O show na Live Curitiba foi um deleite para os fãs e um desfile de grandes clássicos da história do Rock’n’roll

Acima de fatores técnicos, que são cristalizados no virtuosismo de qualquer instrumentista ou cantor, música é sentimento. Nesse quesito, poucos são tão bons quando o vocalista do Deep Purple, Ian Gillan, que já chegou aos 77 anos de idade e 55 anos de carreira, mas continua encantando os fãs por causa de um motivo muito especial: ele canta com uma alma que poucos frontmans demonstraram em toda a história do Rock.

É claro que Gillan é técnico, pois durante uns 40 anos desse meio século de trajetória artística, ele exibiu uma capacidade impressionante de alcançar notas agudas e conquistou um lugar cativo na lista dos maiores vocalistas, ao lado de David Coverdale, Ronnie James Dio, Bruce Dickinson e vários outros.

Nesse domingo (23), com a Live Curitiba lotada, o público curitibano teve mais uma oportunidade de ver Ian Gillan de perto com o Deep Purple e celebrar uma época que está chegando ao fim, pois a grande maioria desses grandes vocalistas está sucumbindo ao tempo e deixando os palcos, para a tristeza de quem ama a música feita com qualidade e sentimento.

Rock na mais pura essência

Quantas bandas têm a ousadia de abrir um show com um dos maiores sucessos que ela compôs? Pois foi justamente isso que Ian Gillan (vocal), Simon McBride (guitarra), Roger Glover (baixo), Don Airey (teclado) e Ian Paice (bateria) fizeram ao começar o show com “Highway star”.

No telão posicionado atrás da bateria, uma imagem fazia menção a capa do álbum “In Rock” (1970), que originalmente mostrava os rostos de Gillan, Paice, Glover, Richie Blackmore e Jon Lord esculpidos no Monte Rushmore, nos EUA. No show na Live, a arte foi “atualizada” com as imagens dos integrantes atuais do Purple.

No setlist, entre outras grandes canções, a execução de “When the blind man cries” foi um daqueles momentos mágicos que só uma grande banda pode apresentar aos fãs. Com uma interpretação que veio do fundo do coração, Gillan foi aplaudido efusivamente pelos fãs e, visivelmente emocionado, agradeceu a acolhida carinhosa. “Que energia”, disse.

Na sequência do show, Gillan fez uma dedicatória ao eterno Jon Lord, foi muito aplaudido pelo público e deixou Don Airey sozinho no palco para fazer um longo solo de teclado que incluiu até alguns trechos de “Brasileirinho”, “Tico-Tico no fubá” e “Aquarela do Brasil”.

Em seguida, o público vibrou e cantou com Gillan o clássico “Perfect strangers”, uma das músicas mais criativas do Purple que, na gravação original, tem um dos primeiros riffs de teclado da história do Rock, algo que só poderia ter vindo da genialidade de Jon Lord.

A sabedoria dos gigantes

Ian Gillan sempre foi conhecido pelo alcance vocal, que se refletia em agudos altíssimos. Essa maneira de cantar foi eternizada no Deep Purple, mas o cantor também se aventurou em outras frentes.

A principal surgiu após a saída de de Ronnie James Dio do Black Sabbath, em 1982, após várias desavenças que aconteceram durante a masterização do álbum “Live Evil” (1982), no qual o vocalista foi acusado de chegar antes ao estúdio e aumentar sorrateiramente todas as faixas do vocal, sem que o resto da banda soubesse.

No ano seguinte, ao saber que Gillan estava disponível, Tony Iommi resolveu convidar o ex-Deep Purple para reformular a formação do Sabbath, ao lado de Geezer Butler e de Bill Ward. Juntos, eles gravaram o excelente “Born Again” (1983).

Iommi até hoje afirma que, durante a gravação do disco, a banda teve que silenciar os agudos intermináveis de Gillan, aconselhando o vocalista a encaixar os gritos de uma maneira mais econômica.

Mesmo assim, em várias faixas do álbum, entre elas, “Trashed” (que abre o disco e na qual o vocalista já começa com dois gritos antes de sequer cantar uma frase da letra), “Zero the hero”, “Disturbing the priest” e, principalmente, na espetacular “Born again”, os agudos de Gillan ainda impressionam.

Entretanto, logo depois da turnê do álbum, o vocalista decidiu voltar ao Purple, mas o pouco tempo ao lado do Sabbath já foi suficiente para que ele também entrasse na história da banda de Iommi.

Atualmente, muitos vocalistas que pertencem à mesma geração da qual Ian Gillan faz parte já não conseguem ter o mesmo desempenho que tinham há duas décadas, o que é absolutamente normal, pois a idade chega para todos e tem um impacto maior naqueles que usam a voz como instrumento de trabalho.

Na verdade, são poucos os que ainda conseguem manter um padrão próximo do que o público se acostumou a ouvir. Para enfrentar essa realidade, Gillan foi extremamente sábio com o passar dos anos, pois deixou de lado os agudos do início da carreira e se concentrou simplesmente em cantar bem, respeitando o alcance vocal que o corpo fornecia naquele momento.

Domínio de palco e do público

Em vários momentos do show, Gillan fez questão de se posicionar nas laterais do palco, justamente para ficar mais perto do maior número possível de fãs, mostrando um respeito que ele sempre teve em relação ao público. “Com quase 78 anos de idade, ele continua cantando demais! Os lendários Ian Paice, Don Airey e Roger Glover também mostraram uma presença de palco e tiveram uma performance incríveis”, analisa o empresário Onorio de Freitas.

Outra característica da apresentação foram as ocasiões nas quais a banda improvisava bastante durante a execução das músicas, enquanto Gillan se retirava do palco. Certamente, esses momentos são pensados para que o vocalista possa recuperar o fôlego e descansar um pouco, pois o setlist que o Purple prepara é executado em um ritmo muito forte e quase sem intervalos.

Dentro dessa dinâmica, o show agradou em cheio aos fãs, mesmo os que já estão acostumados a ver o Purple ao vivo. “Eles são uma verdadeira instituição da música pesada, da famosa santa trindade, ao lado do Zeppelin e do Sabbath. Para mim, são quatro, pois existe um lugar especial para o Uriah Heep aí!”, diz Onorio, que estava assistindo a um show do grupo pela quinta vez.

O “novato”

Um dos destaques do show foi o guitarrista irlandês Simon McBride, que entrou no Purple no fim do ano passado, após a saída de Steve Morse, e estava estreando diante do público brasileiro. “Ele foi uma grata surpresa! Para mim, ele tem um timbre muito mais para o Ritchie Blackmore (que é tão criador do Heavy Rock quanto o Tony Iommi), utilizando riffs e solos muito mais ‘gordos’ e ‘ganchudos’, do que o som mais limpo do Morse”, opina Onorio.

Steve Morse estava com o grupo desde 1993 e só decidiu se retirar para cuidar da esposa, Janine, que está enfrentando um tratamento contra um câncer.

Em “Smoke on the water”, Gillan fez com que o público cantasse o refrão da música em uníssono. Depois, a banda se retirou momentaneamente do palco, sob o aplauso dos fãs.

Na volta, eles tocaram “Hush” e, em seguida, Glover fez um breve solo de baixo (o que é uma coisa raríssima em um show de Rock) e já emendou o riff inconfundível de “Black night”, para encerrar a noite.

Na saída do show, um pensamento era quase onipresente entre o público: é preciso ver esses gigantes sempre que houver oportunidade, afinal, quando eles já não estiverem entre nós, quem vai assumir o posto e continuar esse legado que o Deep Purple e outras bandas construíram? “Creio que, dificilmente, nós veremos essa instituição novamente por aqui. Entretanto, sem dúvida alguma, essa foi uma saideira mágica!”, finaliza Onorio.

Assista aos vídeos de “Smoke on the water” e “Perfect Strangers”, gravados ao vivo no show do Deep Purple na Live Curitiba.

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