Quase três horas de som, luzes e emoção. Se alguém tinha dúvidas de que Curitiba voltou definitivamente ao circuito dos grandes shows internacionais, a apresentação de David Gilmour na Pedreira Paulo Leminski, nessa segunda-feira (14), encerrou o assunto.

Mesclando clássicos do Pink Floyd com músicas de sua carreira solo, Gilmour conseguiu manter durante todo o show o entusiasmo e a admiração das 22 mil pessoas que esgotaram os ingressos e lotaram a Pedreira. O espetáculo foi dividido em duas partes, sendo a primeira com duração de 70 minutos, seguida por um intervalo de 20 minutos, e uma segunda parte com 80 minutos.

“Eles fizeram você trocar os seus heróis por fantasmas? Cinzas quentes por árvores? O ar quente por uma brisa fria? O conforto do frio por mudanças?”

O primeiro ato

A passagem da “Pink Floyd’s David Gilmour Rattle the Lock World Tour 2015/2016” pela capital paranaense já prometia ser marcante em função da estrutura trazida ao Brasil. A equipe de produção da turnê é formada por 300 pessoas, sendo 150 da equipe pessoal do artista e outras 150 contratadas no país. Os equipamentos usados nos shows estão sendo transportados em dez contêineres. Oito deles levam só a parte de iluminação e efeitos cênicos do espetáculo. Tudo isso mostra o respeito com os fãs brasileiros, pois a equipe de staff do artista procurou trazer ao país o mesmo show que é apresentado no resto do mundo.

Gilmour iniciou a apresentação com as três primeiras faixas de seu último álbum, lançado em setembro deste ano: “5 A.M”, “Rattle That Lock” (que dá nome ao CD) e “Faces of Stone”. As músicas foram bem recebidas porque seu trabalho solo mantém a mesma linha do Pink Floyd, com harmonias bem construídas, teclados e camadas de guitarras. Esse início preparou o terreno para o show, mas foi aos primeiros acordes de violão de “Wish You Were Here” que a Pedreira teve a certeza de que estava diante de uma lenda.

Durante as músicas, um gigantesco telão circular, inspirado na turnê do álbum “The Division Bell”, lançado pelo Pink Floyd em 1994, ocupava todo o fundo do palco e exibia imagens ilustrando as letras das canções. Nessa primeira parte do show, Gilmour dividiu o setlist entre canções de sua carreira solo, como “A Boat Lies Waiting”, com os clássicos do Pink Floyd, como “Money” e “Us and Them”.

“Você alcançou o segredo cedo demais. Você chorou para a lua. Brilhe, diamante louco. Ameaçado pelas sombras da noite e exposto a luz. Brilhe, diamante louco.”

O segundo ato

Após um intervalo de 20 minutos, a banda voltou ao palco com “Astronomy Domine”, do primeiro álbum do Pink Floyd, “The Piper at the Gates of Dawn” (1967). Essa foi uma das canções que forjou o termo “Rock Psicodélico”, há quase meio século. A sensação na Pedreira era de que a história estava passando diante dos olhos do público. Na sequência, “Shine On You Crazy Diamond” levou velhos e novos fãs às lágrimas.

Depois, David homenageou seu técnico de guitarra, Phil Taylor, que estava completando 64 anos de idade. Ele o chamou até o palco e pediu que o público cantasse parabéns ao amigo que trabalha em suas turnês há mais de 40 anos. “Run Like Hell” encerrou esse bloco, que foi quase totalmente dedicado ao repertório do Pink Floyd. Durante a música, o público exibiu cartazes com a palavra “run”, surpreendendo Gilmour.

Um time de primeira

Um grande artista se cerca de grandes músicos. Isso é quase uma regra. Na “Pink Floyd´s David Gilmour Rattle the Lock World Tour 2015/2016”, Gilmour é acompanhado por Phil Manzanera (guitarra), Guy Pratt (baixo), Jon Carin e Kevin McAlea (teclados), Stevie DiStanislao (tambores e percussão), Theo Travis (sax e clarineta), João Mello (sax), Bryan Chambers e Louise Marshall (backing vocals).

Destaque para o ex-Roxy Music Phil Manzanera, com sua forma elegante de tocar. Avesso a virtuosismos, ele fazia de forma discreta toda a “cama” das guitarras para que Gilmour solasse. Também foi muito emocionante ver o respeito e a forma carinhosa com que Gilmour tratou o curitibano João Mello. Tocando em sua casa, o músico teve vários momentos onde tomou a frente da banda com seus solos, mostrando técnica e tranquilidade.

David Gilmour - Pedreira Paulo Leminski - 14/12/2015

“Não há dor, você está desaparecendo como a fumaça de um navio distante no horizonte. Sinto você apenas em ondas. Seus lábios se movem, mas não consigo ouvir o que diz.”

O grand finale

Na volta para o bis, dois megaclássicos do Pink Floyd: “Time”, com imagens de relógios gigantescos sendo exibidos no telão, seguida da belíssima “Comfortably Numb”. Logo nos primeiros acordes da música, ao observar as pessoas ao seu redor era possível perceber nitidamente a emoção que só as grandes canções podem provocar. Em meio a esse momento, uma ausência se fazia sentir. Durante várias turnês solo de Gilmour e na formação do Pink Floyd sem Roger Waters, o tecladista Richard Wright fazia os vocais mais graves dessa canção de forma brilhante.

Ironicamente, é possível traçar um paralelo entre Wright e o baixista do Led Zeppelin, John Paul Jones. Ambos tinham uma importância criativa enorme dentro de suas bandas, mas foram pouco reconhecidos e até injustiçados dentro de seus próprios grupos. Wright faleceu em 2008, vítima de câncer. Sua morte também acabou com qualquer chance de reunião do Pink Floyd.

A noite foi encerrada com o fantástico solo que Gilmour faz em “Comfortably Numb”. Os feixes de laser na cor verde, contrastando com a chuva que caía naquele momento, emolduraram um quadro perfeito para o fim da apresentação. De Curitiba, David segue para Porto Alegre, onde se apresenta na Arena do Grêmio nessa quarta-feira. Depois, a turnê encerra a passagem pela América do Sul com shows na Argentina e no Chile.

Na manhã de hoje, David publicou em seu perfil no Facebook suas impressões sobre a apresentação. “O show na noite passada em Curitiba foi em uma antiga pedreira de calcário, com 30 metros de paredes de rocha e um perímetro arborizado. Todos os fãs estavam de pé e, como em São Paulo, gritavam e cantavam durante todo o show”, disse.

Ao que parece, o músico inglês gostou da capital paranaense. Realmente, ir à Pedreira Paulo Leminski é mergulhar em um lugar mágico. Todo o complexo tem um clima muito diferente dos frios estádios de futebol, por exemplo. A Pedreira tem alma. Curitiba deve se orgulhar de ter de volta um dos mais belos locais do mundo para shows e espetáculos.

Na saída da apresentação, a opinião geral era de que gênios não são esquecidos e sempre haverá espaço para quem trata a arte com criatividade. A realidade é que, em pleno século XXI, músicos talentosos e preocupados unicamente com a qualidade de suas obras são figuras cada vez mais raras. Alheio a tudo isso, David Gilmour proporcionou aos curitibanos uma noite mágica que ficará na memória de todos os fãs.

Assista ao vídeo de “Comfortably numb”, que encerrou a apresentação.