Texto: Marcos Anubis
Fotos, revisão e tradução: Pri Oliveira

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Artistas de verdade não são construídos pela mídia. Eles nascem, se revelam e assumem o seu lugar entre os grandes de forma absolutamente natural. Esta seleta lista inclui Tony Iommi (Black Sabbath), Andy Summers (ex-The Police), John Squire (The Stone Roses) e J. Mascis (Dinosaur Jr.), entre outros instrumentistas.

Todos esses compositores colocaram a criatividade a favor de sua arte e, por isso, criaram estilos únicos. Lee Ranaldo está entre esses gênios da história da música. Nessa segunda-feira (12), o ex-guitarrista do Sonic Youth fez duas apresentações no Teatro Paiol, em Curitiba, e mostrou um pouco de sua expressiva carreira.

Muro de som

Antes do show, Lee já antecipava ao Cwb Live que o setlist seria baseado em seu trabalho solo. “Provavelmente, não vou tocar nenhuma canção do Sonic Youth dessa vez – eu costumava tocar algumas com o The Dust certas vezes, mas tenho tantas músicas novas do meu repertório próprio agora!”, disse. “Vou tocar a maior parte das músicas que estarão no meu próximo álbum (que está chegando no início de 2017) e algumas canções dos meus outros dois álbuns, além de um cover ou dois, quem sabe. Mas nesse momento eu não tenho interesse em tocar as músicas do Sonic Youth: eu acho que já toquei essas músicas o suficiente!”, complementou. Foi o que aconteceu.

Quando as cortinas se abriram e Lee Ranaldo pisou no palco do Paiol, ele foi ovacionado pelo público que lotava o teatro. Lee iniciou o show com “Maroc Mtns”, música que deve fazer parte de seu novo álbum. Em uma mesinha estrategicamente posicionada ao seu lado, uma folha de papel exibia o setlist e outra mostrava as complexas afinações que deveriam ser usadas em cada música.

Uma taça de vinho e duas garrafas de água complementavam o ambiente. Atrás do palco, cinco violões preparados com afinações diferentes esperavam o momento de serem utilizados.

O setlist teve canções de seu novo álbum, que deve se chamar “Eletric Trim”, e dos dois anteriores: “Between The Times & The Tides” (2012) e “Last Night On Earth” (2013). O formato do show com voz e violão tornou o encontro com os fãs curitibanos ainda mais especial.

Com as músicas “despidas” de seus efeitos de estúdio, Lee mostrou ainda mais a sua qualidade como instrumentista. “A ideia é fazer apresentações mais intimistas e realmente apresentar as músicas de um modo mais simplificado. Meu novo álbum é, por outro lado, muito complexo e conta com a participação de muitos músicos: The Dust, Nels Cline, Kid Millions e Sharon Van Etten”, revela.

A possibilidade de se apresentar sozinho, algo com que ele não estava mais acostumado, parece ter sido um desafio para Lee. “Eu estou bem animado com o álbum e espero voltar ao Brasil no próximo ano e apresentar as músicas com a banda completa. Estou curtindo muito o desafio de tocar violão e de me apresentar sozinho agora. Eu não fazia isso há mais de vinte anos!”, conta.

Mas se o formato do show era acústico, nem por isso Lee deixou de tocar com a fúria que sempre o caracterizou. Em várias passagens das canções do setlist, ele fez o Paiol pulsar com seu inconfundível wall of sound. Antes de outra música nova, “Eletric Trim”, Lee comentou que tinha adorado a acústica do Teatro Paiol e a forma com que o som reverberava e voltava para o palco.

Confira, abaixo, o nosso álbum de fotos da apresentação.

Lee Ranaldo - Teatro Paiol - 12/09/2016

Absorvendo outras culturas

Viajar em turnê com uma banda, durante tanto tempo, não é uma garantia de que o artista conseguirá absorver um pouco da cultura de outros países. Dessa vez, a intenção de Lee é, na medida do possível, conhecer os lugares nos quais se apresentará. “Durante essa viagem, quero conhecer algumas cidades brasileiras que eu ainda não visitei – eu estou muito ansioso pra isso! Também estou realmente ansioso para ver e conhecer tudo que eu puder enquanto estiver em Curitiba”, disse ele. Quem sabe, nos próximos dias, veremos fotos da capital paranaense nas redes sociais do “turista” Lee Ranaldo.

Em “Key/Hole”, Lee usou um arco de violino para tocar o seu violão. Em alguns momentos, ao bater o arco na caixa do instrumento, o músico pareceu incorporar alguns elementos da percussão de Naná Vasconcelos. Essa referência é possível, afinal, na entrevista que o Cwb Live fez com ele no início deste ano, Lee revelou que passou a se interessar pela viola brasileira. Chegou até a citar Helena Meireles e Ivan Vilela.

A parte final do show teve a nova “Thrown over the wall” e “Ambulancer”, do álbum “Last Night on Earth”. Ao apresentar a canção, Lee explicou que ela foi feita para um amigo, “alguém que se foi cedo demais”.

“The rising tide” encerrou a curta, porém emocionante, apresentação. No intervalo entre os dois shows, enquanto o público era “trocado”, Lee tirou algumas fotos com os fãs fora do teatro.

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A centelha Sonic Youth

Durante o show, ouvindo a sua forma de tocar e de cantar, ficou muito clara a influência que Lee exercia no Sonic Youth. Sem nenhum tipo de marketing pessoal, munido apenas de seu estrondoso talento e de sua inventividade, Lee Ranaldo mostrou que a música e a arte em geral podem ir muito além de simples comércio. “É muito bacana ver um cara como ele, empunhar seus violões e mandar ver canções que muitos não conheciam e todos conseguirem se sentir parte daquilo tudo”, disse a jornalista curitibana Adriane Perin, fã do trabalho de Lee desde a década de 1980.

A centelha divina do Sonic Youth (as características da ex-banda de Lee) também é destacada por Adriane. “Foi legal ver ali a essência de uma banda. Com suas boas canções, ele é um cara que é um marco na vida da gente, com seus violões, pedais e microfonias. Foi uma noite linda!”, complementou.

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À frente de seu tempo

A experiência de ver Lee Ranaldo no palco do Paiol, acompanhado apenas de um violão e de seus efeitos geniais, foi surreal. Os mais antigos foram transportados para os anos 1980/90, quando ouvir e conhecer música não era uma experiência tão corriqueira quanto é hoje. Naquela época, para descobrir bandas que viviam fora do mainstream, era preciso ter muito interesse.

A solução era vasculhar os sebos da cidade em busca de algum vinil perdido nos balcões dessas lojas. Entre as pessoas que gostavam de música e faziam essa via crucis, havia um consenso: para ouvir e entender o som do Sonic Youth, era necessário conhecer algumas bandas como Jesus and Mary Chain, Velvet Underground e Dinosaur Jr. Bebendo nessas fontes, a pessoa estaria pronta para as dissonâncias, reverberações e, principalmente, para o wall of sound de Lee Ranaldo e Thurston Moore.

Na extensa discografia da banda, uma das obras-primas do Sonic Youth é o álbum “Sister” (1987). Ali, talvez, o grupo tenha encontrado a medida certa entre melodia e microfonia. “O ‘Sister’ foi um álbum especial em muitos aspectos: nós estávamos consolidando o nosso som e o nosso ponto de vista e fizemos isso em um estúdio que se tornou uma lenda como um dos melhores estúdios de gravação em Nova York, o Sear Sound”, relembra Lee.

Ter gravado o álbum num local tão especial para a música americana parece ter contribuído para que o som de “Sister” soasse único. Entre todas as canções do álbum, uma se destaca: “Schizophrenia”, faixa que abre o disco, certamente, é uma das melhores composições do Sonic Youth. “Quando estávamos fazendo a gravação desse disco, ninguém estava trabalhando muito por lá. Era um estúdio incrível, mas não muito conhecido. Naquele momento, nós ainda buscávamos o nosso caminho em estúdio e estávamos aprendendo a gravar álbuns. Aquele álbum é provavelmente o som mais incomum de todos os nossos trabalhos! A música “Schizophrenia” é um pedaço ressonante da vibração do Sonic Youth da metade dos anos 1980”, complementa.

Mas para a tristeza dos fãs, uma reunião do Sonic Youth, nesse momento, parece ser improvável. “Eu acho que nenhum de nós está pensando sobre o Sonic Youth nesse sentido. Exceto por manter a publicação de alguns materiais arquivados, pois há muito material, nós nunca falamos a respeito de tocarmos juntos novamente ou fazermos shows todos juntos. Eu sei que muitas pessoas estão pensando nisso, mas eu tenho que dizer que não vai acontecer. Eu acredito que todos nós estamos muito felizes agora com o que cada um está fazendo individualmente”, finaliza.

Ouvir Lee Ranaldo em Curitiba foi um presente inesperado. Como ele deixou aberta a possibilidade de voltar no ano que vem para lançar seu novo álbum, a espera pela segunda vinda já se iniciou. Confira três músicas do show: “Ambulancer”, “Thrown over the wall” e “Key/Hole” .