor. Na época, Waters fez questão de participar da organização desse show justamente para comemorar a queda do muro que dividiu a Alemanha Ocidental da Oriental logo após o fim da Segunda Guerra Mundial e ficou em pé durante 29 anos.

Dessa forma, a palavra resistência é o tema central do show que Roger Waters apresenta há décadas. No show em Curitiba, mesmo obedecendo à determinação da justiça, ele não deixou de mostrar as convicções que carrega desde os anos 1960.

Os fãs que conhecem melhor o trabalho de Waters perceberam que, durante todo o show, foram apresentadas mensagens que conclamavam o público a pensar sobre várias questões humanitárias. Esses assuntos não estão de forma nenhuma ligados exclusivamente a uma vertente poítica, pois fazem parte do cotidiano de qualquer ser humano no Brasil, nos Estados Unidos ou na Indonésia. Não existe diferença.

Um dos momentos de maior sensibilidade do show aconteceu em “Us and them”, música que faz parte do clássico álbum “Dark Side of the Moon” (1973). Durante a canção, o telão exibiu várias imagens impactantes, entre elas, a de pessoas buscando alimento em lixões, crianças desnutridas e outros absurdos que a humanidade ainda impõe a si mesma em pleno século 21. Complementando todo esse contexto, a letra diz: “Nós e eles, depois de tudo, somos apenas homens comuns”.

Outro momento emblemático foi a entrada de crianças e adolescentes no palco para cantar “Another brick in the wall part 2”. No início da música, todas estavam usando macacões. Ao final, elas tiraram os macacões para exibirem as camisetas pretas com a palavra RESIST.

A música encerrou a primeira parte do show. Na sequência, toda a banda se retirou e o telão passou a exibir frases que faziam referência a conceitos defendidos por Roger, como o respeito aos animais, à natureza e aos direitos humanos.




Animals

Após o intervalo, o telão mostrou o título da próxima música, “Dogs”, e quatro gigantescas chaminés se erguendo e levando consigo a estrutura de uma fábrica, reproduzindo a usina termelétrica de Battersea, em Londres, usada na célebre capa do álbum “Animals” (1977). O realismo das imagens era impressionante e, além disso, quatro pontas de chaminés também se ergueram atrás do palco, soltando fumaça e tornando o cenário ainda mais impactante. Em cima da estrutura, pairava o porco inflável que também faz parte da capa do disco.

Em seguida a banda já emendou “Pigs (Three different ones)”, exibindo diversas imagens do presidente norte-americano Donald Trump, um dos alvos preferidos de Waters. Durante a música, um enorme porco inflável com a frase “Seja humano” literalmente “passeou” entre o público, conduzido por duas pessoas.

Em “Eclipse”, faixa do icônico “The Dark Side of the Moon” (1973), uma grande pirâmide de raio laser surgiu em frente ao palco, no meio do público, enquanto Waters cantava: “Não há um lado escuro na Lua, na realidade. Na verdade, ela é toda negra”.

Na sequência, antes de “Wait for her”, Waters apresentou a banda. Todos foram muito aplaudidos, mas Jess e Holly foram ovacionadas pelo público. “Confortably numb” encerrou a apresentação. Durante a música, o telão exibia uma imagem em que duas mãos se tocavam, em uma analogia clara à união que o ser humano precisa ter para viver em sociedade.

Sem nenhuma dúvida, Curitiba viu um dos maiores espetáculos que já passaram pela capital paranaense. Diante de todo o contexto que cerca a obra de Roger Waters, o fundamental é que artistas desse porte não surgirão mais tão facilmente e, enquanto eles caminharem sob a Terra, será necessário ouvi-los.

Assista ao vídeo de “Another brick in the wall (part 2)”, gravado ao vivo no show do Roger Waters no Estádio Couto Pereira, e veja o nosso álbum de fotos da apresentação.

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Roger Waters - Couto Pereira - 27/10/2018